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Crash - no limite
COTAS DE ÓDIO*
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
Se temática fosse por si só elemento definidor
de qualidade de filmes, para nós, brasileiros, o
mais importante entre os concorrentes ao Oscar,
concedido anualmente pela Academia de Artes e
Ciências Cinematográficas de Hollywood, seria,
sem dúvida, "CRASH – No limite", de Paulo
Haggins, que nos serve como advertência de como
a implantação do sistema de cotas para minorias
étnicas, como o que se planeja por aqui, pode
desencadear o ódio racial que, em Los Angeles,
nos EUA, já supera o nível do tolerável.
Embora o filme não assuma uma posição firme
sobre a questão, há nele duas seqüências que
explicitam o assunto e que, por isso, a meu ver,
deveria ser exibido em sessão conjunta das duas
Casas do Congresso Nacional, antes que o pior
aconteça entre nós. A primeira, mostra o
policial, branco, Ryan (Matt Dillon) reclamando
à sua agente de seguro de saúde, uma negra, pelo
fato de que seu pai passa as madrugadas no
banheiro, sem conseguir urinar, pois, o médico
que o atende - formado pelo sistema de cotas de
minorias étnicas - não sabe sequer diagnosticar
se ele sofre de infecção nas vias urinárias ou
de problemas na próstata.
A segunda seqüência, mostra outro policial,
Graham (Don Cheadle), um negro que despreza a
mãe, doente, assistida somente por outro filho,
mais novo, um marginal, no momento em que é
advertido por seu chefe por querer justificar ou
acobertar ações de outro policial, branco,
corrupto, morto numa emboscada, sob o argumento
de querer ele preservar sua posição, já que é
difícil aos de sua etnia, que não têm acesso a
boas escolas e à boa educação, conseguir
empregos dignos, como o que tem.
Afora isso, o filme de Haggins nada tem de
original, pois, segue a esteira de "Grand Canyon
– Ansiedade de uma geração", de Lawrence Kasdan
e de "Cenas da Vida" (Short Cuts), de Robert
Altman e de mais alguns outros, que os imitaram
ao longo dos anos, para pretender fazer painel
da diversidade racial que impera na cidade de
Los Angeles, hoje governada por um hispano, com
o extremo cuidado, entretanto, de não tomar
partido em relação a nenhuma das partes
envolvidas e sobre qualquer uma das questões
abordadas no roteiro, por ele próprio escrito,
com a colaboração de Roberto Moresco, com base
numa história de sua autoria.
E nisso Haggins, que veio da televisão, parece
ser mestre, pois, sua receita deu certo no ano
passado, quando a Academia a ele se rendeu
diante do seu roteiro para "Menina de Ouro",
dirigido por Clint Eastwood, apesar de ser
exemplo de trabalho anódino, sem nada de sério a
dizer sobre dois temas importantes: pugilismo e
eutanásia. É claro que não se exige dele que
seja panfletário, mas, pelo menos um pouco mais
incisivo em relação aos temas que desenvolve. A
película recebeu diversos prêmios, a meu ver,
graças ao prestígio de Clint Eastwood, que
embora premiadíssimo pelo western "Os
Imperdoáveis", havia sido injustiçado de certa
forma, no ano anterior, em relação ao seu
trabalho em "Sobre Meninos e Lobos".
Um tanto quanto inexperiente ainda na direção,
pois, a abrangência do espaço no cinema é maior
do que o da televisão, com que lidava, Haggins
parece sentir dificuldade em compor algumas
cenas e de fazer movimentarem-se nelas os
atores. Em vista disso, quem realmente brilha é
Hughes Winborne, editor do filme, que imprime
dinamismo às seqüências, evitando, assim, com
habilidade seletiva, que o ritmo da narrativa
caia e o espectador dela se desinteresse de
forma definitiva diante da pouca autenticidade
de alguns personagens.
São os casos de dois policiais: o negro, Graham
(Don Cheadle), injusto para com sua família e os
de sua cor, mas extremamente benévolo - querendo
se segurar em sua posição - para com os brancos
e, Hanson (Ryan Philipe), de cor branca, bom
demais para com negros para ser verossímil, a
ponto de dar carona a um marginal, Peter (Larenz
Tate), fácil de ser identificado como tal, em
plena madrugada, num dos locais mais violentos
da cidade. Seria, no caso, pelo fato de ser o
marginal um negro? Por quê? Qual a razão disso?
Ou seria pela revolta guardada por ele por haver
trabalhado com o policial Ryan, que tratara de
forma inescrupulosa, diante de seus olhos, um
casal de negros, abordado em seu carro de luxo,
sob suspeita de estarem ambos embriagados? E
isso, por acaso, se justificaria? Apesar disso,
são esses dois personagens que funcionam como
condutores do fio narrativo que, a partir do
roubo de um carro de luxo, provoca o encontro de
pessoas – tratadas, porém, de forma superficial
– das mais variadas classes sociais e origens
étnicas habitantes de Los Angeles.
Quem também realiza bom trabalho é o diretor de
atores – não identificado na ficha técnica – que
consegue apuradas interpretações de todo o
elenco, inclusive, por incrível que pareça, de
Sandra Bullock, que disputa com Jennifer Lopes o
lugar de pior atriz do cinema norte-americano.
Ela, no papel de Jean Cabot, esposa do promotor,
Rick, (Brendan Fraser) - que não quer se ver mal
com os negros com vistas à próxima eleição, a
qual disputará para manter-se no cargo – tem boa
atuação na cena em que humilha um chaveiro em
sua residência, um mexicano, Daniel, bem
interpretado pelo ator Michael Peña. Embora o
elenco se mostre num padrão muito bom, como
disse - o que por si só justifica, a meu ver, a
ida ao cinema para ver "CRASH – No limite" - não
se pode deixar de destacar que Matt Dillon
realiza, no filme, o melhor trabalho de toda sua
carreira. Também a fotografia de James Muro é um
trunfo da película, que conta ainda com
excelente comentário musical de Mark Isham. É
ver para conferir.
*Este comentário será divulgado também, a partir
de hoje - como os anteriores, "Coisa de
Gentinha" e "Um Filme Histórico" - pelo portal
cultural
www.revistabrasilia.com.br
From:
"Theresa Catharina de Góes Campos"
To: "REYNALDO FERREIRA"
Subject: Acabo de ler seu excelente artigo Re:
COTAS DE ÓDIO (Aviso que...)
Date: Thu, 16 Feb 2006 19:07:29 -0200
Estimado Reynaldo:
Acabo de ler - e muito lhe agradeço por ter me
enviado, mais uma vez, essa excelente
colaboração (artigo de sua autoria) - seus
comentários sobre Crash- No limite, sobre o qual
há bastante tempo eu já divulgo material (em
Filmes-Comentários, do
www.arteculturanews.com, assim como na seção
Cinema, do
www.noticiasculturais.com, em meu Blog,
etc.).
Agora, poderei acrescentar o seu texto, nos
mesmos locais (Blog, Arteculturanews e
NoticiasCulturais).
Gostei imensamente do filme, exatamente por ser
realista e ter, ao mesmo tempo, elementos
positivos, como a honestidade do pai
eletricista, os cuidados do policial para com o
seu pai doente, o amor da menina pelo pai, e
muitos outros valores humanos registrados no
filme, que igualmente fez graves denúncias sobre
situações comuns hoje em dia.
Não me lembro qual foi, mas um crítico de São
Paulo, considerou "Crash- No limite" "o melhor
filme do ano".
Nunca digo isso, prefiro afirmar,mesmo quando me
sinto entusiasmadíssima, sobre qualquer filme ou
livro ou peça de teatro, "um dos melhores...",
porque não gosto de cometer injustiças e acho
que, escrever "o melhor..."...é me expor a erros
de julgamento.
(...)
Abraços cordiais de sua amiga
Theresa Catharina