UMA LIÇÃO PARA A HISTÓRIA? De: LUÍZA
CAVALCANTE CARDOSO
Date: qui., 23 de fev. de 2023 UMA LIÇÃO PARA
A HISTÓRIA?
Durante mais tempo do que deveria, Marcelo
Odebrecht negou que havia problemas com a
empresa, por ocasião da maior operação contra a
corrupção já vista no Brasil e no mundo: a Lava
Jato. E tentou convencer os Bancos, a mídia e o
seu público interno que estava tudo bem. Que a
empresa nada fizera de errado e que não havia
nada a temer. Porém, o castelo de cartas viria a
desabar quando as outras empresas, com maior
consciência da realidade, começaram a fazer
delações e fornecer provas dos crimes, evitando
maior tempo de prisão para seus diretores. Como
a Camargo Corrêa e a UTC e depoimentos como os
de Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef, Augusto
Mendonça e Júlio Camargo.
E uma das contribuições mais importantes na
elucidação da estrutura da corrupção foram as
informações prestadas pelo Procurador suíço
Stefan Lenz. Complementando o acervo de provas
dos desmandos das empresas, que pagavam propinas
a políticos e gestores para conseguirem
vantagens e obras. E essas propinas se
transformavam em sobrepreço nos serviços que
prestavam. Com repetidos e extravagantes
aditivos nos contratos. E depósitos de lucros
absurdos em contas no exterior. Sangrando o
Estado brasileiro e retirando das Políticas
Públicas os recursos que, se bem utilizados,
dariam ao povo, principalmente os desprotegidos,
uma melhor qualidade de vida.
A rede de corrupção envolvia outros países
nos quais as mesmas empresas atuavam. Alguns dos
quais se movimentavam para descobrir o mesmo
esquema. Um dos exemplos de como funcionava foi
o depoimento do sr. Pedro Barusco, um dos
diretores da Petrobras. Em 10 de março de 2015,
“Barusco se apresentou à CPI. Diante das câmeras
da TV, o ex-gerente admitiu que recebeu subornos
na Petrobrás desde os anos de 1990. Em 2003 e
2004, dizia ele, houve uma fase em que estava
institucionalizada a propina”. No acordo de
delação ele prometeu devolver 97 milhões de
dólares.O fato é que foi enorme o rombo da
corrupção na Petrobrás. E a empresa de auditoria
Pricewaterhouse se recusava a assinar o
relatório, se nele não constasse o prejuízo da
Petrobrás com este crime. A Presidente Dilma e
os conselheiros se assustaram com os números e
se recusaram a fornecê-los ou publicá-los. Eles
mostravam uma dura realidade de omissões,
complacência e cumplicidade. Houve uma divisão
quanto a esta decisão. Enquanto os acionistas
minoritários e os diretores queriam prestar as
informações, Dilma e seus conselheiros queriam
esconder os números do público. Diretores
pediram demissão, inclusive a chefe, Graça
Fortes. Quanto ao Relatório de auditoria, a
Price não aceitou não revelar o prejuízo com a
corrupção, que chegava a 88,6 bilhões de reais.
“Era uma cifra impressionante, quase quatro
vezes o lucro da empresa em 2013.” (369)
Enquanto isso, Marcelo se sentia acuado,
preocupado com a situação diante do vendaval de
denúncias. Desesperado, tentava falar com a
Presidente Dilma sobre o desastre que poderia
acontecer e pedia sua intervenção. A Presidente,
que recebera ajuda da empresa para sua campanha,
afirmava que não havia problema e que ela não
interviria. Marcelo, em dado momento, resolveu
escrever um comunicado interno, mas acessível ao
conhecimento de jornais e revistas. “Fui educado
em padrões rigorosos e com valores definidos e
edificantes, em sua maior parte refletidos na
nossa cultura”. E continua afirmando que
valoriza a verdade e quer esclarecidos todos os
fatos e punidos os culpados. No entanto, afirma,
não poderia aceitar afirmações caluniosas.
Ocorre que a Odebrecht, comandada por Marcelo,
era considerada pelas outras empresas a líder do
cartel. E chegara a estruturar um setor
específico para o pagamento de propinas.
O Procurador Geral da República, o Dr.
Rodrigo Janot, chama Marcelo Odebrecht para um
depoimento. Dr. Rodrigo pediu a abertura de 21
inquéritos contra 47 políticos com foro
privilegiado, todos por corrupção, desvio de
dinheiro, de recursos, peculato e caixa dois.
Políticos de muitos Partidos foram presos na
Lava Jato, inclusive o sr. Eduardo Cunha,
Presidente da Câmara Federal. Do PT foram presos
tesoureiros, políticos e eminências pardas como
o sr José Dirceu e o Dr. Antônio Palocci. Cuja
delação nunca veio a público. Além da figura
máxima do Partido, o sr. Luiz Inácio. Por um
sítio no qual havia todos os sinais de posse -
dele e de sua família. Além de uma reforma feita
por uma das empresas envolvidas nas
investigações. Reforma malexplicada. E um
apartamento, do qual aparecem fotos de
frequentes visitas dele e de sua esposa. Também
reformado por empresa igualmente investigada.
Condenado, recebeu uma pena de mais de 500 dias,
cumprida com resiliência e a ajuda dos amigos,
que nunca o abandonaram. Penalidade estabelecida
após julgamento em Segunda Instância, por três
juízes. Contudo, um espanto permanece no ar. O
Sr. Luiz Inácio era a figura máxima do Partido
dos Trabalhadores e Presidente do Brasil na
época. Foram presos tesoureiro do PT, políticos
e figuras da cúpula da administração de governo.
Pessoas de sua total intimidade e do círculo
próximo do poder. Condenados e presos sem
contestações. Como o Presidente nada sabia? Sem
conivência e cumplicidade? Estaria em um
metaverso?
A Operação Lava Jato continuava, as prisões
de diretores da Petrobras e empresários se
sucediam. Até a prisão de Marcelo Odebrecht, que
foi um golpe para a família. Ele tentava ser
forte para segurar a barra. A operação
específica do caso se chamava Erga Omnes, ou
seja, ninguém está acima da Lei. Casa revirada,
documentos e computadores apreendidos. E a dura
realidade de um cubículo para viver. “Ao deixar
o prédio, os furgões pretos da PF repletos de
malotes abriam caminho para a derrocada do maior
império de engenharia e infraestrutura já
construído no Brasil.” (385)A Lava Jato,
portanto, atingiu o mundo político e
empresarial. E, pela segunda vez no Brasil, os
poderosos também foram para a cadeia. Como no
julgamento anterior, o Mensalão, presidido pelo
ministro do STF, Joaquim Barbosa. O universo
empresarial viu suas práticas perversas expostas
à sociedade. Práticas de um capitalismo sem
competitividade, com pagamentos de propinas e
benesses para conseguir obras e vantagens e
lucros de preços superfaturados.
É interessante esclarecer algumas estratégias
utilizadas pelos agentes da Lava Jato, que
permitiram a continuação da operação e o êxito
de seus resultados. Ao contrário de outras que
foram abafadas pela Justiça, ancoradas em falsos
argumentos. Primeiramente, eles divulgaram as
informações que poderiam ser divulgadas. A
opinião pública conheceu os meandros da
corrupção. Houve um julgamento da sociedade. Uma
outra estratégia da Lava Jato era impedir as
nulidades formais que derrubaram as
investigações anteriores sobre os crimes de
colarinho branco, envolvendo os ricos e
poderosos. Contudo, nem todas foram derrubadas,
como ficou comprovado em relação aos inquéritos
do s.r. Luiz Inácio. Mas os procuradores,
coordenados por Deltan Dallagnol e o juiz Sergio
Moro, pagaram um preço: eles tiveram sua
intimidade devassada, dia após dia, com a
divulgação de mensagens da equipe de trabalho
através do Telegram. O nome de quem financiou o
jornalista americano responsável pela perversa
invasão de privacidade, nunca foi revelado. Os
promotores e o juiz são acusados de atropelarem
os processos, “com sanha justiceira e
missionária”.Pior seria a sanha corrupta de
extorquir os cofres públicos. É importante
lembrar que nenhuma acusação foi feita contra os
procuradores em relação a adulteração de provas
ou negligência. Mas a Lava Jato, como aconteceu
com outras operações em diferentes partes do
mundo, foi alvo dos adversários e seus
interesses. Conseguiram colocar uma pedra de cal
em tudo. Inclusive com a atuação do Procurador
Geral da República, o Dr. Augusto Aras. De um
governo que prometia lutar contra a corrupção.
Mas como lutar contra algo entranhado em nossas
práticas políticas? Não faz muito tempo, por
exemplo, aconteceu o Orçamento Secreto com
sérias denúncias sobre os recursos das emendas
parlamentares. Igualmente os pedidos de propinas
por parte de pastores instalados no Ministério
da Educação. A impunidade de uma Justiça omissa
ou tardia contribui para a manutenção da ousadia
dos corruptos do país.
Quando a efetiva ação da Justiça terminará em
tempo os tantos processos contra os poderosos de
plantão? Quando serão identificados os culpados
e punidos? O governo Temer, silencioso e
contido, reorganizou as contas públicas e tentou
proteger as estatais da influência política.
Tudo o que a turma de sempre não queria. Já
flexibilizaram essas regras. E continua a
corrida de parlamentares por cargos no Governo
que teriam de fiscalizar, como função precípua.
Enfim, trata-se de uma boa proposta para
desafiar os erros e aceitá-los como lições para
o futuro. No entanto, os Partidos preferiram a
arrogância dos tolos, a negação dos estúpidos. E
repetem as mesmas manobras, o mesmo discurso
cansativo e patético de críticas exacerbadas à
Lava Jato, como forma de sobrevivência e para o
público esquecer seus crimes. Argumento mil
vezes repetido, para que sua irracionalidade se
torne verdade: a Lava Jato acabou com as
empresas. Por todos os deuses! Não foi a
corrupção?
Outra estratégia é escolher os bodes
expiatórios de plantão: Temer, o golpista;
autonomia do Banco Central; o sr. Roberto Campos
Neto etc. Ao contrário da proposta de
pacificação de que tanto falam. E em lugar de
procurarem o que fazer da vida partidária.
Diante dessa realidade nacional não seria
interessante e necessário se cada organização e
Partido político desenvolvesse o Compliance ? O
Programa estabelece procedimentos para prevenir
e remediar riscos relacionados ao cumprimento de
leis e regulamentos, sob a perspectiva da ética
e da integridade. Programa que é “postura,
comportamento ético, moral e transparente na
nossa vida cotidiana e de nossas profissões.”
Exige o engajamento de todos os membros e hoje
extrapola o ambiente das empresas para ser
utilizado na sociedade como um todo.
(techedgegroup.com). Sonhar demais?
Antes de terminar, uma menção de louvor ao
trabalho da jornalista Malu Gaspar, autora do
livro “A Organização” e no qual o texto acima se
fundamenta. Durante três longos anos e após 120
entrevistas com diversos atores e um livro de
631 páginas, ela diz o seguinte: “Trata-se tão
somente de uma reportagem. É vida real, com
todas as suas nuances e imperfeições. A saga de
pessoas que influenciaram os rumos do país e do
continente ao longo de décadas, e assim nos
ajudaram a chegar onde estamos”. LUÍZA
CAVALCANTE CARDOSO (02/2023) |