LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: TSUNAMI NO BRASIL
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: dom., 18 de jun. de 2023
TSUNAMI NO BRASIL
Naquela madrugada a insônia me fez ouvir o
barulho do caminhão como que subindo uma
ladeira. Uma arrancada mais forte e depois a
diminuição da potência. Parecendo que ele ia
ficar pelo caminho, carregado até as bordas de
gado ou mercadorias. Era um barulho presente nas
madrugadas, pelos rincões do país, quando
recém-casada acompanhava as missões do Batalhão
de Engenharia do Exército, construindo pontes,
estradas, quartéis e vilas. Uma experiência
fascinante, cercada de cuidados e respeito dos
Comandantes. Além dos excelentes amigos
conquistados ao longo do percurso. Foram cerca
de 17 transferências e muitas viagens de carro
por estradas nem sempre bem conservadas. Junto
com caminhões e grandes carretas. O ruído me
perseguindo, como se eles fossem perder o fôlego
em algum momento. E, às vezes, sofrendo trágicos
acidentes. Envolvendo motoristas e famílias em
outros carros. Com perdas de vidas. E a sensação
de que alguns que ficaram nunca se recuperariam
para o futuro.
E pensei no meu país, este Brasil que mais
parece um caminhão muito velho a romper
obstáculos, sem nunca chegar ao destino.
Envolvido, desde tempos atrás, em acidentes de
trágicas proporções. Exagero ao imaginar que
vivemos uma tsunami? Como o Japão, depois do
terremoto de 9 graus na escala Richter, no dia
03 de março de 2011? Era um mar de lama grossa e
escura a invadir tudo, levando de roldão carros
e casas e tudo o mais que estivesse no caminho.
Mais de 15 mil pessoas morreram. E o desastre
atômico ainda está para ser totalmente
resolvido. Mas é um povo disciplinado, de
caráter e capaz de se recuperar das tragédias e
encontrar o futuro.
E quanto a nós? O que fazemos com nosso
presente e a busca do futuro? Bem, o
funcionamento dos Poderes, que deveriam ser
independentemente harmônicos, é transpassado por
uma prática de chantagem e comercialização das
relações políticas, nas quais a adesão aos
projetos de governo somente se concretiza a
partir de recursos para emendas e cargos na
máquina administrativa pública federal.
Lembrando que emendas se destinam aos currais
eleitorais dos parlamentares. Uma parte delas
desligadas de projetos e fiscalização formal.
Constituindo propaganda eleitoral gratuita com
recursos dos nossos impostos. São escolhas
pessoais, portanto, antidemocráticas porque os
recursos orçamentários da União são para todos.
E, no caso, submetidos a uma excessiva
pulverização e corrupção. Como estudos já
demonstraram. Os mesmo recursos, que são dos
nossos impostos, financiam a paquidérmica
estrutura do Congresso Nacional, seus
incontáveis privilégios, além dos Fundos
Partidário e Eleitoral e as verbas
indenizatórias. Agora com outro nome.
Significando ao final, aparentemente, que nossos
parlamentares querem fazer política com ganhos
importantes, sem nenhum esforço ou gasto
pessoal. Colocando a conta em cima do povo
brasileiro.
Quais os problemas decorrentes? A crescente
amplitude de intervenção do Poder Legislativo
sobre o Executivo, que permanece de joelhos e
sem espaço para as decisões. O mal emprego dos
recursos e a mediocridade dos resultados das
Políticas Públicas. Nunca avaliadas, talvez até
por conveniência. Em relação a nossa educação,
por exemplo, é razoável supor por alguém
minimamente racional, que um dos maiores
problemas é a falta de preparo dos professores e
o nível salarial indecente. Além do desprestígio
da profissão. Que estratégias o MEC realiza para
o enfrentamento do problema? Qual o resultado da
Política Pública de Educação no Brasil? Um dos
motores do desenvolvimento nacional, em todos os
exames internacionais de avaliação da eficácia
do ensino, nossos alunos estão muito mal
colocados. A grande maioria, em séries
adiantadas, demonstra dificuldades para escrever
e entender textos. Como se fôssemos analfabetos
funcionais, estamos na rabeira dos outros
países. No entanto, se você consultar o site da
Câmara dos Deputados, há informações importantes
sobre o Orçamento do Ministério da Educação.
Este Orçamento crescia a cada ano. A partir de
2017 os recursos começaram a diminuir. Segundo a
Lei Orçamentária anual, a LOA, discutida e
modificada pelo Congresso Nacional, o orçamento
para a educação em 2023 alcançou um total de R
$147.4 bilhões. Foram cortados R $1 bilhão
destinados à Educação Básica.
Para completar, a corrupção abraçou o FUNDEB
– Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica. Em 2017 compraram mais de
mil computadores para uma escola de 250 alunos.
Recentemente, mais da metade dos recursos do
FUNDEB foram desviados para Alagoas, o segundo
menor estado do Brasil. Para kits de informática
destinados a escolas sem saneamento básico, sem
luz ou professores capacitados para operarem os
equipamentos. Quem dirigia o FUNDEB ontem e
hoje? Quem foi responsabilizado e preso?
E quanto aos recursos dirigidos para as
emendas? Para 2023 foram apresentadas 6.575
emendas individuais e coletivas. Para as emendas
impositivas (obrigatoriamente pagas pelo
Executivo) foram reservados R $11.7 bilhões.
Muito menos para as não impositivas, R $1.5
bilhão. Diga-se de passagem, que o site da
Câmara dos Deputados informa que a reserva para
as emendas não impositivas foi conseguida
através de um “cancelamento linear de despesas
discricionárias de 1.3% do total”. Despesas
discricionárias são as destinadas ao custeio e
ao INVESTIMENTO (ênfase minha).
De acordo com PLN-322/22 o Orçamento federal,
sob a relatoria do senador Marcelo Couto (MDB–Pe),
destinou um total de R $234.3 bilhões para as
emendas parlamentares de 2023. Ou seja, um
Ministério do porte e da importância da Educação
recebe menos verbas do que o valor destinado às
emendas parlamentares. E mais, hoje
(16/junho/2023) a imprensa noticia que há cerca
de 400 cargos a serem preenchidos nos 37
Ministérios e que serão negociados com os
parlamentares. Os parlamentares indicados para
cargos foram eleitos para representarem seus
eleitores no parlamento. Não haveria um desvio
de função? Por outro lado, quem recebe benesses
ou participa diretamente da máquina pública,
pode fiscalizar o governo? Ao usar o voto que
lhe foi dado como moeda de troca, o parlamentar
o inutiliza. Degrada-o.
Existem ainda aspectos perturbadores no modo
como as coisas acontecem em nossa política
atualmente. A pressão por verbas e cargos, a
chantagem política, é feita publicamente com
reiteradas declarações na mídia, como nunca foi
feito na nossa história. Com todo o respeito,
parece a institucionalização do cinismo
nacional. Na banalização de um processo que
serve de exemplo para a juventude,
caracterizando o que é fazer política no Brasil.
Sem ideologia, enquanto conjunto de idéias que
fundamentam uma teoria política ou econômica.
Sem ideais e compromisso com o país e seu povo.
Paralelamente, e igualmente perturbador, é o não
reconhecimento dos poderes do Presidente da
República, eleito majoritariamente pelo povo
para o representar e realizar a gestão do país.
Missão impossível de ser delegada a qualquer
outro Poder. Nenhum, constitucionalmente, tem
condições de ser maior do que o outro. A menos
que estejamos sob uma disfarçada ditadura ao
contrário. Não personalista, a do ditador, mas
liderada por uma casta, que se diz detentora de
poderes sem limites. Com a devida vênia e salvo
engano, estamos vivendo uma tsunami política que
é, especificamente, de ordem moral.
Enquanto isto, as funções constitucionais do
Legislativo de legislar, demonstram a capacidade
e compromisso do Congresso Nacional com seus
deveres. Aumentou em 508% segundo reportagem na
Revista Veja, o número de leis apresentadas e
consideradas inconstitucionais. E não sabemos
quantas foram engavetadas e sob quais
interesses.
O que temos então? Uma verdadeira tsunami
cuja cor e densidade leva tudo de roldão. E cujo
clima de puro comércio na adesão a projetos de
governo, transforma a votação em farsa. A
verdadeira participação através do debate
democrático e a fiscalização das Políticas
Públicas se tornaram anacrônicas, diante dos
interesses pessoais e partidários. E é
verdadeiramente trágico que passemos a
considerar normal que o processo de
governabilidade tenha como fundamento o toma lá
dá cá. Degrada-se o voto do eleitor ao
transformá-lo em um instrumento perverso de
poder e enriquecimento pessoal.
É a banalização do Mal. (18/junho/
2023/luiza) |