FEMINICÍDIO Era uma mulher de idade,
cabelos brancos, físico magro e de baixa
estatura, de origem americana ou canadense. Não
me lembro. Olhos azuis penetrantes, vestida com
simplicidade. Esperava a turma em pé,encostada
na mesa, cumprimentando a todos muito séria. À
medida que os alunos, todos adultos, de várias
idades e predominantemente brancos entravam na
classe e se acomodavam, ela começava a sua
estratégia pedagógica. Separava-os pela cor dos
olhos. Era ríspida em sua relação com eles e os
colocava em posição considerada humilhante pela
maioria. Alguns não suportavam e tratavam de
sair. Ao final, aos que permaneciam, com voz
mais suave ela explicava que seu objetivo era
fazê-los sentir a realidade das pessoas de cor.
E se colocarem no lugar delas. Compreenderem a
gravidade do preconceito e como se sentiam as
vítimas: sempre estigmatizadas e humilhadas. Os
alunos sempre se comoviam e saiam meio
envergonhados, mas com uma lição para toda a
vida. Alguém lhes ensinara a compreender o que
faziam, obrigando-os a vivenciar o sofrimento do
outro.
Tudo isso me veio à cabeça com a manchete do
Correio Braziliense de hoje (14/02) sobre mais
um feminicídio: “Número de feminicídios bate
recorde no DF”. Estratégia de sensibilização e
confronto poderia ser um dos instrumentos na
prevenção do feminicídio? Depende de cada caso.
No último do DF, a moça convivera com o
companheiro por cerca de 20 anos. Não era mais
feliz e viera para Brasília tentar nova vida.
Trouxera seus dois filhos menores. O maior, com
mais de 20 anos, permaneceu com o pai. Este
homem veio “ver” os filhos na capital,
pretendendo voltar após uns breves dias. O casal
levou a filha menor à escola e na volta, em uma
discussão, ele esfaqueou a ex-companheira,
matando-a. Claro, ele não levava a faca para
cortar pão, ou seja, o que for.
O receio é que a justiça, burocratizada ao
extremo e com excesso de casos para julgamento,
não consiga prevenir o feminicídio. Porque as
medidas, em sua maioria, se destinam às
mulheres. A gravidade dos casos requer ações
mais efetivas do Estado. Um trabalho através do
qual os homens que têm condições, assim como as
mulheres, possam entender quais os aspectos da
situação, a qualidade da comunicação nas
relações familiares e responsabilidades.
Certas medidas foram instituídas. Como a
ordem judicial, para o ex-companheiro manter
certa distância da vítima. No Brasil, ao
contrário de outros países, ela demora a ser
emitida e não é respeitada por muitos dos
agressores. O botão do celular que a mulher pode
acionar em caso de perigo nem sempre significa
que a polícia virá a tempo. E quando chegou,
como explicou uma mulher, a ordem judicial foi
entregue pelo policial ao ex-marido em tom de
complacência e deboche. Sendo assim, essas
medidas têm alcançado realmente os objetivos? Em
uma avaliação quantitativa, quantos casos
lograram êxito? Ou quantos aumentaram o
incontrolável ódio do agressor?
Em alguns lugares, agentes da Justiça
realizam grupos com os homens envolvidos em
denúncias de agressões. Discutindo o problema e
prestando informações. Há relatos sobre a
eficiência do trabalho. É uma boa referência.
Mas temos de ir além. Um setor especializado
atendendo aos homens e às mulheres. Se possível,
identificando a existência de problemas mentais
sérios. O fato é que não podemos esconder a
gravidade do problema, cujas consequências
emocionais nos indivíduos e na sociedade são
amplas e profundas. Envolvendo a família
primária e os mais próximos. Principalmente as
crianças.O feminicídio é a parte final de um
processo no qual a violência das relações
familiares atinge, progressivamente, níveis
altíssimos. Não seria possível ampliar e
aprofundar o trabalho de prevenção? Iniciando
nas primeiras denúncias e incluindo uma
intervenção mais efetiva junto ao agressor? Pois
estamos lidando com uma situação que tem se
agravado. No Distrito Federal nos primeiros 44
dias de 2023, os casos superam os anos de 2020,
2021 e 2022 (Correio Braziliense). Ou seja,
fracassamos.
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
15 de fev. de 2023 |