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De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: qui., 13 de jul. de 2023
Subject: Barganha
CRIMINALIZAÇÃO DA POLÍTICA?
Por todos os santos deuses, a manchete era
clara: Davi Alcolumbre irá se reunir com o
presidente Luiz Inácio da Silva para tratarem
dos cargos que serão dados ao Partido, tendo em
vista as votações de projetos do governo. Você
confiaria no parlamentar que usasse o voto que
você lhe deu como moeda de troca para obter
maior poder político e/ou enriquecimento? Nem
eu!
A desconfiança do povo no Legislativo, ou seja,
a criminalização da política, não é um
sentimento aleatório. Ele foi produzido durante
um longo tempo de desmandos. Não só os
relacionados à corrupção no Parlamento, como à
estrutura de privilégios, a barganha com os
votos dos eleitores ou as falcatruas com os
Fundos Partidário e Eleitoral. No entanto, o
Parlamento teria hoje um maior poder e controle
sobre o Executivo? Trata-se de maior poder ou
maior flexibilidade de ação? Porque suas
fronteiras permanecem constitucionalmente as
mesmas. Ocorre uma maior liberdade de pressão
porque o mal foi banalizado. O Congresso
naturalizou a nefasta prática de barganhar com
nossos votos à adesão ao governo, avançando no
Orçamento Federal, exigindo recursos para as
emendas e cargos no Executivo. Prática que se
aprofundou na Câmara Federal e nos últimos anos.
Sob os olhos de uma benevolente sociedade. Ou
seja, o poder do Parlamento não mudou. O que
mudou foi a insensatez de se considerar a
barganha como correta. Com tudo liberado à luz
do dia e sem controle.
Infelizmente, a desconfiança do povo em relação
à política e aos políticos, sempre tem renovados
motivos. Como os da PEC 9/23, emenda
constitucional de autoria do deputado Paulo
Magalhães, tendo como relator o deputado Coronel
Diego (PSD-Ba). A referida emenda proíbe
a aplicação de sanções aos Partidos que não
cumprirem com as cotas relacionadas a cor e
gênero. Além de anistiarem as legendas com
irregularidades na prestação de contas.
A desculpa da Presidente do PT para apoiar as
propostas foi a de que é muito alto o valor das
multas dadas aos Partidos. Santos deuses! Se o
valor das multas é alto vocês têm de lutar para
diminuí-lo, e pelos devidos meios legais. E não
legislar em causa própria extinguindo os crimes.
Tais propostas não seriam inconstitucionais?
Orai por nós! Pois, decididamente, estamos
lutando contra os desvios de uma estrutura de
poder que dificilmente fará uma autocrítica e as
mudanças necessárias para ser legitimada. O
urânio de nossa bomba nuclear é feito das
ambições, dos incontroláveis desejos e da
ganância de muitos. Com Políticas Públicas de
reduzida ou completa ausência do processo de
fiscalização e avaliação e, consequentemente,
com resultados medíocres. Responsabilidade que
os parlamentares nunca assumirão, pois são
impedidos pelos conluios com o Executivo. Na
prática, não existe harmonia e independência
entre os dois Poderes. Existe uma dependência
mútua, uma pressão chantageadora e uma
expressiva diminuição da capacidade de gestão da
máquina governamental.
Segundo Randolph Lucas, a pior forma de acordo é
a barganha. Uma estratégia que demonstra não só
o grau de responsabilidade de sua “elite”, como
o despreparo para viver a democracia e a
verdadeira participação política. Que implicam
em um acordo no qual nada se vende. E tudo se
discute, tentando encontrar as verdadeiras
soluções para o país. Claro, este é um difícil
caminho pois envolve sérios problemas. A
democracia é inconstante e incompetente, segundo
Lucas. Por outro lado, decidir é um procedimento
complexo e perigoso. E se lembrarmos de Charles
Lindblom, sentimos o sangue gelar ao vermos
quantos vetores influenciam a tomada de
decisões, em seus variados níveis.
O fato é: “O problema da participação é que ela
é essencialmente incompleta, e o velho Adão que
existe em mim nunca ficará satisfeito com menos
do que o controle completo”, diz Lucas.
Evidentemente, o entrave básico é que quanto
mais pessoas participarem de uma decisão, “mais
formal e, portanto, menos verdadeira ela será”.
O Congresso, no entanto, possui regras e
procedimentos para lidar com a complexidade das
decisões. E chega a ser cômico, se não fosse
trágico, quando utilizam o argumento de que não
conhecem suficientemente o assunto a ser votado.
A votação da Reforma Tributária, por exemplo,
foi assinalada há cerca de seis meses. Qualquer
parlamentar ciente de sua responsabilidade
estaria estudando o tema e observando as
tendências de governo. Com um nível de
informação suficiente para o debate democrático.
Lembrando que, para favorecer interesses
poderosos, esta reforma ficou engavetada há
quase trinta anos.
Embora não seja fácil a participação política e
a democracia apresente falhas e problemas, não
podemos prescindir de viver em uma sociedade que
nos proporcione autonomia e possibilidades de
luta por Políticas Públicas eficientes e
relacionadas com nossas demandas. Favorecendo
maior justiça social. Nada muito fácil, porque
se trata de diálogo, debate de ideias, soluções
criativas e compromisso. No entanto, “A
democracia é menos uma questão de votar ou
contar cabeças, e mais uma disposição para ouvir
os argumentos e considerar o ponto de vista de
outro companheiro.” (210) E, evidentemente, no
caso do Congresso, estar atento aos interesses e
necessidades do povo. Ao barganhar, vendendo seu
voto, o Poder Legislativo degrada o processo
democrático. Se eximindo dos compromissos da
representatividade do seu poder político. Assim,
a política e os políticos continuarão
criminalizados. O que, verdadeiramente, não
parece lhes causar nenhum constrangimento.
Randolph Lucas escreveu “Democracia e
Participação” há muito tempo, em 1973. Ele mesmo
considera que foi ultrapassado pelos
acontecimentos. Mas gosto como se expressa e os
últimos acontecimentos da política nacional me
lembram esta frase sua: “Se meus oponentes atuam
bem no poder, eu acho difícil me regozijar com o
fato dos destinos do país estarem em boas mãos,
e a única época em que posso elogiá-los é quando
a casa suspende os trabalhos, em sinal de
respeito obituário.” (118). (07/2023/luiza) |
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