Theresa Catharina de Góes Campos

     
 FEMINICÍDIO

Era uma mulher de idade, cabelos brancos, físico magro e de baixa estatura, de origem americana ou canadense. Não me lembro. Olhos azuis penetrantes, vestida com simplicidade. Esperava a turma em pé,encostada na mesa, cumprimentando a todos muito séria. À medida que os alunos, todos adultos, de várias idades e predominantemente brancos entravam na classe e se acomodavam, ela começava a sua estratégia pedagógica. Separava-os pela cor dos olhos. Era ríspida em sua relação com eles e os colocava em posição considerada humilhante pela maioria. Alguns não suportavam e tratavam de sair. Ao final, aos que permaneciam, com voz mais suave ela explicava que seu objetivo era fazê-los sentir a realidade das pessoas de cor. E se colocarem no lugar delas. Compreenderem a gravidade do preconceito e como se sentiam as vítimas: sempre estigmatizadas e humilhadas. Os alunos sempre se comoviam e saiam meio envergonhados, mas com uma lição para toda a vida. Alguém lhes ensinara a compreender o que faziam, obrigando-os a vivenciar o sofrimento do outro.

Tudo isso me veio à cabeça com a manchete do Correio Braziliense de hoje (14/02) sobre mais um feminicídio: “Número de feminicídios bate recorde no DF”. Estratégia de sensibilização e confronto poderia ser um dos instrumentos na prevenção do feminicídio? Depende de cada caso. No último do DF, a moça convivera com o companheiro por cerca de 20 anos. Não era mais feliz e viera para Brasília tentar nova vida. Trouxera seus dois filhos menores. O maior, com mais de 20 anos, permaneceu com o pai. Este homem veio “ver” os filhos na capital, pretendendo voltar após uns breves dias. O casal levou a filha menor à escola e na volta, em uma discussão, ele esfaqueou a ex-companheira, matando-a. Claro, ele não levava a faca para cortar pão, ou seja, o que for.

O receio é que a justiça, burocratizada ao extremo e com excesso de casos para julgamento, não consiga prevenir o feminicídio. Porque as medidas, em sua maioria, se destinam às mulheres. A gravidade dos casos requer ações mais efetivas do Estado. Um trabalho através do qual os homens que têm condições, assim como as mulheres, possam entender quais os aspectos da situação, a qualidade da comunicação nas relações familiares e responsabilidades.

Certas medidas foram instituídas. Como a ordem judicial, para o ex-companheiro manter certa distância da vítima. No Brasil, ao contrário de outros países, ela demora a ser emitida e não é respeitada por muitos dos agressores. O botão do celular que a mulher pode acionar em caso de perigo nem sempre significa que a polícia virá a tempo. E quando chegou, como explicou uma mulher, a ordem judicial foi entregue pelo policial ao ex-marido em tom de complacência e deboche. Sendo assim, essas medidas têm alcançado realmente os objetivos? Em uma avaliação quantitativa, quantos casos lograram êxito? Ou quantos aumentaram o incontrolável ódio do agressor?

Em alguns lugares, agentes da Justiça realizam grupos com os homens envolvidos em denúncias de agressões. Discutindo o problema e prestando informações. Há relatos sobre a eficiência do trabalho. É uma boa referência. Mas temos de ir além. Um setor especializado atendendo aos homens e às mulheres. Se possível, identificando a existência de problemas mentais sérios. O fato é que não podemos esconder a gravidade do problema, cujas consequências emocionais nos indivíduos e na sociedade são amplas e profundas. Envolvendo a família primária e os mais próximos. Principalmente as crianças.O feminicídio é a parte final de um processo no qual a violência das relações familiares atinge, progressivamente, níveis altíssimos. Não seria possível ampliar e aprofundar o trabalho de prevenção? Iniciando nas primeiras denúncias e incluindo uma intervenção mais efetiva junto ao agressor? Pois estamos lidando com uma situação que tem se agravado. No Distrito Federal nos primeiros 44 dias de 2023, os casos superam os anos de 2020, 2021 e 2022 (Correio Braziliense). Ou seja, fracassamos.

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO

15 de fev. de 2023

 

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