Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO

Date: sex., 28 de abr. de 2023

A ENFERMEIRA

O largo corredor do hospital estava vazio. Uma luz brilhante iluminava aqui e ali um ou outro carrinho com lençóis. As portas dos quartos estavam fechadas. Em um deles cortinas finas tremulavam na brisa da noite em uma janela de vidro hermeticamente fechada. A luz que o iluminava parecia um lusco fusco, tons de claros e escuros que não permitiam ver todo o ambiente com nitidez. O paciente, um forte habitante das circunvizinhanças, vivia isolado em sua casa, mantendo os hábitos de fumar e beber cerveja. E agora fora internado com dificuldades para urinar. Amigos e o irmão estiveram com ele naquele dia. Ele, forte e animado. O médico prometendo dar alta no outro dia. O irmão foi para casa satisfeito.

Eis que, por entre a cortina tremulando e o ambiente meio enluarado do quarto, o suporte do soro começa a se mexer. E na mão do paciente, onde estava enfiada a agulha para receber os medicamentos, uma ampola branca é esvaziada. Alguns instantes depois soa o alarme avisando sérios problemas, com graves alterações no quadro de saúde de um dos pacientes. Na sala da Enfermagem as televisões apareciam palpitando os sinais vitais de todos os ocupantes e seus quartos. E indicam que ocorrera uma parada cardíaca. Todos correm e, na frente de todos, o que costumava ocorrer, chega uma enfermeira das mais antigas, considerada a melhor, acompanhada de sua pupila e orientanda, uma outra enfermeira que acabara de chegarà cidade e em seu primeiro emprego: na Emergência do Hospital Nykobing Falster na Dinamarca.Empregados todos os esforços da equipe médica e de enfermagem o paciente falece. A autópsia revela uma dose fatal de morfina e diazepam. E o médico perito sugere que o paciente se suicidou. Como ele encontraria os remédios e se injetaria é uma das mais gritantes questões, colocadas por qualquer simples mortal. O irmão não aceita o argumento por dois motivos: seu irmão nunca pensaria em se suicidar, mesmo carregando a tristeza da morte do filho. Em segundo lugar, ele detestava remédios. Seria mais fácil se jogar na frente de um carro. Mais tarde, pesquisa feita nos prontuários por um médico consciente revelaria que o paciente não tinha problema nenhum no coração.

A narrativa bem elaborada da minissérie da Netflix, A Enfermeira, consegue tocar em pontos realmente sensíveis dos serviços médicos. Primeiramente, a falta de fiscalização efetiva dos serviços; a ausência de atenção a distúrbios de comportamento que profissionais da saúde podem apresentar, com sérias consequências para seus pacientes; a rede de negação e covardia que se forma para ninguém se intrometer em problemas, acusando quem quer que seja ou ao hospital de negligência ou cumplicidade criminosa. Assim, 28 pacientes morrem em um ano e meio sem um motivo aparente em relação a seus quadros de saúde. Todos no plantão de determinada profissional. Ou se interessam pelo histórico profissional para saberem que, na saída desta profissional de outro hospital, as mortes nos plantões caíram 40%. Esta alienação criminosa permitiu que um enfermeiro no Rio de Janeiro/ Brasil, matasse mais de 100 pacientes em seu turno, até ser descoberto. A serviço das funerárias das quais recebia propina. Ninguém foi condenado por responsabilidade no caso. A não ser o enfermeiro, dado como louco. Esta história precisa ser contada.

A minissérie A Enfermeira foi filmada em 2023 com atrizes da televisão e do cinema dinamarquês. Estrelada por Fanny Louise Berth como a enfermeira novata Pernille Kurzmann. E Josephine Park como a acusada Christina Aistrup Hansen. A magnífica direção é de Karper Barfoed, um ainda jovem diretor dinamarquês, formado em Literatura Comparada pela Universidade de Copenhague. Karper passeia sua câmara com naturalidade, explorando lindos ângulos de fotografia, quer externas ou internas. Com closes perfeitos. A iluminação interna de claros e escuros que se sucedem, marcando o clima da história que se desenvolve. O tempo das cenas e a condução das sequências também é perfeito. Espaço e tempo perfeitamente entrosados. Como explica Christian Metz, o realismo do filme diz respeito à organização do conteúdo. (do livro: A significação do cinema)Essa minissérie foi baseada no livro homônimo da jornalista Kristian Corfixen, narrando um dos maiores crimes ocorridos em uma Dinamarca escandalizada com o horror dos fatos de 2015. A narrativa levanta problemas e estranhamentos. Pois não deixam de surpreender, atualmente, as mortes de pacientes que falecem assim que chegam em casa, depois de uma internação. Ou mesmo ainda no hospital, quando se preparam para sair por alta hospitalar. Enfim, são questões de vida e morte que nos envolvem como usuários dos serviços. Usuários fragilizados e impotentes. (04/2023/luiza)

 

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