ATÉ QUANDO SUPORTAREMOS?
A deputada euro grega Eva Kaili foi destituída ontem de seu cargo no
Parlamento Europeu, pouco tempo depois de ser descoberta envolvida em corrupção na Copa do Catar.
Encontra-se presa. E a agilidade do castigo e da responsabilização tem um sentido: resgatar a
credibilidade da instituição.
Credibilidade das instituições. Eis a questão! Não reconhecida nem
resgatada no Brasil. Sendo um dos elementos fundamentais para a morte das democracias no mundo. Ao
lado de outros fatores, entre os quais, as dificuldades de ordem econômica e a falta de
eficiência do Estado. Com o incremento da injustiça social e da falta de qualidade de vida da
população.
No entanto, ao que parece, nossa classe política não procura entender os
novos tempos, permanecendo alienada e apostando na passividade da sociedade brasileira. Mas
até para nós, a capacidade de sustentar o sofrimento e as frustrações com a conduta de nossas
autoridades políticas, é uma capacidade inelástica. Em algum momento reagiremos. A depender da imprensa
livre, dos órgãos de investigação e da seriedade da Justiça. Exemplo? Aqui em Brasília, a
Polícia Civil através da Delegacia de Repressão à Corrupção, após um ano de
investigação descobriu um caso de corrupção com emendas parlamentares no CRE de Planaltina. O valor das emendas
alcançou R $6 milhões. Do NOSSO dinheiro. Principalmente dos menos privilegiados, que mal
ganham para comer e pagam imposto em cada pão que compram.
Como costuma acontecer com as emendas, o desvio aconteceu através do
conluio entre parlamentares, gestores, funcionários e empresas. É de se perguntar: por que,
como antigamente, os parlamentares não se organizam para discutirem e pressionarem os Ministérios
no sentido de conseguirem obras para seus redutos eleitorais? Por que desejam carimbar suas
obras ordenando os recursos direta e pessoalmente? Dizem que por causa do retorno do
dinheiro desviado para suas bolsas. Benditos os parlamentares que não usam propaganda eleitoral
gratuita com o nosso dinheiro. E rejeitam as emendas e os Fundos Eleitoral e Partidário.
A credibilidade das instituições e das lideranças políticas é o que mantém
a democracia. Mas aqui, falamos muito nela e fazemos o contrário. Agora mesmo o Presidente eleito Luiz
Inácio pretende colocar na chefia do BNDES o sr. Aloisio Mercadante. Mesmo afrontando as leis que regem
as estatais, que exigem em relação aos indicados para o cargo, uma quarentena de 36 meses,
inclusive longe de atividades partidárias. Não é o caso do sr. Aloisio. Coincidentemente, acaba de ser
aprovado um projeto na Câmara dos Deputados diminuindo o período para 30 dias.
E mais, o sr. Luiz Inácio afirma, dramaticamente, que não haverá mais
privatização. Como assim? E as estatais ruins? Será porque, privatizadas, talvez as empresas não permitam
mais conluios e distribuição de cargos entre políticos? E não é verdade que a Petrobrás sempre
foi muito bem nas mãos do governo. Vide os escandalosos resultados da Lava Jato.
Precisamos nos realinhar, estarmos atentos. Já dizia Fukuyama, citado em um
belo artigo de Circe Cunha no Correio Braziliense de hoje (14/12), que no Brasil podemos perder
a guerra contra a corrupção, perdendo seu foco e poder. Na medida em que “for arrastada para o
campo de guerra ideológico.” Creio que não no campo da realidade crua onde, aparentemente, temos corruptos
demais nos altos escalões.
E a corrupção assume várias formas, como o camaleão no antigo filme de
Woody Allen. Ela se apresentará como desejam seus partidários. Não seria um ato desabonador colocar em
embaixadas pessoas não preparadas profissionalmente? Embaixador é uma carreira altamente
especializada, cujas ações envolvem um elevado grau de risco para o país. Onde ficariam a liderança e a capacidade
profissional? Só falta, para completar o quadro, mandar a Dilma Roussef para embaixadora em Portugal e o
advogado Kakay para a embaixada em Paris, por ter um apartamento por lá. Respeitosamente, qual o
significado da participação presidencial e de um Ministro do STF em um almoço movido a samba, após a
diplomação do Presidente eleito? Quando, normalmente, a comemoração se faz oficialmente? Um agradecimento
ou um pedido? O Dr. Kakay, renomado advogado, foi o mesmo que defendeu a acusada de matar seus
pais e a empregada em um crime bárbaro. Ré que saiu do tribunal com uma pena de mais de
30 anos e continua solta. Pelo beneplácito do STF e a falta de prisão em segunda instância. Enfim,
em um terreno pantanoso, de uma justiça generosa com os mais ricos. E ainda continuamos a falar em
democracia.
Com todo o respeito e direito enquanto cidadão, precisamos lembrar e
exigir que presidente nenhum tem o direito de rifar o Estado para colocar seus amigos. Nenhum Presidente tem
o direito de usar o Estado para pagar suas dívidas de gratidão ou afastar os inconvenientes. Pois o
Estado somos nós, todos nós, que contribuímos com nosso trabalho, impostos e ideais para construí-lo. A
nossa imagem e semelhança.
Democracia supõe o compromisso com a honestidade e a eficiência. Não
cabe mais enganos. E o atual governo pode sair bem menor do que começou. Na medida em que, na prática, a
democracia for apenas uma cortina de fumaça embalada por discursos enfáticos, mas vazios. Os fatos indicam
que não estamos em outro mundo em relação à gestão de Estado e às relações políticas. Continuamos com as
mesmas práticas imorais de tratar o Estado, a coisa pública, como se privada fosse.
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com> (12/2022)