| O BRASIL DA OBEDIÊNCIA - Por J. R. Guzzo, 
								13Jan2023. *Governo e Supremo disparam um 
								ataque sem precedentes ao conjunto de leis em 
								vigor no Brasil, aos direitos civis do cidadão e 
								às liberdades públicas.* 
								
								https://revistaoeste.com/revista/edicao-147/o-brasil-da-obediencia/ O Brasil não teve uma mudança de governo no 
								dia 1º de janeiro de 2023 — está tendo, pelo que 
								mostra a observação dos fatos, uma mudança de 
								regime. Em apenas uma semana, a nova gestão do 
								presidente Lula tinha 1.500 presos num ginásio 
								de esportes em Brasília — nunca houve isso em 
								nenhuma ditadura brasileira do passado, e com 
								cenas que lembram o Estádio Nacional de Santiago 
								do Chile no golpe do general Pinochet. Foi 
								decretada intervenção federal em Brasília. O 
								governador, eleito três meses atrás já no 
								primeiro turno, foi deposto do cargo por três 
								meses. Já existe, antes mesmo do novo Congresso 
								entrar em funcionamento, uma CPI pronta para 
								fazer acusações criminais contra adversários do 
								governo. Foi convocada a Brasília a Força 
								Nacional de Segurança, um grupo extraído das 
								polícias militares para atuar em locais onde não 
								há presença policial regular — convocada para 
								Brasília, uma das cidades mais policiadas do 
								país. Há um pedido de extradição, sem base 
								legal, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, 
								que teve de internar-se no hospital dos Estados 
								Unidos para cuidar de efeitos da facada que 
								quase o matou em 2018. Apareceram até tanques de 
								guerra nas ruas da capital, depois que tinham 
								acabado a invasão e a depredação do Congresso, 
								do Supremo e do Palácio do Planalto no domingo 
								dia 8 de janeiro. A eleição de Lula, ao que parece, não foi 
								suficiente; vê-se agora que foi um passo, entre 
								outros, para a formação de um Brasil sem 
								oposição real. Está em execução neste momento um 
								projeto que pretende manter o país sob o 
								controle de uma coligação entre o STF e o 
								Executivo, através do Ministério da Justiça e do 
								restante do aparelho de repressão do Estado. A 
								situação de ilegalidade que tem estado em vigor 
								nos últimos anos por ação do Poder Judiciário, e 
								que levou Lula de volta à presidência da 
								República depois de suas condenações por 
								corrupção passiva e lavagem de dinheiro, está 
								sendo confirmada — em vez de um retorno à 
								normalidade após as eleições, que terminaram 
								exatamente com o resultado que queriam, o 
								governo e o Supremo disparam agora um ataque sem 
								precedentes ao conjunto de leis em vigor no 
								Brasil, aos direitos civis do cidadão e às 
								liberdades públicas. E a “pacificação” do país, 
								que Lula pregou durante toda a sua campanha 
								eleitoral? Não existe, simplesmente. O que 
								existe é o contrário da paz: prisões em massa, 
								ameaça de processar penalmente milhares de 
								pessoas, censura nas redes sociais e mais todo 
								um arsenal repressivo de multas, bloqueio de 
								contas bancárias e intimações para depor na 
								Polícia Federal. A Lei Maior do Brasil, na prática, não é mais 
								a Constituição Federal de 1988 — é o inquérito 
								perpétuo, sem limites e ilegal que o ministro 
								Alexandre Moraes conduz há mais de três anos 
								para punir o que ele, a esquerda e a mídia 
								chamam de “atos antidemocráticos” e 
								“desinformação”, crimes que não existem na 
								legislação brasileira— não, certamente, da forma 
								como são apresentados, e não com a finalidade de 
								fazer perseguição política. Este inquérito, em 
								violação a toda legislação brasileira, não tem 
								data para ser encerrado. É conduzido em sigilo. 
								Não está livremente aberto aos advogados dos 
								indiciados. Toma decisões sem o indispensável 
								processo que as leis exigem. Acusa, investiga, 
								condena e aplica punições — tudo ao mesmo tempo, 
								e segundo a vontade de uma pessoa só, o ministro 
								Moraes. Não está sujeito a nenhum recurso, ou a 
								qualquer tipo de apreciação superior. Não toma 
								conhecimento da existência do Ministério 
								Público, único órgão do Estado brasileiro 
								autorizado por lei a acusar alguém neste país. É 
								o Ato 5 do regime de exceção que está sendo 
								imposto ao país neste momento. Como um presidente que prometia há pouco um 
								“Brasil Feliz”, a “volta” da “democracia” e o 
								“fim da ditadura de direita” pode acabar a sua 
								primeira semana de governo com 1.500 pessoas 
								presas numa espécie de campo de concentração em 
								Brasília? A face verdadeira da “nova ordem” é 
								essa que está se vendo aí. Sua prioridade não é 
								começar uma administração diferente da anterior, 
								executar um plano de governo, ou cumprir 
								compromissos de campanha — é eliminar o outro 
								lado, e trocar o Estado de Direito pela força 
								policial em que se transformou o STF no Brasil 
								de hoje. O Sistema Lula, com o apoio ativo do 
								Supremo, não está propondo um confronto político 
								com os adversários, ou uma disputa legítima com 
								a oposição — está numa ação de vingança, ou de 
								profilaxia. Desde o dia 1º de janeiro está 
								deixando claro que o seu programa de governo 
								começa com a eliminação dos “inimigos”, ou quem 
								está contra; vai se fazer tudo, digam o que 
								disserem as leis, para garantir que o “outro 
								lado” não volte nunca mais a existir 
								politicamente na vida nacional. Não há, por 
								parte do presidente e das forças que o apoiam, 
								nenhum gesto de conciliação. Ao contrário, o 
								recado é: “Vocês vão ser presos, multados, 
								censurados. Suas contas no banco vão ser 
								bloqueadas. Vocês não vão poder exercer 
								livremente suas atividades. Vocês vão perder o 
								emprego”. Não há terroristas que levam cadeirinhas de 
								praia para cometer atos de terror — terrorista 
								joga bomba, mata gente e explode estação de 
								trem; golpista não dá golpe de estado sem tropa, 
								canhão e comando militar. Mas dois erros, se 
								efetivamente houve dois erros, não fazem um 
								acerto — e se houve mais culpados a única saída 
								é punir a todos por igual. Não se trata de uma suposição. “As prisões 
								não são uma colônia de férias para golpistas”, 
								afirmou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, 
								ao comentar as observações de que estaria 
								havendo tratamento desumano para os presos de 
								Brasília. Disse, também, que “não se pode tratar 
								de forma civilizada” os acusados e que “não 
								haverá apaziguamento” com os que ele acusa de 
								serem “golpistas”, ou “terroristas” na linguagem 
								oficial do regime em implantação — termo adotado 
								de imediato pelo consórcio da mídia para se 
								referir aos presos ou, mais geralmente, aos 
								manifestantes que vêm se reunindo em frente aos 
								quartéis para contestar o resultado da eleição 
								presidencial. “O tempo das prisões em flagrante 
								já passou”, disse o novo ministro da Justiça. 
								“Agora as prisões devem ser preventivas e 
								temporárias.” Ou seja: o governo deu a si 
								próprio autorização para prender cidadãos com 
								base naquilo que julgar como conduta criminosa. 
								É um retrato preciso de um governo que tinha 
								como prioridades, no discurso de campanha, 
								“humanizar as penitenciárias” e “desencarcerar” 
								os criminosos. O presente surto de repressão vem em seguida 
								à invasão dos edifícios dos Três Poderes, por 
								parte de manifestantesque estavam em Brasília 
								protestando contra o resultado da eleição 
								presidencial e pedindo “intervenção militar”, ou 
								que vieram para a capital no fim de semana com o 
								propósito específico de promover a baderna. 
								Tanto faz se são uma coisa ou outra, ou se havia 
								marginais infiltrados entre eles com objetivos 
								políticos. Não importa se as invasões foram 
								feitas pela direita, a esquerda ou o Arcanjo 
								Gabriel — o que se fez foi crime, e não há 
								desculpas, atenuantes ou justificativas para os 
								crimes cometidos. A lei proíbe a violência e a 
								destruição de patrimônio público; é errado em 
								qualquer circunstância, e não há “mas” ou “veja 
								bem” que se apliquem ao que houve. O episódio 
								todo, é verdade, está marcado por mistérios que 
								com certeza nunca serão esclarecidos. Não se 
								entende por que, sabendo que haveria protestos 
								em Brasília, nenhuma autoridade pública fez 
								absolutamente nada para proteger os prédios 
								invadidos. Também não há explicação plausível 
								para que, com toda a sua estrutura de segurança, 
								os órgãos do governo tenham permitido que os 
								autores das invasões destruíssem livremente, 
								durante três horas seguidas, os edifícios que 
								foram atacados. Não ficou claro como Lula, em 
								suas primeiras palavras sobre o episódio, tinha 
								pronto, já datilografado e ao alcance da mão, o 
								decreto de intervenção no Distrito Federal. É 
								incompreensível, também, por que manifestantes 
								que protestam há 70 dias, sem causar o mínimo 
								incidente em qualquer ponto do Brasil, tenham 
								enlouquecido de repente. Não há terroristas que 
								levam cadeirinhas de praia para cometer atos de 
								terror — terrorista joga bomba, mata gente e 
								explode estação de trem; golpista não dá golpe 
								de estado sem tropa, canhão e comando militar. 
								Mas dois erros, se efetivamente houve dois 
								erros, não fazem um acerto — e se houve mais 
								culpados a única saída é punir a todos por 
								igual. O problema está no tipo, na extensão e nas 
								intenções da retaliação lançada pela máquina 
								oficial. Está, também, na igualdade de critérios 
								— se as violências de Brasília têm de ser 
								tratadas com base na legalidade, a violação 
								permanente da lei por parte do inquérito ilegal 
								do STF e a descida do governo para a repressão 
								também não deveriam ser aceitas e tratadas como 
								“defesa da democracia”. O artigo 359 do Código 
								Penal, que substitui a extinta Lei de Segurança 
								Nacional, pune como crime a tentativa, através 
								de “violência ou grave ameaça”, de abolir o 
								Estado democrático de direito ou depor o governo 
								legitimamente constituído. Não é prevista 
								qualquer outra hipótese para a prática desses 
								delitos — e, em qualquer caso, a punição tem de 
								obedecer a devido processo legal, com garantias 
								para os acusados, pleno acesso aos autos por 
								parte dos advogados e procedimentos públicos. 
								Até as invasões de Brasília não houve violência 
								ou grave ameaça a nada e a ninguém — e, apesar 
								disso, cidadãos têm sido presos, multados ou 
								perseguidos com a acusação de cometerem “atos 
								antidemocráticos”, até por conversarem no 
								WhatsApp. E agora? Vai ficar pior? Importa, mais 
								que tudo, o ataque às liberdades — e a montagem 
								de um país sem dissidências, sem o direito de se 
								manifestar em público e sem oposição de verdade. 
								Se qualquer brasileiro pode ser acusado de 
								cometer “atos antidemocráticos”, “desinformação” 
								e outros crimes não previstos na lei, não existe 
								liberdade política efetiva neste país. O que o 
								Sistema Lula-STF está dizendo, na prática, é que 
								não será tolerado um país que não preste 
								obediência ao governo — e no qual a oposição, 
								como em estádio de futebol, tem de ficar como a 
								arquibancada que vaia o juiz, mas não influi em 
								nada no resultado. José Dirceu, uma das estrelas 
								do PT, já disse que ganhar eleição não tem nada 
								a ver com ganhar o poder. Deve ser isso. |