LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: ACASO,
IMPREVISIBILIDADE, ESPANTO
Em entrevista a Roberto D´Ávila, se não me
engano em 2013, Ferreira Gullar e ele discutiam
sobre o acaso na vida. Os quais, assim como a
imprevisibilidade e o espanto, inspiravam e
moviam nossas existências. Mas Gullar avisa que,
de certo modo, o ser humano se prepara para
eles. E cita, como exemplo, o encontro com o
amor de sua vida. Convidado por seu chefe, não
queria ir à Feira do Livro na Alemanha. Mas
viajara e, naquela oportunidade, encontrara sua
futura esposa, companheira de quase vinte anos.
Amor maduro que, conforme suas palavras, mudara
sua existência. E a dela também. Nunca mais
foram os mesmos, afirma. Mas Gullar certamente
fora chamado a Alemanha, por uma inteligência
desmedida, pelo estudo e a genialidade de sua
obra. Ele se preparara para isso.
Roberto Jefferson em recente entrevista ao
Correio Braziliense, de certa forma, fala sobre
o assunto. Com uma inteligência acima da média e
uma capacidade admirável de análise da vida
política, sua narração me faz relacionar o
acaso, a imprevisibilidade e o espanto diante da
vida com a corajosa capacidade de superação.
Primeiramente, a coragem de vencer a obesidade
mórbida, quando fez a cirurgia bariátrica e
passou dos 170 quilos para cerca de oitenta.
Depois, ao vencer o câncer que se espalhou por
estomago, pâncreas e o obrigou a retirar três
metros de intestino. Em seguida a prisão, por
seu envolvimento com o Mensalão. Antes, o
inesquecível encontro com José Dirceu, eminência
parda do Governo Petista. Um Rasputim moderno
que Jefferson confronta em reunião de CPI,
afirmando que ele faz despertar seus instintos
mais primitivos.
Na prisão, passou um ano e meio, em
recuperação do câncer, aprendendo a baixar a
cabeça diante dos guardas, a andar com as mãos
nas costas e a dividir alimentos e remédios com
os outros presos, como estratégia de
sobrevivência. E quando o acaso já lhe
apresentara a mulher de sua vida. Perguntado
pelo repórter o que hoje despertava seus
instintos mais primitivos, responde: “o amor de
minha mulher”. E completa: “quando ela põe as
mãos em mim. ” Sem conhecer pessoalmente nenhum
dos personagens ou discutir outras questões,
espanto-me ao perceber a entrega desses homens
ao acaso, à imprevisibilidade e ao espanto. A
coragem de sorver a vida, na forma como se
apresenta. Louvados sejam essa coragem e esse
amor!
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: sex., 9 de jun. de 2023 |