Theresa Catharina de Góes Campos

  O ASSASSINATO DE RICHARD NIXON

De: "REYNALDO FERREIRA"
Data: Fri, 24 Mar 2006 09:03:46 -0300
Assunto: Vitima do Sonho Americano


Repassando, amigos, meu comentário sobre o filme "O Assassinato de Richard Nixon", de Niels Mueller,RDF

VÍTIMA DO SONHO AMERICANO

Não fosse a genial interpretação de Sean Penn no papel de um homem correto, vítima do sonho americano que, por não poder concretizá-lo, se revolta contra o sistema, partindo para o desatino, o filme “O Assassinato de Richard Nixon”, de Niels Mueller, poderia ser considerado apenas como obra promissora de diretor estreante, de talento, a quem falta, contudo, definir  estilo, pois se mostra preso ainda à influência de outros cineastas.

A idéia inicial do diretor parecia ser a de desenvolver, em termos de ficção, argumento próximo ao de “Táxi Driver”, de Martin Scorsese, que ganhou, entre outros prêmios, a Palma de Ouro do Festival de Cannes, nos anos setenta, tido até hoje na galeria dos clássicos da época. Ocorre, porém, que, como às vezes a vida imita a arte, pesquisas em jornais revelaram fatos reais, acontecidos na Philadelphia, seis meses antes da renúncia de Richard Nixon à presidência dos EUA, cujo protagonista, Samuel J. Bicke (Sean Penn) teria sido levado a cometê-los, inspirando-se em Travis Blake, personagem do filme de Scorsese.

Como se lembra, Travis Blake, que deu fama a Robert de Niro, era, um motorista de táxi de Nova Iorque, separado da filha que amava, o qual, ingênuo, traumatizado pelo fato de haver constatado que políticos são enganadores e mentirosos, comete um assassinato. Samuel Bicke é outro ser ingênuo, despreparado do ponto de vista psicológico para competir no mercado laboral, porque também traumatizado por problemas familiares – a mulher, Marie Andersen Bicke (Naomi Watts), com quem tem duas filhas e um cachorro de estimação, o mandou embora e trabalha num restaurante – tenta recuperar a auto-estima, ajudado pelo novo patrão, Jack (Jack Thompson), que quer fazer dele bom vendedor, recomendando-lhe a leitura de livros como “O Poder do Pensamento Positivo” e “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”, de Dale Carnegie.

É então que a mente perturbada de Samuel Bicke se fixa em Richard Nixon, a quem deseja matar, pois, o patrão o apontara como exemplo de bom vendedor, já que soube por duas vezes persuadir o povo americano a votar nele, usando a mesma mentira: acabar com a guerra do Vietnã. Como a história sempre se repete e, para pior, o filme de Niels Mueller, de conotação política, foi realizado para dizer mais ou menos a mesma coisa de George W. Bush em relação ao Afeganistão e ao Iraque. Pena que não tenha dito também que, para eles, não existe nem promotor espanhol, nem a Corte de Haia.

Iniciado antes dos atentados contra o The World Trade Center em 2001, o filme teve sua produção afetada pelos acontecimentos, o que se torna visível até mesmo pela diferença de textura, que ora é muito boa – como a da seqüência em que Bicke espera, no carro, a chegada da ex-mulher em casa, acompanhada do  namorado -, ora nem tanto, como a do sacrifício do cachorro e a da cômica visita do vendedor ao escritório dos “Panteras Negras”. Além disso, Niels Mueller usou, como os cineastas da nouvelle vague francesa, câmara no ombro em algumas seqüências, o que resultou em efeito pouco eficiente para imprimir, como esperava, mais brilhantismo à narrativa - feita em flashback -  que às vezes claudica.

O roteiro fixou confidências de Samuel Bicke gravadas em fitas cassete, dirigidas a Leonardo Bernstein, regente da Filarmônica de Nova Iorque, morto em 1990, mas em grande evidência na época – compositor de musicais da Broadway, como “Cândido”, baseado em Voltaire e “West Side Story”, inspirado em Shakespeare -  para substituir o diário do personagem do filme de Scorsese, justificando isso com a inserção de tema de Beethoven na trilha sonora. O fato é verídico. Bernstein se mostrou perplexo, na ocasião, por ver seu nome ligado a um seqüestrador de aviões, Bick – nome verdadeiro do indivíduo - que dizia ser admirador de sua música. Apesar disso, é nessas confidências que Bicke – personagem do filme -  diz uma das frases definidoras de sua personalidade – Tudo o que eu quero é uma fatia do sonho americano, Maestro!... Isso é querer muito?

A direção faz duas citações de “Táxi Driver”: a primeira, na oficina de Bonny Simmons (Don Cheadle), quando Bicke aponta arma para um estranho, um cliente que, a seu ver, estaria agredindo o amigo pelo fato de ser negro e, a segunda, quando, no aeroporto de Baltimore, temendo o detector de metais, ele sai da fila de identificação de passageiros.  Não evita, porém, repetir um dos maiores chavões do cinema americano, a cena em que o personagem, ao entrar em casa, encontra alguém sentado na sala à espera dele.  No caso, o irmão de Samuel, Julius Bicke (Michael Wincott), o qual diz, entretanto, que o senhorio o autorizou a entrar para aguardá-lo. A cena que se segue, porém, compensa o cliché, pelo nível da interpretação dos dois atores.

Embora o elenco todo esteja muito bem, o filme é de Sean Penn, que realiza um dos melhores trabalhos de sua carreira. Nessa sua composição do vendedor de móveis, Samuel Bicke, ele traz elementos de uma anterior, a de um pai, com  deficiência mental, que quer recuperar a guarda da filha, no filme “Uma Lição de Amor”, de Jessie Nelson. A composição dessa feita, porém, é mais complexa e instigante, pois a cena é praticamente dele todo o tempo. O próprio Penn, ao levar o filme para ser exibido em mostra paralela do Festival de Cannes, no ano passado, reconheceu ser esse o mais difícil trabalho que realizou.

Valeu, porém, o sacrifício porque o ator deixou registrada no filme uma cena antológica de interpretação, que se equipara do ponto de vista didático, por exemplo, ao banho de petróleo de James Dean, em “Assim Caminha a Humanidade”, de George Stevens e ao discurso de Marco Antônio, proferido por Marlon Brando, em “Julius Ceasar”, de Joseph L. Manckiewicz. É a cena do telefonema de Bicke à ex-esposa tão logo ele recebe a nota do cartório, homologando o divórcio.  Não é preciso que Marie apareça do outro lado da linha porque ela se faz presente estampada na expressão facial de Penn, que transmite tudo para o espectador. Não esconde nada. Sua angústia é contagiante. O plano é longo sem que a direção desvie a câmara – no que fez muito bem – sustentando-o até o final. É exemplo de magnífica interpretação. É ver para conferir.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
www.revistabrasilia.com.br

FICHA TÉCNICA

O ASSASSINATO DE RICHARD NIXON

THE ASSASSINATION OF RICHARD NIXON

(EUA-México/2004)
Direção – Niels Mueller
Duração – 95 min.
Roteiro – Niels Mueller, Kevin Kennedy
Fotografia – Emmanuel Lubeski
Música Original – Steven M. Stern
Editor – Jay Cassidy
Produtores – Doug Bernheim, Alfonso Cuarón, Arnaud Duteuil, Kevin Kennedy, Jason Kliot, John Limotte, Alexander Payne, Frida Torresblanco, Jorge Vergara, Joana Vicente, Avram “Butch” Kaplan, Debra Grieco

Elenco -  Sean Penn (Samuel J. Bicke); Naomi Watts ( Marie Anderson Bicke); Jack Thompson (Jack); Michael Wincott (Julius Bicke); Mykelti Williamson (Harold Mann)

 

 

Jornalismo com ética e solidariedade.