Todos acreditam, por
exemplo, que chegaram ao
mundo com três marcas de
nascença: onisciência,
onipresença e
onipotência, tudo em
dose dupla. Gente assim
faz coisas de que até
Deus duvida, confirma
Alexandre de Moraes de
meia em meia hora.
Comandante do inquérito
do fim do mundo no STF,
imperador do Brasil
eleitoral desde agosto,
o afilhado de Michel
Temer se acha a maior
autoridade mundial em fake
news. Ninguém risca
com tanta segurança
fronteiras que separam
informações de alta
qualidade e notícias
fraudulentas, fatos e
boatos, o que é e o que
não é, o que aconteceu e
o que foi inventado. No
começo desta semana, o
presidente do TSE
anunciou a descoberta de
outra brasileirice: uma
segunda geração de fake
news. Na primeira,
os inimigos do Estado de
Direito se limitavam a
espalhar mentiras. A
recém-nascida é mais
sofisticada. Nessa
variante da pandemia de
falsidades, “a pessoa se
baseia em coisas
verdadeiras para chegar
a conclusões mentirosas
e divulgá-las”, ensina o
doutor em tapeações
eleitoreiras.
Moraes acha que a
segunda geração tem como
alvo preferencial o
candidato do PT. É
verdade que Lula é
ex-presidiário, admitem
o mestre e seus
discípulos. Admitem
também que Lula
enriqueceu trocando
favores milionários com
a bandidagem do Petrolão.
Mas espalhar por aí que
o retorno do
ex-presidente ao
Planalto seria uma volta
à cena do crime é coisa
de fascista sem remédio,
de praticante de atos
antidemocráticos, de
nostálgicos de golpes
militares. Não é isso o
que repete Geraldo
Alckmin nos vídeos da
campanha de 2018 que
seguem fazendo sucesso
na internet?, insistirão
os eternos
insatisfeitos. Não foi a
permanência nas redes de
uma gravação desbocada
feita por Daniel
Silveira o pretexto para
instituir o flagrante
perpétuo e decretar a
prisão de um deputado
federal protegido por
imunidades
parlamentares? O que
espera Moraes para
engaiolar o setentão que
desertou do ninho tucano
para fazer feio em
cantorias esquerdistas?
Melhor parar por aqui,
ouço murmurando os
cautelosos demais. É
perigoso melindrar
magistrados que enxergam
no espelho a instituição
que os empregou. Pois
chegou a hora de deter o
autoritarismo togado,
que desde 2019 consolida
parcerias com militantes
esquerdistas acampados
em redações agonizantes
e casos de polícia
refugiados em partidos
arrendados. “Não se
ganha uma guerra com
retiradas”, avisou
Winston Churchill, o
maior dos estadistas.
Como sentimentos têm
odores, predadores da
liberdade farejam
facilmente o cheiro do
medo, mais pestilento
quando se recua. Os
atropeladores da
Constituição fizeram de
conta que nem notaram as
advertências formuladas
por dezenas de milhões
de brasileiros nas urnas
do primeiro turno. A
mais animadora foi a
profunda mudança na
composição do Senado,
que terá na presidência
um parlamentar indicado
pela majoritária bancada
bolsonarista. Outras: o
confinamento do PT nas
regiões atormentadas
pelo atraso e as
derrotas impostas a Lula
pelo Brasil moderno.
Claro que mesmo
prepotentes vocacionais
enxergaram tais mudanças
na paisagem.
Se é assim, por que os
democratas de manifesto
e libertários de
galinheiro agiram com
tanto desembaraço e
atrevimento ao longo
deste outubro? Os
parceiros têm pressa,
palavra que no glossário
da política tem por
sinônimos também os
termos inquietação, afoiteza e ansiedade.
Descobriram que terão de
enfrentar em 30 de
outubro legiões de
militantes decididos a
inverter o resultado do
primeiro turno.
Confrontados com as
dimensões do eleitorado
que não engole o PT, os
sacerdotes da seita
descobriram que nunca
tiveram um genuíno
oponente. Os advogados
de Lula, com a ajuda do
estafeta Randolfe
Rodrigues, atravessaram
o mês pressionando os
aliados no TSE com a
média diária de cinco
ações judiciais — ora
exigindo direito de
resposta, ora
reivindicando a
supressão de verdades,
ora pedindo a imposição
da censura a empresas de
comunicação ou veículos
jornalísticos. As ações
emplacadas por
assessores jurídicos de
Jair Bolsonaro não
chegaram a dez. O TSE
disse sim a quase todas
as remetidas por
lulistas. Até às que
imploraram pela exumação
da censura, essa abjeção
sepultada em cova rasa
na década de 1970.
No dia 18, o ministro
Benedito Gonçalves,
corregedor-geral da
Justiça Eleitoral,
bloqueou até 31 de
outubro a monetização de
quatro empresas
jornalísticas. Incluída
no grupo, a Brasil
Paralelo sofreu um
castigo adicional.
Benedito trancou no baú
da censura prévia o
documentário Quem
Mandou Matar Jair
Bolsonaro?. A multa
fixada para o
descumprimento da
decisão arbitrária é de
R$ 500 mil por dia. Nem
mesmo o Brasil do AI-5
adotou a censura prévia.
Da mesma forma, os
censores que vetavam a
publicação de páginas
marcadas por um
corpulento X desenhado
com lápis vermelho nunca
ameaçaram os censurados
com o fechamento do seu
local de emprego. Esse
fantasma ronda desde
segunda-feira o prédio
da Jovem Pan na Avenida
Paulista.
Moraes e sua bancada
dormiriam em sossego
caso essas violências
exigissem a aprovação de
jornalistas que exigem
respeito à liberdade de
expressão desde que os
beneficiários pensem
como eles. Kennedy
Alencar, do portal UOL,
não se satisfez com o
garrote financeiro
imposto a uma produtora
que não obedece a
cartilhas esquerdistas.
“A Brasil Paralelo é uma
difusora de fake
news conhecida na
praça”, irritou-se o
jornalista que, ao ser
batizado, prestou com o
pronome uma homenagem
que seria recusada pelo
pior dos espécimes da
família Kennedy. “Temos
de aplicar o princípio follow
the money. Tem de
ver quais são os
empresários que
financiam a produção de
conteúdo falso. É uma
organização de extrema
direita, que dissemina
mentira no debate
público brasileiro e
precisa ser combatida.”
Figuras desse calibre
decerto torcem também
pelo desaparecimento da
octogenária Jovem Pan. E
jamais subscreveriam o
editorial que noticiou a
punhalada desferida na
Constituição pela mão de
Moraes. O presidente do
TSE participou
indevidamente do
julgamento para
desempatar a votação a
favor dos liberticidas.
Como lembra o editorial,
a decisão foi proferida
“ao arrepio do princípio
democrático de liberdade
de imprensa”, que proíbe
qualquer forma de
censura e obstáculo para
a atividade
jornalística. O
documento adverte para
os riscos da escalada
autoritária do TSE e
reafirma “o compromisso
inalienável com o
Brasil. Defendemos os
princípios democráticos
da liberdade de
expressão e de imprensa
e repudiamos com
veemência qualquer forma
de censura.”
Se a Jovem Pan está
proibida de referir-se a
Lula como “ex-presidiário”,
a Gazeta do Povo foi
submetida à censura
depois de publicar no
Twitter notícias sobre a
expulsão da CNN da
Nicarágua. Amigo
fraterno do ditador
Daniel Ortega, Lula
ficou inquieto: alusões
a esses laços incômodos
poderiam prejudicá-lo na
campanha eleitoral. Em
mais um pedido
repulsivo, o PT
solicitou ao TSE a
censura prévia de
reportagens da Gazeta
do Povo que
associassem Lula a
Ortega. Desta vez a
reivindicação absurda
foi rejeitada.
O TSE censurou um
trecho de entrevista
em que o ministro
Marco Aurélio Mello,
aposentado
recentemente,
explicava por que
Lula mente ao
declarar-se
inocentado pelo
Supremo
Na semana passada, o
batalhão de advogados a
serviço do chefão
solicitou o bloqueio de
34 perfis no Twitter, aí
incluído o da Revista Oeste.
“A bomba foi anunciada
por um veículo de
comunicação que fez
questão de aplaudir a
tentativa de amordaçar
parte da imprensa,
jornalistas e formadores
de opinião”, registrou
Paula Leal em reportagem
publicada na Edição
134. “Sem ter acesso
ao conteúdo da
representação, Oeste buscou
amparo jurídico para
exercer seu direito de
defesa. A prática de não
dar acesso integral ao
processo, aliás, tem se
tornado recorrente no
Judiciário. O maior
exemplo é o inquérito
das fake news,
em que as partes não
sabem nem por qual crime
estão sendo acusadas.”
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O PT coloca em prática o plano de amordaçar a imprensa - Revista Oeste
A tentativa de censurar Oeste é mais um capítulo do projeto de poder do partido que não aceita qualquer tipo de ... |
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Sinais de desconforto
enfim começaram a
aparecer em jornais que
sempre denunciaram
ruidosamente quaisquer
ruídos antidemocráticos.
A Folha de S.Paulo,
por exemplo, criticou em
editorial a fábrica de
decisões institucionais
gerenciada por Moraes.
“Ao expandir seu raio de
atuação, a Corte pode
descair para a censura
pura e simples”, avisa
um trecho. O Globo foi
mais incisivo: “TSE foi
longe demais no combate
à desinformação”.
Segundo o portal
carioca, “não é papel da
Corte julgar a qualidade
dos veículos de
imprensa, muito menos
censurá-los
preventivamente apenas
por causa de um título
malfeito, nem mesmo pela
eventual publicação de
informações erradas, que
podem perfeitamente ser
corrigidas”. A Gazeta
do Povo reagiu com
elogiável altivez. “A
adoção da censura prévia
nesta reta final de
campanha é a comprovação
de que o TSE considera
não haver freio nenhum à
sua atuação.”
Surpreendentemente, os
primeiros sinais
amarelos foram acesos no
TSE. Também nesta
semana, inúmeros casos
foram decididos pelo
voto de minerva.
Integrante da trinca de
representantes do STF no
puxadinho governado por
Moraes, a ministra
Cármen Lúcia não
conseguiu camuflar o
constrangimento ao votar
favoravelmente à censura
prévia. Queria ter
certeza de que o relator
cumpriria a promessa de
retirar em 31 de outubro
as algemas que
imobilizam determinações
da Constituição. O
desconforto de Cármen
Lúcia deve ter crescido
notadamente nesta
quinta-feira: o TSE
censurou um trecho de
entrevista em que o
ministro Marco Aurélio
Mello, aposentado
recentemente, explicava
por que Lula mente ao
declarar-se inocentado
pelo Supremo.
Há poucos meses, Marco
Aurélio era o decano do
tribunal. Se Alexandre
de Moraes não for
contido, todos os seus
pares estarão arriscados
a sofrer a mesma
brutalidade que o
atingiu. Cármen Lúcia
não vai demorar a
aposentar-se.