Theresa Catharina de Góes Campos

  CLUBE DA LUA

QUE SIGA O BAILE
 

Juan José Campanella, que alcançou sucesso mundial com “O Filho da Noiva”, retorna às telas com “Clube da Lua”, história de um emblemático clube de bairro de Buenos Aires, metáfora de que o realizador se serve para expor, com competência, a decadência da classe média argentina nos últimos  anos, com base em um bom roteiro, diálogos irônicos e precisos e boas interpretações, o que o torna merecedor dos vários prêmios internacionais que recebeu, inclusive o de Melhor Película Latino-Americana do 11º  Festival de Cinema da Espanha / 2004.

Na verdade, “Clube da Lua”, segundo seu diretor, completa a trilogia por ele iniciada com “O  Mesmo Amor, a Mesma Chuva” e seguida de “O Filho da Noiva”. Deste, ele transporta  dois inseparáveis amigos, que assumem nomes e profissões diferentes: Ramón Maldonado (Ricardo Darín) e Amadeo (Eduardo Blanco). Ambos se dedicam em tempo quase integral às questões administrativas do Clube, criando com isso sérios problemas para suas vidas particulares.

Ramón, que deu a Ricardo Darín, seu intérprete, o prêmio de Melhor Ator da 49º  Semana Internacional de Cinema de Valladolid, nasceu durante uma festa no Clube, ao final dos anos cinqüenta. Então, o Clube - como a Argentina - experimentava uma fase de esplendor. Há metáforas – dizia Fernando Pessoa – que são mais reais do que os homens que andam nas ruas. Assim, a primeira visão que se tem da festa é a do trepador de pau de sebo, que, enquanto luta para atingir o objetivo de bater a sineta presa no alto, aprecia desse ponto os festejos, captados, em seguida, por uma sucessão de planos definidores do que acontece à volta. Esse primeiro plano, tomado do alto, já confere ao espectador, apesar da festa – do tango, que diz “y siga el baile” -  um sentido de nostalgia.

No plano seguinte, a narrativa é retomada nos tempos atuais – tristes tempos - em que Ramón, premido pela situação difícil que enfrenta o clube, se vê forçado a barrar a entrada de uma menina, Dalma (Micaela Moreno), favelada, amiga de sua filha, que deseja participar também das aulas de dança a que têm acesso as filhas dos sócios. Alguém lhe avisa, porém, que a criança está prestes a desmaiar de fome, o que força Ramón a levá-la à cantina para  se alimentar.

O plano social assim esboçado por Campanella cede lugar de imediato ao plano pessoal, quando Ramón, inadvertidamente, entra num restaurante, onde sua mulher, Verônica (Silvia Kutika), que deveria estar dando aula, espera alguém. Não só a cena é cinematograficamente bem resolvida, como há nela o embate de duas excelentes interpretações Darín-Kutika. Aliás, há de se ressaltar o trabalho da diretora de atores, Mercedes Alfonsin, que soube imprimir ao elenco um padrão de interpretações de qualidade.

E era nisso que residia o grande desafio para a realização de um roteiro, como o do “Clube da Lua” – escrito pelo próprio Campanella, com a colaboração de Fernando Castets e Juan Pablo Domenech -  que, às vezes, é prolixo demais em relação aos diversos personagens que abarca. A dificuldade maior de Alfonsin era, a meu ver, a de encontrar alguém que medisse força com Ricardo Darín, que, apesar de não ser ator de composição – como Sean Penn -  tem presença forte em cena, podendo ser considerado, neste sentido, o melhor da América Latina. Ele está perfeito em todas as cenas em que aparece, mesmo na ridícula prece que faz à lua para que lhe dê de novo um pau ensebado... Não precisava disso.

Pois a diretora de atores se sai bem em sua tarefa ao dar atribuição a Daniel Fanego (Alejandro) de enfrentar Darín em três situações: a primeira, quando, de sua cadeira de burocrata, dá conhecimento a ele do montante da dívida do clube para com a prefeitura; a segunda, quando sob suspeita de ser o amante da mulher de Ramón, o tira da cadeia e, em sua casa, numa ótima sucessão de planos no banheiro, lhe dá conhecimento de proposta, que tem, para a compra do clube a fim de ser transformado num cassino, o qual dará emprego a mais de trezentas pessoas e, a terceira, na assembléia, quando se coloca em discussão a referida proposta.

Fanego enfrenta Darín de igual para igual em todas as situações, mas, para o bem do espectador, se excede, durante a realização da assembléia. É por sinal o ápice do filme, quando Campanella demonstra por que é comparado a Frank Capra pela crítica internacional. É porque ele toma a questão da memória pessoal para ampliá-la diante da ambigüidade do quadro social, do tempo coletivo, que dizima os sonhos dos indivíduos. Ele também explora, como poucos, o temperamento passional do sua gente para enfrentar qualquer situação.

No caso, é a crise da volumosa dívida – como a da Argentina -  que coloca em perigo a existência do clube, onde os habitantes do bairro se divertem, praticam esportes e se educam. Qualquer outro diretor, sem a experiência de Campanella, teria naufragado ao compor a seqüência da assembléia pela complexidade nela implícita. Campanella, porém, mostra, com competência, o desatino da classe média argentina, empobrecida pela corrupção de seus dirigentes, que, como os nossos malandros daqui, se sucederam nestes últimos anos. São feitas quermesses, como lembra um dos sócios, mas ninguém comparece para prestigiá-las. Falta dinheiro. A maioria dos sócios está desempregada.

A solução é, pois, vender o clube pela proposta feita por Alejandro. É quando, Ramón, entregando os pontos, para ir cuidar de seu jardim particular, diz uma frase significativa da opressão em que se vive hoje na Argentina – é bom lembrar, a propósito, que a última crise, 2001 / 2002, lançou um terço da população na pobreza: “É a classe média – afirma ele – que tem cada vez menos e necessita também de cada vez menos!....” De qualquer forma, porém, como dizia o tango dos tempos de esplendor do clube, o baile precisa continuar: “Que siga o baile!...” É ver para conferir.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
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FICHA TÉCNICA

 

CLUBE DA LUA

LUNA DE AVELLANEDA

Argentina-Espanha/2004

          

Duração – 143 min.

Direção – Juan Jose Campanella

Produção – Fernando Blanco, Geraldo Herrero, Jorge Estrada Mora e Adrián Suar

Roteiro – Juan José Campanella, Fernando Castets e Juan Pablo Domenech

Fotografia – Daniel Schulman

Música Original – Angel Ilarramendi

Direção de Atores – Mercedes Alfonsin

Edição – Camilo Antolini

 

Elenco – Ricardo Darín (Ramón Maldonodo), Eduardo Blanco (Amadeo), Mercedes Morán (Graciela), Valeria Bertuccelli (Cristina), Silvia Kutika (Verônica), José Luis López Vasquez (Don Aquiles), Daniel Fanego (Alejandro), Micaela Moreno (Dalma)
 

 

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