LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: Questões da idade
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: ter., 9 de abr. de 2024
Subject: idade
INOLVIDÁVEL!
Não consigo mais distinguir os dias tomados
ou não pelo meu mau humor ou acidez espiritual.
Parece que se perpetuaram uma ironia cabulosa
sobre a vida, uma desesperança, um medo da morte
e uma total insensatez quanto às mensagens de
autoajuda - das mais simples às mais
sofisticadas. A última recebida vinha
acompanhada de um bolero, daqueles que permearam
nossas idas aos clubes familiares das
vizinhanças. Nos quais todas as famílias viviam
as festas durante o ano, culminando com o
carnaval. Todos se conheciam, as mães ficavam
atentas enquanto dançávamos. E a música
predileta eram os boleros, tocados por
orquestras menores, porém cheias de instrumentos
de sopro. Com as quais saíamos dançando pelo
salão e, quando dávamos sorte, com algum dos
poucos galãs da turma. Envolvidos pela atmosfera
sensual da música, seu apelo afetivo de entrega.
Torcíamos para que ela não parasse e
continuássemos nos braços do rapaz. Naquele
mornidão que subia pelas entranhas, com alguns
toques de eletricidade quando nossas pernas se
tocavam. E era bom aproveitar, porque aquilo era
o máximo que nos permitiam usufruir. Sim, sem
dúvida, não existe música melhor para dançar com
quem se ama ou pretende amar. Os idosos sabem
disto!
Assim, recebi um destes vídeos de um parente
querido. Que, aliás, se quisesse, teria
dificuldades para dançar o maldito bolero porque
tem problemas no caminhar, como quase a maioria
de nós. Aliás, como eu mesma, quando me levanto
pela manhã. Até minha artrose se convencer que
tem de se estirar e começar o dia. O vídeo se
inicia em um palco de um lindo teatro, uma
maravilhosa cortina vermelha se abrindo e lindas
paisagens aparecendo. O palco era apenas o
chamariz. O sensual bolero começa a tocar e as
mensagens se sucedem em lindos cenários
externos. De arrasar!
A pergunta inicial é: a velhice existe? E
continua apresentando o dilema entre envelhecer
e amadurecer. O axioma: “Só envelhecemos porque
não amadurecemos”. E os ensinamentos: “Nos olhos
dos jovens arde a chama, nos dos idosos a luz”.
E mais: “Pessoalmente, não tenho idade, tenho
vida”! Adiante: “Faça da passagem do tempo uma
conquista, não uma perda”. Em seguida:“A vida só
pode ser compreendida se olharmos para trás e
vivida olhando para a frente”. E mais: somos
matriculados na escola da vida e envelhecemos
quando temos medo do futuro e do novo. E ter
sabedoria é não envelhecer. E uma das mais
interessantes: “A vida não é curta, são as
pessoas que permanecem mortas tempo demais’.
Caramba! E lá vamos nós, levados pela melodia
deste bolero que, insensatamente, me leva a
outras paragens, intermediadas pelos hormônios
de uma juventude em forma. Cujo tesão permanecia
em alta e intenso porque impedido nos limites
sociais que nos envolviam. A partir de uma
verdade inquestionável: a pureza
feminina. Que embotava a integridade, a coragem,
a ousadia e nos submetia. Por todos os santos
deuses! Primeiramente, minhas impressões são que
cada um tem a velhice que merece. Mas, verdade
seja dita, ninguém envelhece impunemente. Todos,
em maior ou menor grau, sentem em seu corpo que
limites físicos lhe foram impostos. Às vezes,
bem dolorosos. Amadurecer de uma fruta? É o osso
desgastado, são as fibras dos braços como fios
descapados que não podem mais ser usados, ou as
dores crônicas de um corpo que se desconjunta
com o tempo. Um coração que, revoltado, está
batendo mais do que o necessário e meio
atribulado. E haja sabedoria para reverter tudo
isto. Confesso que não sei onde anda a minha.
Pessoas que permanecem mortas desconhecem a
finitude? Não seria a noção trágica da finitude
que contribuiu para muitas não decidirem viver?
Mas, com franqueza, quem considera que a vida
não é curta? Os que não mais suportam viver suas
dores. O resto de nós gostaria de ficar mais
tempo por aqui. E embora concorde que precisamos
olhar para trás se quisermos compreender nossa
vida, é no presente que devemos viver. É este
que nos define. E infelizmente, contrariando o
narrador, eu preferia hoje ter a chama da
juventude. A luz poderia esperar um pouco mais.
Por outro lado, deuses podem ser louvados, no
entanto, quem desconhece um idoso quando o vê?
Aliás, o próprio autor nos descobre com todas as
suas ideias sobre a velhice. Ou seriam
preconceitos?
Brincadeiras à parte, gostam de nos colocar
sob certos parâmetros. Olhares tentam nos
definir. E nos encher de prescrições de vida.
Sob o manto irremediável do racional. Nada é
fácil. Viver não é fácil. Em qualquer idade. Mas
a velhice nos pode trazer o irremediável. O que
poderia ser e não foi. A irredutibilidade das
decisões e fatos. A completa incapacidade de
encontrar rotas de fuga. O que pode nos salvar,
independentemente da idade, é a paixão. E, só
para esclarecer. Muitos de nós não temos medo do
futuro. Ao contrário, o que nos amedronta é o
fato de não poder vivê-lo. (04/2024/luiza) |