Theresa Catharina de Góes Campos

     
CRÔNICA DO NATAL

De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO

Date: seg., 19 de dez. de 2022

Amigos, a crônica de natal amanheceu pronta em minha cabeça.. Sem questionamentos. E, provavelmente, cheia de contradições. Mas resolvi oferecê-la como uma lembrança minha aos amigos que permaneceram juntos comigo. Os que me conhecem pessoalmente e aqueles a quem, com muita ousadia, enviava meus textos. Talvez seja mais fácil compreender a insistência porque escrever é para mim uma paixão. E uma causa. Quanto à crônica, ofereço a vocês com um abraço carinhoso. E uma despedida. Pois não mais usarei o email. Permanecendo somente no facebook. Meu carinho alcança mesmo os que nunca leram o que escrevi e mesmo assim continuaram com o email aberto às minhas contínuas invasões. Um belíssimo Natal e um Ano Novo de sonhos realizados. Luiza

CRÔNICA DO NATAL

O sol começava a dar o ar de sua graça, surgindo aos poucos no alto do horizonte. Seus raios ainda cor de rosa se espraiavam sobre a terra seca, iluminando os sulcos, as curvas do caminho ainda mal iluminadas, as reentrâncias das pedras, os atalhos cheios de vegetação, o rio passando um pouco mais embaixo, em suave correnteza nos tons verdes e prateados deixados pela lua que se fora. O vento chegava de mansinho, balançando o capim rasteiro, as folhas das amendoeiras, das mangueiras e dos coqueiros, cujas folhas cantavam suavemente. As plantas de porte médio com folhas delicadas se curvavam sobre a estrada, tremendo alegremente com a brisa e saudando os caminhantes.

Eram dois a avançar na estreita trilha do caminho. Um mais baixo e troncudo, de pele branca, cabelos curtos, feições de lábios grossos e maçãs salientes de nariz meio encurvado. O outro era bem mais alto, delgado de corpo, cabelos no ombro e feições finas com grandes olhos meio esverdeados, numa pele morena clara, como sapoti. Ele ia de cabeça baixa, meio sorumbático. Então, Thomas lhe pergunta: “Animado para seu aniversário, John?” O outro balança a cabeça como se estivesse desolado. “Por que ficaria, Thomas? O pessoal faz uma festa enorme, mas não recebo presentes. Às vezes, nem menção fazem ao meu nome nem cantam parabéns. Eu passo esquecido a festa toda.”

“Não acredito, diz Thomas, você sempre foi tão festejado!” O outro lhe dá um riso triste. “É verdade! Eu tinha uma missão na Terra e passei maus bocados. Lembra o que os soldados fizeram comigo? Me pregaram naquele lugar e lá fiquei por um bom tempo. Cheguei até a pedir a meu pai para me tirar daquele martírio. Mas isso não seria a solução para a missão que ele me dera. O pior foi ver minha mãe assistir a todo o meu sofrimento.” Thomas se deixa ficar silencioso durante uns segundos e depois responde: “Mas valeu a pena, não acha?”John se sente meio inquieto. Valeria falar em decepção agora, quando iam para as festas da família? Mas, apesar de cético, Thomas era um bom amigo. E John queria desabafar. “Olha, Thomas, a coisa não é fácil. Parece que o pessoal não entendeu bem sobre o que falamos. Veja, nasci em uma casa de chão de barro, filho de um carpinteiro com uma dona de casa. E, no entanto, o pessoal dá um valor enorme a quem tem posses. Chegam ao cúmulo de julgar os outros pela aparência de riqueza. Esquecem que a dignidade, o belo e o divertido das pessoas não depende do dinheiro que carregam. “Thomas é obrigado a concordar com o amigo. Nem tudo saíra como o planejado.

“E tem mais, continua John, procurei provar com alguns fatos estranhos a verdade do que dizia, só para impressioná-los. Pois sei que não é fácil ter fé. Andei sobre as águas, dividi o pão por centenas, ressuscitei morto e até transformei água em vinho. Eu que sou abstêmio! E a única coisa que pedi foi para eles se amarem uns aos outros. E o que aconteceu? Criaram mil tipos de Igreja, todas cheias de paramentos, fantasias, rituais, aquele cheiro insosso de incenso, músicas cada vez mais desorientadas e até danças. Veja só! E o que era para ser uma troca de ideias, um diálogo carinhoso sobre como viver a nossa vida, se transformou em discursos inflamados, feitos do alto de um púlpito, a demonstrar uma pretensa autoridade sobre o povo. Sem o pessoal se dar conta, em nenhum momento, de que falávamos de amor. A única forma de sermos felizes juntos.”

Os dois continuam a caminhar em silêncio. Thomas entrevia a decepção na fala do amigo. Uma triste decepção. Olhou para ele de soslaio e o encontrou com os ombros baixos, o olhar desanimado. Mesmo assim, resolve falar: “Talvez, John, tenhamos exigido mais do que eles podiam dar.” John o encara perplexo. “Como assim?” E Thomas continua: “Sabe, John, não é fácil amar. Na maioria do tempo estamos meio perdidos nas nossas necessidades e tentando acertar sobre as dos outros. Embora nem sempre estejamos muito interessados.” John responde meio irritado: “Mas eu dei o exemplo! Abdiquei de tudo, mostrei o que era amor na prática, defendi as minorias, no caso, aquela moça que seria apedrejada se eu não chegasse a tempo.” Thomas pensa um pouco e retruca: “Mas você, John, era o escolhido de seu pai. Cheio da potência do amor incondicional. Nós somos cheios de condicionalidades, de expectativas. Não somos eternos e nos perdemos na finitude. É como se ela nos guiasse. Por outro lado, essa doação de vida terminou em exigências duras em algumas Igrejas. E você sabe no que deu. Um horror!”.

John se sente aterrorizado. Então, a coisa toda desandara? O pessoal vivia das aparências de ser cristão? E, no fundo, estavam cheios de ódio, impaciência, desamor? Incluindo desprezar os que não acreditavam em nada, mas eram seres humanos normais e íntegros? Caramba! pensava ele. “Onde foi que eu errei?” Parou no caminho, puxou seu longo casaco sobre as pernas e sentou-se na pedra mais próxima. Thomas aquietou-se ao seu lado. Depois de um momento de silêncio, John começou a falar. Sua voz era calma, mas sofrida, meio rouca como se estivesse emocionado.

“Sabe, Thomas, creio que exigi demais deles. Meu tempo foi curto. Amar é complicado diante do cansaço da vida, da luta para sobreviver, das circunstâncias que cercam as existências e impedem ou dificultam a compreensão do outro. Diante do enorme sofrimento que pode acompanhar a trajetória de homens e mulheres por esta terra. E reclamei o amor como se fosse algo mais fácil. E não dependesse tanto de tanta coisa. Talvez, se pedisse primeiro o respeito e me debruçasse sobre ele, as coisas poderiam ter sido melhores. Quem sabe? A fraqueza do homem é tanta que até Pedro me negou três vezes! E, ainda assim, o reconheci como fundador de minha Igreja. Que saiu diferente do que eu imaginara. Como não pensei nisso?”

Thomas tem vontade de abraçar o amigo. Tentar diminuir a decepção e a tristeza que via em seu rosto. Mas John continuou: “Apesar de tudo, espero que o pessoal se lembre mais de mim neste Natal. Cantem para mim e, quem sabe? Tentem trazer os mesmo presentes que recebi quando nasci. Antes de distribuírem o que eles chamam de “amigo oculto”. Pois eu sou o amigo presente, não escondido nas linhas das histórias. E estarei sempre com eles. Assim como minha mãe.” Então, os dois voltaram para a trilha do caminho. E continuaram seu caminhar para encontrarem as famílias e compartilharem o carinho das festas de Natal e de sempre.

(12/2022/luiza)

 

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