|
FORA DA LINHA
Reynaldo Domingos Ferreira
De: "REYNALDO
FERREIRA"
Data: Mon, 20 Feb 2006 08:27:12 -0300
Para: theresa.files
Assunto: Fora da linha- comentário sobre cinema
O ator Joaquin
Phoenix se empenhou ao máximo para obter um dos
dois papéis de “O Segredo de Brokeback
Mountain”, de Ang Lee – que trata do amor
entre dois caubóis – mas não teve êxito. Seu
talento de intérprete, contudo, estava fadado a
disputar o Oscar com os atores daquele filme ao
personificar o compositor e cantor de música
country, Johnny Cash - em “Johnny & June” (Walk
the line), de James Mangold - dado a um
outro tipo de vício, também antinatural como o
dos caubóis, a droga, em relação ao qual,
entretanto, a sociedade se mostra, como um todo,
bem mais tolerante.
Phoenix é ator que
se vem destacando, nos últimos anos, desde sua
boa atuação no papel de Cômodo, filho do
Imperador romano, Marco Aurélio – apesar da
distorção histórica do personagem – em “O
Gladiador”, de Ridley Scott, que, anos mais
tarde, continuaria violentando a história, em
“Cruzada”. Deve-se a Joaquin Phoenix e à
atriz, Reese Witherspoon - intérprete de June
Carter, parceira e segunda mulher de Johnny Cash
– ambos em excelentes atuações, inclusive como
cantores, pois não foram dublados, o êxito de
“Johnny & June”, que, em tudo, procura seguir a
trilha de “Ray”, de Taylor Hacksford, ganhador
de duas estatuetas do Oscar, no ano passado, uma
das quais dada ao ator Jamie Foxx , perfeito
como Ray Charles.
Entre os dois
filmes, entretanto, existe distância grande,
pois, “Ray” narra, com habilidade e abrangência,
a vida e a carreira de uma legendária figura da
música americana, melhor dizendo do jazz,
conhecido e admirado mundialmente. Não é o caso
de Johnny Cash, cuja música o filme, apenas
episódico, tenta resgatar, pois, ao que suponho,
vem sendo esquecida mesmo pelos americanos
que, depois dela, aprenderam a admirar a de
outros nomes da country music, como John
Denver, mundialmente conhecido na década de
setenta do século passado, após haver
conquistado o The Country Music Awards Song
of the Year, em 1971, por sua música “Take
me Home, Country Road” e, mais tarde, ver
gravada por ele próprio, em parceria com Plácido
Domingo, outra canção, “Perhaps Love”.
Tributos a ele continuam sendo prestados no
mundo inteiro e principalmente nos EUA, onde há
pouco estreou um musical na Broadway.
Os roteiristas –
James Mangold e Gill Dennis - não se mostram
em nada convencidos disso porque querem fazer
crer, escudados em duas autobiografias, que
Johnny Cash teria sido um marco na história da
música americana, que suplantaria mesmo –
acreditem - Elvis Presley, seu companheiro na
gravadora Sun Records, com quem fez
muitos shows nos EUA nos anos cinqüenta. A
propósito, quem vai ao cinema, esperando ver
algo que o faça lembrar o panorama musical
americano daquela época, tão rico e variado, sai
decepcionado, pois, o foco é dado única e
exclusivamente a Cash. Os demais cantores são
mostrados como figuras “menores”, tais como
Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins e
Roy Orbison . Só June Carter, para Cash – que
ajudou na elaboração do roteiro antes de morrer
em 2003 - tem importância, pois, ele a admirava
desde a infância no Arkansas.
É inaceitável, a
meu ver, a maneira pela qual Elvis Presley (Tayler
Hilton) é tratado no filme, como figura menor,
sem importância, quando se sabe, ao contrário,
que foi ele o grande fenômeno da música pop
americana da época, criador do estilo rock,
depois de pesquisas realizadas sobre o ritmo no
meio das comunidades negras do sul dos EUA. Com
isso promoveria ele uma revolução não só na
música pop americana, como também nos costumes
e se tornaria precursor dos rapazes de
Liverpool, os Beatles e, mais tarde, dos Rolling
Stones e de muitas outras bandas.
Foi durante essas
excursões com os cantores da Sun Records
que Johnny Cash teria começado a se drogar em
companhia dos demais, principalmente de Jerry
Lee Lewis, um dos que lhe pareciam mais
próximos, embora as coisas não fiquem
suficientemente claras neste sentido, mas apenas
insinuadas. Nem fica clara também a razão pela
qual, diante da insistência dele, June Carter
não se decidia, embora divorciada, a aceitar seu
pedido de casamento. Parecia haver da parte dela
em relação a ele mais amizade do que amor, tanto
assim, que, ao vê-lo quase perdido para as
drogas – é bom lembrar, a propósito, a
identidade de Joaquin Phoenix com o assunto,
pois perdeu o irmão, também ator, River Phoenix,
prematuramente, por overdose - se dedica, com
os pais, a ajudá-lo a se recuperar, mas depois,
é claro, que ele compra uma bela casa às margens
de um lago em Memphis.
De qualquer forma,
porém, é então que se tem no filme uma das mais
sugestivas cenas, penso eu, quando os pais de
June Carter, com uma arma – o governo dos EUA
nunca teve o desplante como o nosso de querer
desarmar a população para favorecer os bandidos
– botam para correr um traficante da esquina
mais próxima, que aparecera para abastecer de
droga o cantor em sua casa. É assim, a meu ver,
que se deve proceder contra esse vício sem
complacência que liquida a vida de jovens,
principalmente de alguns elementos talentosos
dos meios musicais de lá e daqui. Pena que a
direção, tão limitada e burocrática, não tenha
ressaltado mais a questão.
O diretor, James
Mangold, na verdade, não se credencia para
chegar aonde chegou, isto é, ter um filme
concorrendo ao Oscar em algumas categorias.
Afinal, ele fizera antes “Garota Interrompida”,
filme que só alcançou alguma repercussão por
haver praticamente lançado ao estrelato a bela
Angelina Jolie, então credenciada apenas por ser
filha do ator John Voight, rico e famoso desde
Midnight Cawboy (1969), de tema próximo
ao do filme de Ang Lee – Leão de Ouro em Veneza
- que deu ao inglês John Schlesinger as
estatuetas do Oscar de Melhor Filme e Melhor
direção. O trabalho de Mangold, porém, nada tem
de bom a ser destacado, antes pelo contrário,
algumas tomadas, por ele planejadas, chegam a
ser pouco criativas, como a que mostra Cash
dirigindo um trator arruinado em sua propriedade
e a seqüência, um tanto inexplicável em que ele
tenta, sem êxito, descontar um cheque no banco,
embora na seguinte apareça comprando a citada
casa do lago.
Em suma, não se
pretende desqualificar o mérito do artista John
Cash, que teve infância difícil, no Arkansas,
perdendo o irmão acidentado numa serra elétrica
e que, mais tarde, aprenderia a tocar violão por
contra própria, em Memphis, onde deu início à
sua carreira de sucesso como cantor e compositor
de música country, tendo inclusive feito
incursão pelo cinema, pois, cantou diversas
músicas-tema de filmes ao final da última
década. O que se quer destacar são os equívocos
do filme que retrata parte da vida dele e de sua
carreira, que só tem de bom mesmo a atuação dos
dois atores, Joaquin Phenix e Reese Whiterspoon,
os quais se credenciaram por isso a disputar o
Oscar. É ver para conferir.
REYNALDO DOMINGOS
FERREIRA
JOHNNY E JUNE - Theresa Catharina de
Góes Campos
(NOTAS DA EDITORA)
Acompanhar a situação de uma família
pobre, cujo chefe é alcoólatra e até
as crianças trabalham duro nos
campos de algodão, além de operar
máquinas de manejo inseguro, já nos
sensibiliza desde o início para
compreender os sentimentos de
frustração e melancolia do
personagem a ser retratado na tela.
Ao amigo Reynaldo Domingos Ferreira,
escritor, dramaturgo e jornalista,
reitero meus agradecimentos pelo
envio de seu artigo, tão abrangente,
e detalhado, sobre o filme "Johnny e
June" (Walk the line), de James
Mangold (EUA, 2005 - 136 min.). Essa
cinebiografia do astro da música
country americana Johnny Cash
registra momentos tristes de sua
meninice , o início de sua carreira
e a paixão por June Carter.
Como sou irremediavelmente
romântica, acredito que June amou
Johnny com sinceridade, mas,
consciente e realista, convivendo
com os problemas dele ( álcool e
drogas ), trabalhando e viajando a
seu lado, hesitou ao máximo antes de
aceitar, em 1968, o seu pedido de
casamento ( que, repetido inúmeras
vezes, durante anos, recebia uma
resposta negativa), inclusive,
porque ela já fora casada duas
vezes, e tinha a responsabilidade de
criar duas filhas.
No meu entender, June Carter era
prática, sem vícios e precisava ser
forte, pragmática, para sobreviver
de forma íntegra, sustentando a
família.
Conviver tão intimamente, como
esposa, com um homem viciado em
álcool e drogas, e com traumas de
infância tão profundos, talvez lhe
parecesse favorecer uma eventual
ocorrência de outras tragédias
familiares, para ambos, além de
colocar sob grande risco o bem-estar
e a educação das filhas, exatamente
a sua maior preocupação.
Como você, Reynaldo, também achei
ótima, como expressão de atitude
consciente, vibrei com aquela cena
dos pais de June, armados com
espingarda, dizendo com firmeza ao
traficante ou vendedor de drogas
(que chegou à residência
recém-comprada por Johnny, à beira
do lago): "Leve o seu veneno para
longe daqui e nunca mais volte!"
De fato, a recuperação de Johnny só
foi possível graças à ajuda de June
e sua família.
Sobre o excelente trabalho dos
intérpretes principais, já premiados
e reconhecidos pela crítica
especializada, aproveito para
reproduzir aqui uma explicação de
Reynaldo, bem didática, qualificada
por seus conhecimentos como diretor,
no que se refere à interpretação
cinematográfica:
"(...) no cinema americano, como
também nos mais desenvolvidos,
inclusive no da Argentina, existe a
figura do diretor de atores. Assim,
no caso do Joaquin Phoenix, ele cria
o personagem em concordância com o
diretor de atores, que define a
linha de interpretação adequada ao
tom da narrativa que a direção quer
imprimir ao filme para todo o
elenco. Se, por exemplo, o tom da
narrativa seguir uma linha
expressionista, como no caso de
Matrix, o diretor de atores tem de
orientar os intérpretes a seguir os
métodos de composição
expressionista, que não são
naturais. O cinema brasileiro ainda
é tão primário que desconhece a
figura do diretor de atores, razão
pela qual nossos filmes não têm bom
padrão de interpretação. A direção
tem a ver com a composição de cena,
isto é, com a movimentação dos
atores pelo set de filmagem, pelas
tomadas,etc., mas não
necessariamente com a linha
interpretativa dos atores, como
acontece no teatro. São poucos os
diretores, no cinema, que se dão à
tarefa de dispensar o diretor de
atores. Um caso clássico era o
Visconti, que não só dirigia o
filme, mas também cuidava
meticulosamente da interpretação dos
seus atores, pois viera do teatro.
Havia diferença grande, por isso, do
Alain Delon, dirigido por Visconti e
o Alain Delon de outros filmes.
Também o Helmut Berger. No caso do
Joaquin Phoenix e da Reese
Whiterspoon percebe-se que, além da
convivência que ambos tiveram com os
personagens retratados antes de
morrerem, houve também um trabalho
sério de composição no sentido de
que as nuanças por eles absorvidas
da realidade se adequassem à linha
da direção. Phoenix, ao que se
percebe, é um ator muito
disciplinado, preocupado com as
marcações de cena do diretor, talvez
mais obediente a ele que Reese. Esta
é muito preocupada com a composição
do personagem, mas, é um tanto
quanto desobediente em relação às
marcações de cena, passando a
impressão às vezes de achar-se um
tanto deslocada em determinadas
seqüências. De qualquer forma,
porém, o filme se valoriza muito
pelo trabalho deles como
intérpretes." (Reynaldo Domingos
Ferreira)
O roteiro de "Johnny e June",
bastante criticado por Reynaldo,
também não me agradou, em alguns
aspectos; no entanto, talvez tenha
contribuído, ainda assim , apesar
dos defeitos, para ressaltar que os
protagonistas enfrentaram o desafio
de interpretar papéis muito
difíceis...e saíram vencedores.
Em "Johnny e June", os intérpretes
principais precisaram atuar, além de
tocar instrumentos, "dançando" (a
movimentação no palco, ao se
apresentarem) e cantando eles mesmos
- (sem dublês!) - uma tarefa
exigente, realizada com eficiência e
talento, elogiada pelos jornalistas
estrangeiros, especializados em
cinema, que premiaram Joaquin
Phoenix e Reese Witherspoon com o
Globo de Ouro, sendo ambos indicados
para o Oscar. Ela ganhou,
igualmente, o Bafta, premiação
máxima do cinema britânico à qual
Joaquin Phoenix também foi indicado!
Minha percepção do filme "Johnny e
June" foi a de uma comovente
história de vida, marcada pelo amor,
trabalho constante e superação.
Aquela casa do lago não teria
atrativo algum para quem não amasse
o dono e se dedicasse a ser a sua
companheira... Achei o comentário de
Reynaldo um tanto implacável em sua
análise humana da personagem June
Carter Cash, que o garoto Johnny
ouvia com admiração, já se
apresentando nas emissoras de rádio,
quando ela ainda era uma menina.
A todos que me perguntam, confirmo
ter assistido com muita emoção ao
belo e pungente drama "Johnny e June",
ao qual dei nota dez, sem hesitar,
inclusive pela admirável performance
de Joaquin Phoenix, acompanhada
quase no mesmo nível de excelência
por Reese Witherspoon. Outras
pessoas, talvez bem mais exigentes
do que eu, no quesito "forma" (eu
sempre privilegio o conteúdo...
apesar de também valorizar as
qualidades técnicas), também se
disseram entusiasmadas com o filme.
A vida do casal de artistas
continuou produtiva e plena de
realizações, décadas depois dos anos
relembrados em "Johnny e June".
(ver os sites
www.johnnycash.com e
www.ringoffirethemusical.com)
Após 35 anos de casamento, June
morreu, em 15 de maio de 2003, aos
73, exatamente na fase de
pré-produção do filme. Menos de
quatro meses depois, morreu Johnny,
aos 71 anos, sendo enterrado ao lado
da esposa e companheira de trabalho.
Deixaram órfãos, além de seis filhas
das uniões anteriores, seu único
filho homem, John Carter Cash,
nascido em 1970.
A biografia completa do casal revela
o quanto ambos sofreram e lutaram
juntos. Cantaram com vigor todas as
incompreensões, dores e rejeições
que experimentaram durante a sua
conturbada existência. Nem o sucesso
nem o amor chegaram a eles como algo
fácil.
As suas realizações mostram que não
viveram em vão todos esses
sofrimentos físicos e emocionais do
cotidiano, todos os conflitos que
experimentaram, lado a lado, ao
longo de muitos anos.
Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo, 24 de fevereiro de 2006
|
|