Theresa Catharina de Góes Campos

  O  PLANO  PERFEITO

UM POLICIAL COMO HÁ MUITO NÃO SE VIA

Com base no roteiro de um estreante, Russell Gewirtz, que esbanja criatividade, Spike Lee realiza o filme mais comercial de sua carreira, “O Plano Perfeito”, um thriller, que retoma o antigo tema do assalto a banco, para retratar a tensão social que existe hoje na cosmopolita cidade de Nova Iorque em decorrência dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 contra as duas torres gêmeas do The World Trade Center, postas abaixo.

O destaque que Spike Lee dá à arquitetura da região de Wall Street, onde se localiza a agência bancária a sofrer o assalto, tem por objetivo mostrar que, apesar da imponência dos edifícios, reina a insegurança no lugar – como em qualquer outro após os atentados terroristas - o qual pode se transformar, em poucos segundos, num palco de grandes tensões raciais, como na cidade de Los Angeles, em “Crash-No limite”.

No prólogo, o líder dos assaltantes, Dalton Russell (Clive Owen), um desconhecido, sem procedência, numa das poucas oportunidades em que aparece sem estar mascarado, falando, de um recinto fechado, em plano americano, adverte a platéia sobre o que está para acontecer ou acontecendo:  Meu nome é Dalton Russell. Prestem atenção ao que eu digo – ele afirma – porque escolho minhas palavras e não gosto de repeti-las!... Daí, ele explica “quem” pratica a ação, “como”, “quando” e “onde” e cita o bardo:Esta é a questão!...

Além do prólogo, o tempo da ação comporta outras simultâneas abordagens: a dos acontecimentos propriamente ditos, dentro e fora da agência bancária e a das entrevistas dos agentes policiais com os reféns libertados, previamente forçados a usar as mesmas máscaras e macacões dos assaltantes, mostradas num plano imaginário  - flash-forwards, na linguagem técnica – de tonalidade fotográfica diferenciada, belo trabalho de Mathew Labatique. Esta é a inovação do roteiro de Russell Gewirtz, que, de resto, joga com artifícios muito usados nos filmes policiais da década de setenta.

Quem revela a influência, é Dalton Russell  que, no encontro com o detetive Keith Frazier (Denzel Washington), o chama de Serpico, personagem do filme de Sidney Lumet de 1973, um policial ingênuo, o qual achava que sendo honesto, poderia acabar com a corrupção do sistema. Aliás, de início, tem-se a impressão de que Lee vai seguir a trilha de outro trabalho de Lumet, “Um Dia de Cão”, de 1974, que, assim como “Serpico”, deu fama a Al Pacino, lembrado não só por essas interpretações, como ainda pela de Michael Corleone, em “O Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola. Vale lembrar que, em “A Última Noite”, Lee prestara homenagem a Montgomery Clift.

Logo, porém, após a tomada do banco pelos assaltantes, travestidos de pintores, percebe-se que as diferenças entre os dois filmes são maiores do que as semelhanças. Pois de fato, ao invés da tensão que se cria no filme de Lumet, pela voracidade da imprensa na busca da informação, no de Lee, os jornalistas são mantidos a distância.  A dramaticidade se sustenta pelo retrato multirracial que se faz, tanto no núcleo, como na periferia dos acontecimentos. O que se confirma, por exemplo, na frase dita por alguém do povo chamado a colaborar com os policiais: Isso é albanês cem por cento. Ou pela ordem dada pelos assaltantes a um rabino, na agência bancária :
Não é porque você é rabino que vai ser tratado diferente dos demais reféns:  deite-se no chão!...

Além dos dois pólos conflitantes – assaltantes e agentes policiais – um terceiro elemento, o banqueiro, Arthur Case (Christopher Plummer), que se encontra distante do palco dos acontecimentos, na matriz do Manhattan Trust Bank, mostra-se preocupado, não pelo volume de dinheiro que possa ser levado do banco, mas por um segredo que mantém a sete chaves em seu cofre particular da agência 32, a assaltada.  Em vista disso, ele contrata o trabalho de uma lobbista, amoral, Madeline White (Jodie Foster), para ir negociar com policiais e assaltantes a liberação dos documentos guardados no tal cofre. Antes, porém, ela trata de obter a conivência do prefeito de Nova Iorque, o qual seduz numa seqüência valorizada, não só pelo charme da atriz, numa de suas melhores atuações, como também por um travelling circular em que se reproduz a conversa de ambos.

Ao chegar ao local dos acontecimentos, acompanhada do prefeito, Madeline  tenta intimidar o Detetive Frazier, negociador de reféns, falando do processo que ele enfrenta sob suspeita de corrupção. Mas, ao contrário do que ela poderia supor, ele, certo das provas que possui para se livrar das acusações, não lhe dá importância, mas leva avante as negociações, colocando-a em contato, através do celular, com o líder dos assaltantes. Este, por sua vez, concorda em recebê-la no interior da agência.

Da mesma forma que fizera com Frazier, Madeline tenta intimidar e subornar Russell, numa conversa acompanhada a viva voz por Case, em seu escritório. Ele ouve Russell dizer estar de posse da documentação que o incrimina e afirma ser ela inegociável.O encaminhamento da negociação dá noção a Frazier de que os assaltantes estão muito calmos, pedindo avião em troca dos reféns para ganhar tempo. Ele decide precipitar os acontecimentos, aceitando o pedido de Russell, desde que este lhe permita entrar no banco para ver como estão os reféns.

Embora o papel mais difícil seja o de Russell por passar quase todo o tempo mascarado, dele se desincumbe muito bem Clive Owen, ator rigoroso em todos os seus trabalhos, que sabe valorizar o silêncio. Também estão muito bem Christopher Plummer, William Dafoe e Chiwetel Ejiofor, assim como todo o elenco. Há de se destacar, porém, a atuação de Denzel Washington que, pela quarta vez, é dirigido por Spike Lee, o qual usa seu personagem – assim como o do funcionário do banco de origem indiana – para explorar, uma vez mais, obtendo bom efeito, a personificação de um objeto como característico de seu dono, herança de Eisenstein.

É notável, neste sentido, como Lee explora, tanto o turbante do indiano, da seita Sikh, como o chapéu panamá – usado nos EUA predominantemente por negros – do detetive Keith como elemento de segregação racial. Principalmente o chapéu, que, no caso, não só serve para amenizar a fisionomia carregada de Washington  para ser um descontraído negociador de reféns  – tendo em vista suas últimas atuações - como para expor o preconceito que se tem em certos meios da sociedade americana e, mesmo entre nós, vale lembrar, contra esse objeto de adorno e proteção pessoal.

Assim, quando Frazier, acompanhado de seu auxiliar, entra, apressado, num restaurante para falar com Madeline, que almoça com o prefeito, é interceptado pelo porteiro, que lhe diz: Senhor, o chapéu!... Ao que Frazier, sem se deter, lhe responde: “Se quiser, compre um!...  E é do chapéu que Spike Lee se serve para terminar o filme, ao colocá-lo nos pés da mulher de Frazier, girando, como a cabeça do personagem ao perceber, no bolso do paletó, mais uma peça que lhe pregara Russell, o líder dos assaltantes. Enfim, é um policial bem urdido, bem dirigido, como há muito não se via nas telas. É ver para conferir.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
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FICHA TÉCNICA
O PLANO PERFEITO

INSIDE MAN

USA/2006

 

Duração – 129 min.

Produtor – Brian Grazer

Produtores Executivos – Daniel M. Rosenberg, Jon Kilik, Karen Kebela Sherwood, Kim Roth.

Roteiro – Russell Gewirtz

Fotografia – Mathew Labatique

Música Original – Terence Blanchard

Editor – Barry Alexander Brown

Elenco – Denzel Washignton (Detetive Keith Frazier), Clive Owen (Dalton Russell), Jodie Foster (Madeline White), Christopher Plummer (Arthur Case), Willem Dafoe (Captain John Darius), Chiwetel Ejiofor (Bill Mitchell)
 

 

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