Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: o abuso de drogas para o alívio das dores



De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: ter., 9 de abr. de 2024

"CRISE": O ABUSO DE DROGAS PARA O ALÍVIO DAS DORES

O psicólogo Keith Humphreys da Universidade de Stanford, descreve um exemplo relacionado ao alívio da dor física. Um homem de 50 anos vai ao médico e diz que correu uma maratona que costumava correr quando tinha 30 anos e está todo dolorido e quer que o médico o conserte. Se fosse na França, o médico responderia: “É a vida. Tome um copo de vinho. O que você quer de mim?”. Enquanto isso, os EUA são o maior consumidor de opioides, tendo cerca de 50 milhões de americanos com dor crônica. Principalmente homens brancos não hispânicos. O uso pode ser o legal, com receita médica, ou de forma ilegal. Reportagem da BBC cita Radden Keef, jornalista americano e autor do livro “O Império da dor”, esclarecendo que o problema se desenvolveu com intensidade através de três ondas: a primeira começou com o uso de OxyContin em 1996, depois vieram o Vicodin e o Percocet e a terceira onda com o Fentanil. Ele afirma que os opióides ceifam mais vidas do que os acidentes de trânsito e os ferimentos à bala.

 Segundo André Biernath, na BBC News, o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA considera o fentanil a substância mais preocupante. E as mortes por overdose saltaram de 21 mil em 2010 para 80.4 mil em 2021. Ou seja, 59.4 mil mortes a mais, um aumento de quatro vezes em um pouco mais de uma década. A Wikipédia informa que os opióides sintéticos, utilizados para alívio da dor e na anestesia, são 50 vezes mais potentes do que a heroína e 100 vezes mais do que a morfina. No Brasil, segundo a Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA), a venda dos opióides cresceu 500% de 2009 a 2015 – com produtos à base de codeína e oxidona. Em apenas seis anos!

 

Ainda segundo a BBC, Owen Amos publicou um texto, “Por que os opióides são um problema tão americano”, segundo o qual há vários motivos para a séria crise de saúde causada pelo uso inadequado desses medicamentos nos EUA. Primeiro, a atuação da indústria farmacêutica na cooptação dos médicos. Incluindo os convites para almoçar, pasmem! Em segundo lugar, ele aponta para as seguradoras de saúde, principalmente as mais usadas pela população pobre, que paga por pílulas. Por exemplo, como a indicação da fisioterapia demanda procedimentos mais complexos e demorados, é mais fácil empurrar o medicamento para alívio da dor. Por outro lado, diz o autor, os médicos podem ser mal preparados para lidarem com as dores de seus pacientes. Em sua pesquisa ele encontrou vários que acreditavam que a oxidona, o ingrediente ativo do analgésico, era “mais” suave que a morfina”. Por último, Amos cita um problema dos americanos - a cultura da medicamentação. Com a propaganda de remédios utilizando um total de recursos de R$ 32 bilhões por ano. Neste sentido, em entrevista para a BBC Mundo em 2001, a médica psiquiatra americana Dra. Anna Lembke explicou que o conceito de repensar a dor é o “núcleo” da agenda das empresas farmacêuticas.

“Crise” é um dos filmes que consta da lista da Netflix, baseado em uma história real sobre o uso e o tráfico de opióides nos EUA. Envolvendo um agente disfarçado do FBI, um professor universitário que recebe ajuda financeira da indústria farmacêutica para fazer pesquisas e uma mãe em luto. A narrativa se desenvolve em torno de uma trama envolvendo os esforços da empresa Sackler de medicamentos, que pertence a uma das mais ricas famílias dos EUA. E cujo objetivo era colocar no mercado o novo opióide, o fentanil, considerado menos viciante. Mas que se revela mortal durante a pesquisa do professor, quando a sua equipe de pesquisadores aumenta o tempo convencional de estudos determinado pela empresa de 8 para 10 dias. Apesar dos problemas o FDA o aprovou para comercialização.

O medo e a angústia são vencidos pela determinação dos personagens quanto à necessidade de enfrentar o dilema moral entre dinheiro e ética. Uma vez que o medicamento causaria a maior crise de saúde pública, com as mortes de usuários. A luta do agente e da mãe contra os traficantes de medicamentos trazem ação ao desenvolvimento da história. O filme é de 2021 e tem direção e roteiro de Nicholas Jarecki. É drama e suspense, cujos atores principais são o excelente Gary Oldman, Greg Kinnear, cuja beleza e talento o tornaram muito conhecido em comédias românticas. Além de Evangeline Lilly e Armie Hammer. Um time bem azeitado, embora alguns atores exagerassem em suas performances. E os closes parecem ocupar um tempo demasiado. Quanto ao desenvolvimento da história, temos ação na dose certa, belos cenários e linda iluminação. Inesquecível a cena da discussão entre os dois professores, expondo as vísceras do mundo acadêmico. Cuja omissão em determinados dilemas, como na história real do filme, pode ser encoberta nos subterrâneos da relação de poder com os grupos de interesses.

Filmes como este lembram nossa fragilidade diante dos grupos econômicos. Cujos interesses podem passar longe dos critérios de saúde pública ou direitos humanos. Ao final, quem responde pelas mortes e sofrimento das vítimas? É o que ocorre com os problemas da mídia no documentário “A rede” ou em “Gasland – a verdade sobre o fracking”,realizado por Josh Fox em 2010. Trata-se do fraturamento hidráulico de rochas para se conseguir gás para combustível. Com sérios problemas de saúde, inclusive câncer, pela contaminação dos lençóis freáticos. Lembrando que este tipo de exploração já chegou ao Brasil. Em relação aos opióides, resta saber as ações desenvolvidas pela Anvisa e o Ministério da Saúde, incluindo a educação dos cidadãos quanto ao uso desses medicamentos. E se aparecerá algum repórter interessado em investigar o problema. (04/2024/luiza)

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