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O PLANO PERFEITO
UM POLICIAL COMO HÁ MUITO NÃO SE VIA
Com base no roteiro de um estreante, Russell
Gewirtz, que esbanja criatividade, Spike Lee
realiza o filme mais comercial de sua carreira,
“O Plano Perfeito”, um thriller, que
retoma o antigo tema do assalto a banco, para
retratar a tensão social que existe hoje na
cosmopolita cidade de Nova Iorque em decorrência
dos atentados terroristas de 11 de setembro de
2001 contra as duas torres gêmeas do The
World Trade Center, postas abaixo.
O destaque que Spike Lee dá à arquitetura da
região de Wall Street, onde se localiza a
agência bancária a sofrer o assalto, tem por
objetivo mostrar que, apesar da imponência dos
edifícios, reina a insegurança no lugar – como
em qualquer outro após os atentados terroristas
- o qual pode se transformar, em poucos
segundos, num palco de grandes tensões raciais,
como na cidade de Los Angeles, em “Crash-No
limite”.
No prólogo, o líder dos assaltantes, Dalton
Russell (Clive Owen), um desconhecido, sem
procedência, numa das poucas oportunidades em
que aparece sem estar mascarado, falando, de um
recinto fechado, em plano americano, adverte a
platéia sobre o que está para acontecer ou
acontecendo: Meu nome é Dalton Russell.
Prestem atenção ao que eu digo – ele afirma
– porque escolho minhas palavras e não gosto
de repeti-las!... Daí, ele explica “quem”
pratica a ação, “como”, “quando” e “onde” e cita
o bardo:Esta é a questão!...
Além do prólogo, o tempo da ação comporta outras
simultâneas abordagens: a dos acontecimentos
propriamente ditos, dentro e fora da agência
bancária e a das entrevistas dos agentes
policiais com os reféns libertados, previamente
forçados a usar as mesmas máscaras e macacões
dos assaltantes, mostradas num plano imaginário
- flash-forwards, na linguagem técnica –
de tonalidade fotográfica diferenciada, belo
trabalho de Mathew Labatique. Esta é a inovação
do roteiro de Russell Gewirtz, que, de resto,
joga com artifícios muito usados nos filmes
policiais da década de setenta.
Quem revela a influência, é Dalton Russell que,
no encontro com o detetive Keith Frazier (Denzel
Washington), o chama de Serpico, personagem do
filme de Sidney Lumet de 1973, um policial
ingênuo, o qual achava que sendo honesto,
poderia acabar com a corrupção do sistema.
Aliás, de início, tem-se a impressão de que Lee
vai seguir a trilha de outro trabalho de Lumet,
“Um Dia de Cão”, de 1974, que, assim como “Serpico”,
deu fama a Al Pacino, lembrado não só por essas
interpretações, como ainda pela de Michael
Corleone, em “O Poderoso Chefão”, de Francis
Ford Coppola. Vale lembrar que, em “A Última
Noite”, Lee prestara homenagem a Montgomery
Clift.
Logo, porém, após a tomada do banco pelos
assaltantes, travestidos de pintores, percebe-se
que as diferenças entre os dois filmes são
maiores do que as semelhanças. Pois de fato, ao
invés da tensão que se cria no filme de Lumet,
pela voracidade da imprensa na busca da
informação, no de Lee, os jornalistas são
mantidos a distância. A dramaticidade se
sustenta pelo retrato multirracial que se faz,
tanto no núcleo, como na periferia dos
acontecimentos. O que se confirma, por exemplo,
na frase dita por alguém do povo chamado a
colaborar com os policiais: Isso é albanês
cem por cento. Ou pela ordem dada pelos
assaltantes a um rabino, na agência bancária :
Não é porque você é
rabino que vai ser tratado diferente dos demais
reféns: deite-se no chão!...
Além dos dois pólos
conflitantes – assaltantes e agentes policiais –
um terceiro elemento, o banqueiro, Arthur Case
(Christopher Plummer), que se encontra distante
do palco dos acontecimentos, na matriz do
Manhattan Trust Bank, mostra-se preocupado,
não pelo volume de dinheiro que possa ser levado
do banco, mas por um segredo que mantém a sete
chaves em seu cofre particular da agência 32, a
assaltada. Em vista disso, ele contrata o
trabalho de uma lobbista, amoral, Madeline White
(Jodie Foster), para ir negociar com policiais e
assaltantes a liberação dos documentos guardados
no tal cofre. Antes, porém, ela trata de obter a
conivência do prefeito de Nova Iorque, o qual
seduz numa seqüência valorizada, não só pelo
charme da atriz, numa de suas melhores atuações,
como também por um travelling circular em
que se reproduz a conversa de ambos.
Ao chegar ao local dos acontecimentos,
acompanhada do prefeito, Madeline tenta
intimidar o Detetive Frazier, negociador de
reféns, falando do processo que ele enfrenta sob
suspeita de corrupção. Mas, ao contrário do que
ela poderia supor, ele, certo das provas que
possui para se livrar das acusações, não lhe dá
importância, mas leva avante as negociações,
colocando-a em contato, através do celular, com
o líder dos assaltantes. Este, por sua vez,
concorda em recebê-la no interior da agência.
Da mesma forma que fizera com Frazier, Madeline
tenta intimidar e subornar Russell, numa
conversa acompanhada a viva voz por Case, em seu
escritório. Ele ouve Russell dizer estar de
posse da documentação que o incrimina e afirma
ser ela inegociável.O encaminhamento da
negociação dá noção a Frazier de que os
assaltantes estão muito calmos, pedindo avião em
troca dos reféns para ganhar tempo. Ele decide
precipitar os acontecimentos, aceitando o pedido
de Russell, desde que este lhe permita entrar no
banco para ver como estão os reféns.
Embora o papel mais difícil seja o de Russell
por passar quase todo o tempo mascarado, dele se
desincumbe muito bem Clive Owen, ator rigoroso
em todos os seus trabalhos, que sabe valorizar o
silêncio. Também estão muito bem Christopher
Plummer, William Dafoe e Chiwetel Ejiofor, assim
como todo o elenco. Há de se destacar, porém, a
atuação de Denzel Washington que, pela quarta
vez, é dirigido por Spike Lee, o qual usa seu
personagem – assim como o do funcionário do
banco de origem indiana – para explorar, uma vez
mais, obtendo bom efeito, a personificação de um
objeto como característico de seu dono, herança
de Eisenstein.
É notável, neste sentido, como Lee explora,
tanto o turbante do indiano, da seita Sikh, como
o chapéu panamá – usado nos EUA
predominantemente por negros – do detetive Keith
como elemento de segregação racial.
Principalmente o chapéu, que, no caso, não só
serve para amenizar a fisionomia carregada de
Washington para ser um descontraído negociador
de reféns – tendo em vista suas últimas
atuações - como para expor o preconceito que se
tem em certos meios da sociedade americana e,
mesmo entre nós, vale lembrar, contra esse
objeto de adorno e proteção pessoal.
Assim, quando Frazier, acompanhado de seu
auxiliar, entra, apressado, num restaurante para
falar com Madeline, que almoça com o prefeito, é
interceptado pelo porteiro, que lhe diz:
Senhor, o chapéu!... Ao que Frazier, sem se
deter, lhe responde: “Se quiser, compre um!...
E é do chapéu que Spike Lee se serve para
terminar o filme, ao colocá-lo nos pés da mulher
de Frazier, girando, como a cabeça do personagem
ao perceber, no bolso do paletó, mais uma peça
que lhe pregara Russell, o líder dos
assaltantes. Enfim, é um policial bem urdido,
bem dirigido, como há muito não se via nas
telas. É ver para conferir.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
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FICHA TÉCNICA
O PLANO PERFEITO
INSIDE MAN
USA/2006
Duração – 129 min.
Produtor – Brian Grazer
Produtores
Executivos – Daniel M. Rosenberg, Jon Kilik,
Karen Kebela Sherwood, Kim Roth.
Roteiro –
Russell Gewirtz
Fotografia –
Mathew Labatique
Música
Original – Terence Blanchard
Editor – Barry
Alexander Brown
Elenco –
Denzel Washignton (Detetive Keith Frazier),
Clive Owen (Dalton Russell), Jodie Foster
(Madeline White), Christopher Plummer (Arthur
Case), Willem Dafoe (Captain John Darius),
Chiwetel Ejiofor (Bill Mitchell)
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