Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: qua., 8 de mar. de 2023 
 

A METAMORFOSE

 

     “Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, quando levantou um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido em segmentos arqueados, sobre o qual a coberta, prestes a deslizar de vez, apenas se mantinha com dificuldade. Suas muitas pernas, lamentavelmente finas em comparação com o volume do resto do seu corpo, vibravam desamparadas ante seus olhos.” (A Metamorfose, Franz Kafka, capítulo 1).

 

 Kafka já dizia que o despertar é o momento mais perigoso do dia. Pois hoje, ao lado de meus naturais estranhamentos matinais, que às vezes se arrastam pelo dia, fiquei assombrada com o novo ser que vejo surgir das notícias sobre a política nacional. Ou seja, a metamorfose do Estado brasileiro sob o jugo do Poder Legislativo e sua esdrúxula influência na gestão de governo, com olho na manipulação dos recursos públicos. Não em função de um bom governo. Mas em uma esganiçada luta pelo poder e seus benefícios, fundamentada no que tem de pior na vida pública: a comercialização das relações políticas. Um pacto de governabilidade no qual o apoio que o Executivo precisa para aprovação de seus projetos, é trocado por cargos e outras benesses. A máquina pública de governo é loteada entre Partidos. A maioria deles desejando que o atual governo não funcione com êxito, para conseguir a Presidência do país mais adiante.

 

    As contribuições dos políticos através do bom debate democrático foram substituídas por uma adesão irrestrita ou não, segundo as exigências materiais dos Partidos ao governo. Com consequências para a representação parlamentar. Pois ignora-se o voto do eleitor ao aceitar cargos na máquina burocrática federal. A representação no Congresso perde totalmente o seu valor e significado, na medida em que, afastado do cargo para o qual foi eleito, o parlamentar torna-se parte do Executivo - que ele deveria fiscalizar. Seus gastos de campanha, financiados pelo Fundo Eleitoral, não serão devolvidos. Suas promessas ao povo... vãs!

 

     Pois bem. Não paramos por aí! Acima de todas as previsões que este tipo de comércio traz à realidade política brasileira, apareceram outros perversos contornos. Qual seja, a intrusão dos Partidos na autoridade da gestão governamental. Lembremos: os indicados nem sempre apresentam qualificação profissional para os cargos. E alguns trazem suspeitas quanto a atos de corrupção ou convivências estranhas. Sendo, quase sempre, ilustres desconhecidos no cenário nacional. Qual a nova variável nessa relação da qual o Executivo tem uma profunda dependência? A perda da autoridade governamental para demitir por justa causa. Ela foi duramente atingida. O que aconteceu com o Sr. Juscelino, titular das Comunicações e do Turismo, a sra. Daniela. O União, partido que os indicou, assim como o sr. Arthur Lira, Presidente da Câmara Federal, avisaram ao governo das consequências se eles fossem afastados dos cargos. Houve pressão das bancadas pela permanência do Sr. Juscelino. Por mais que este senhor, comprovadamente, tenha agido contra a ética no serviço público. A chantagem impediu o Presidente Luiz Inácio de tomar decisões como gestor.

 

      Ou seja, não temos mais dois Poderes. No Brasil de hoje vemos nascer um ser estranho, de múltiplas facetas e pernas, fruto de uma metamorfose simbiótica entre um Executivo cada vez mais submisso a um insano processo de governabilidade e um Legislativo despudoradamente ganancioso. Que toma de assalto as prerrogativas da gestão federal e dos recursos. Por esta o Sr. Luiz Inácio, Presidente do Brasil, não esperava. Ou será que mergulhei profundamente nos perigos do despertar?  (03/20223/luiza)

 

Jornalismo com ética e solidariedade.