LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: VOO ET – 302 De:
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: qua., 25 de out. de 2023
Subject: fiscalização
VOO ET – 302
Muitas pessoas confiam plenamente no mundo em
que vivem e não perdem seu tempo estudando
bulas, identificando laboratórios; analisando as
formas de atendimento nas instituições privadas
e públicas; verificando os resultados de
condutas e decisões que atingem em cheio a saúde
e a segurança própria, de seus filhos e netos.
No entanto, talvez devêssemos nos inquietar com
a falta de fiscalização das instituições
responsáveis pelos serviços que nos são
prestados. Independentemente da extensão das
tragédias, se vidas humanas são perdidas,
sabemos que há uma fonte de sofrimento em
constante expansão, a atingir famílias e amigos.
Muitos dos quais nunca superarão a dor e a
saudade. Exemplos?
Comecemos pelos constantes acidentes com
ônibus irregulares, preferidos para suas viagens
turísticas pelas pessoas de menor renda. Semana
passada aconteceu mais um aqui em Brasília, com
mortes e feridos. Velhos, precariamente
conservados e com pneus carecas, repetem à
exaustão a mesma tragédia, por falta de
fiscalização por quem de direito. Pois quando a
Polícia Rodoviária os param, eles já estão
trafegando. Tinham de ser fiscalizados e
impedidos de continuar viagem nos locais de
origem. Desonestidade? Alienação?Poucos dias
atrás, uma menina perdeu a vida com tiros dados
por um aluno, em uma escola de S. Paulo. Quase
sempre os casos revelam que o carrasco sofria
bullying. Ou seja, sofria comportamento
agressivo dos colegas. Também neste caso. A
escola não se pronunciou. Se o bullying é tão
sério, por que não é obrigatoriamente trabalhado
em salas de aula? Pelo professor ou
especialistas? Mais uma vez a irresponsabilidade
dos gestores em todos os níveis.
Um outro grande problema: os agrotóxicos.
Leonardo de Campos Correia Oliveira em seu
trabalho de Curso de Especialização na
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, chama
a atenção para o problema de saúde pública que é
a presença de resíduos de agrotóxicos em
alimentos. Seu trabalho: “Resíduos de
agrotóxicos em alimentos, um problema de Saúde
Pública”. Investigações apontam também para as
intoxicações em animais e humanos, por manuseio
inadequado e contaminação. Com índice de
mortalidade em torno de 70%, por falta de um
antídoto capaz de evitar a gravidade da
situação. Se falarmos, por exemplo, do paraquate,
sua toxicidade acomete os rins, fígado,
músculos, cérebro, entre outros. Os pulmões são
considerados os órgãos alvo deste herbicida,
sofrendo vários e sérios problemas como edema,
hemorragia, inflamação intersticial e fibrose
pulmonar. Em 2018 importamos 10 mil toneladas
deste produto. Em 2019, 12 mil. Mais da metade
da produção da fábrica da Syngenta na
Inglaterra. Que produz o paraquate, como no
resto da Europa, mas proíbe o uso em seu solo.
Ou seja: nós, nossos filhos e netos podemos
sofrer os resultados da omissão e da
desonestidade de todos que aceitam a
comercialização deste produto. Assim como de
tantos outros, proibidos em muitos países e
usados no Brasil. Pela força do poder econômico.
Em outubro de 2018 morreram 189 pessoas em um
acidente com o voo ET 302 do 737 Max da Boeing.
Ávida por lucros e enfrentando a forte
concorrência da europeia Air Bus, a empresa
resolveu a toque de caixa remodelar um antigo
737, colocando um motor mais potente e
econômico. Com o novo posicionamento do motor,
mais pesado, criou um sistema MCAS para
estabilizar a aeronave se o peso do motor a
elevasse mais do que devia. Não explicou o novo
sistema, negou a informação inclusive à Agência
fiscalizadora americana, para não treinar os
pilotos, por causa dos custos. Importante
observar que mesmo treinados, eles deveriam
reagir em 10 segundos para resolver a situação,
se ocorressem problemas. Em março de 2019
ocorreu o segundo acidente, no qual morreram 157
pessoas. Com as mesmas caraterísticas do
primeiro: avião caindo pouco tempo depois da
decolagem. Acidentes com dois aviões de carreira
em tão pouco tempo era um caso excepcional.
A empresa nega e esconde o problema, culpando
os pilotos. O Departamento de Justiça dos EUA (DOI)
entrou em campo para adiar as acusações
contra a Boeing. E a Agência americana de
Proteção à Aviação escondeu da sociedade
um relatório da investigação denominado TARAM,
cuja conclusão apontava para as possibilidades
de ocorrência de acidentes devido ao problema
técnico em questão: a queda de dois aviões a
cada dois anos. Nos dois acidentes morreram 346
pessoas. Mesmo assim, os países não suspenderam
os voos com este tipo de aeronave. O que
aconteceu somente depois que os chineses tomaram
a iniciativa de proibir os voos em seu país.
O processo de fiscalização se fundamenta em
valores éticos universais como justiça,
liberdade e respeito a si próprio e aos outros.
Requer capacidade técnica e coragem no
compromisso com a verdade da transparência dos
fatos. Além de apontar soluções. No entanto, os
exemplos que mencionamos nos levam a questionar
sobre se podemos confiar nos serviços que as
instituições públicas e privadas nos prestam.
Como a escola de nossos filhos, o hospital que
nos atende, os transportes que nos servem, as
ruas abandonadas de policiais. Podemos contar
com a qualidade e a segurança de resultados?O
caso da Boeing somente foi enfrentado pela
iniciativa corajosa de Andy Pasztor, jornalista
especializado em aviação, do Wall Street Journal.
Contou ainda com a mobilização das famílias dos
mortos e o trabalho investigativo do Congresso,
na Comissão de Transporte e Infraestrutura,
presidida por Peter Defazzo. “O Congresso é para
fiscalizar, simples assim.” (Documentário da
Netflix sobre o “Caso Contra a Boeing”.)
E quanto a nós? A fiscalização de serviços
está ausente em muitas instituições. Com a
complacência, o descompromisso e a falta de
capacidade dos gestores. Ela é também uma função
precípua e constitucional do nosso Congresso. No
entanto, como exercê-la, com uma maioria que
vende apoio aos projetos de governo para
conseguir recursos e cargos na máquina
burocrática governamental? Ou se curvam aos
interesses dos grandes grupos de poder?
Transformando o processo de governabilidade em
um grande conluio? O fato é que sem fiscalização
e avaliação das Políticas Públicas a sociedade
está fragilizada. E sofrem, principalmente, os
que não podem pagar por serviços de alta
qualidade: a classe média e os mais pobres.
Destituídos da justiça social que a democracia
promete.
Ao final, para segurança de todos, devemos
estar atentos para a qualidade e segurança dos
serviços que nos são prestados. Muitos deles
prejudicados pelo descompromisso, a
desonestidade e a falta de transparência que a
ausência de fiscalização promove. (out/2023/luiza) |