*Carlos
Chaparro
O XIS
DA
QUESTÃO
–
Jornalismo
é um
exercício
mental
inevitavelmente
subjetivo.
Não há
como
observar,
apurar,
depurar,
para
relatar
ou
comentar,
sem a
intervenção
inteligente
de
ajuizamentos
valorativos.
Apesar
disso,
ainda há
quem
defenda
a
objetividade
como
virtude
essencial
do
jornalismo.
Fala-se
em
separação
de
opinião
e
informação
como se
a
manchete
não
contivesse
um ponto
de
vista,
ou não
fosse o
resultado
de uma
intervenção
opinativa
provavelmente
complexa.
E como
se a
pedra
angular
da
argumentação
não
estivesse
nos
fatos.
1.
"Verdade"
dogmática
Ainda
fico
impressionado
com a
quantidade
de gente
que
exige e
espera
do
jornalismo
o
milagre
da
objetividade,
como se
isso
fosse
possível
e
desejável.
Sei,
até, de
professores
e
pensadores
do ramo
que não
se
acanham
de
ensinar
e
espalhar
por aí
que a
tal
objetividade
deveria
ser a
virtude
essencial
da
linguagem
jornalística.
Na
concepção
deles,
estaria
aí a
grande
marca de
caráter
do
jornalismo.
Por essa
maneira
de olhar
e
entender
as
coisas,
teríamos
de
atribuir
à
objetividade
propriedades
de valor
ético.
Dos que
conheço,
porém,
nenhum
dos
pregadores
da
objetividade
diz que
bicho é
esse. E
porque
nada
explicam,
transformam
a
objetividade
em uma
espécie
de
verdade
dogmática,
pairando
acima de
polêmicas
e
dúvidas.
Por
causa
dessa
proposta
dogmática
do
conceito,
chegam-me,
por
e-mail,
freqüentes
solicitações
de
entrevistas,
em busca
do que
penso
sobre o
assunto.
Na
esperança
de
reduzir
a
demanda,
e também
para dar
uma
satisfação
aos que,
por
alguma
circunstância,
ficaram
sem
resposta,
resolvi
tratar
do
assunto
neste
espaço
que a
generosidade
do mundo
me
concede.
Como
jornalismo
não é
religião
nem
objeto
de fé,
há que
pelo
menos
tentar
explicar
o que
vem a
ser esse
"dogma"
racionalista.
Mesmo
correndo
o risco
de uma
explicação
pobre,
começo
por
dizer
que
objetividade,
no
jornalismo,
seria a
capacidade
de olhar
os fatos
em sua
realidade
material,
sem
perspectivas
individuais
"deformadoras".
Os fatos
teriam
de ser
olhados
como
"objetos
reais"
perceptíveis,
mensuráveis,
que
valem e
se
esgotam
em sua
materialidade.
Portanto,
livres
de
componentes
abstratos.
O que
significa
dizer,
descolados
de
qualquer
dimensão
valorativa.
Por esse
conceito,
não
haveria
na
notícia
nem
espaço
nem
função
para
leituras
ou
entendimentos
da
interpretação.
E aí
temos
uma
asserção
incompatível
com o
jornalismo,
linguagem
que, por
natureza
e
vocação,
está
culturalmente
obrigada
a
atribuir
valor às
coisas
que
narra.
Para a
narração
jornalística,
as
coisas
(os
fatos,
as
falas...)
são o
que
valem,
não o
que são.
2.
Objetividade
X
Precisão
A
notícia
e a
reportagem
não são
relatos
frios,
de
coisas
meramente
materiais.
Os fatos
jornalísticos
têm
materialidade,
sim. Mas
têm,
principalmente,
causas,
efeitos,
contextos,
significados.
Valem
pelas
razões
que os
geraram,
pela
ação
discursiva
que
contêm e
pelas
conseqüências
que
produzem
ou podem
produzir.
Além
disso,
estão
inseridos
em
cenários
de
conflito,
onde
sujeitos
sociais
agem e
interagem
no mundo
pela
notícia
do que
fazem e
dizem.
Isso
obriga o
jornalismo
à ação
de
atribuir
valor às
coisas,
para que
o mais
relevante
se
diferencie
do
secundário
e com o
secundário
se
relacione.
E esse é
um
exercício
mental
inevitavelmente
subjetivo.
Como
(por
exemplo)
assumir
critérios
éticos
de
observação
e relato
sem a
intervenção
subjetiva,
criativa,
do
sujeito
narrador?
Decidir
o que
deve ser
tratado
como
mais
importante,
para
fazer um
título
ou uma
abertura
de
matéria,
é
escolha
impossível
de
realizar
sem a
utilização
de
critérios
subjetivos
de
valoração
dos
fatos.
Em
resumo,
a
objetividade
simplesmente
não
existe,
no
jornalismo.
Porque a
observação
e o
relato
estão no
espaço
do
individual.
Têm
perspectiva,
pertencente
ao
sujeito
observador.
O que
existe,
e deve
ser
cultivado
com
crescente
empenho
e rigor,
é a
precisão,
no
recorte
de
dados,
fatos e
falas,
para que
o relato
jornalístico
tenha as
indispensáveis
virtudes
da
clareza
e da
veracidade.
Há quem
confunda
objetividade
com
precisão.
Pois são
coisas
diferentes.
Objetividade
pertence
ao
universo
das
atitudes
mentais.
É um
conceito
de
"objeto
real", a
ser
visto
pelo que
é, não
pelo que
significa.
Já a
precisão
é o
resultado
do uso
competente
de um
conjunto
de
técnicas
(de
observação
e
captação)
que
servem
aos
fundamentos
da
linguagem
jornalística,
para que
nela
seja
preservada
a
natureza
da
veracidade
asseverativa,
sua
principal
característica.
Mas não
há como
observar,
apurar,
depurar
e
relatar
ou
comentar
sem a
intervenção
inteligente
de
ajuizamentos
valorativos.
Que, por
sua vez,
dependem
de
critérios
subjetivos
-
qualquer
que seja
o texto,
da
simples
notícia
à mais
complexa
reportagem
ou ao
mais
elaborado
editorial.
3.
Fraude
secular
A crença
na
objetividade
é filha
legítima
do velho
paradigma
que
propõe a
divisão
do
jornalismo
em
classes
de
textos
opinativos
e
informativos.
E essa é
uma
fraude
teórica
surpreendentemente
persistente,
já
secular.
Com a
conservação
de tal
matriz
mentirosa,
se
esparramam
efeitos
que,
além de
empobrecer
o ensino
e a
discussão
do
jornalismo,
tornam
cínicas
as suas
práticas
profissionais.
Fala-se
em
separação
de
opinião
e
informação
como se
a
manchete
não
contivesse
um ponto
de
vista,
ou não
fosse o
resultado
de uma
intervenção
opinativa
provavelmente
complexa.
Se não é
hipocrisia,
é
ingenuidade
dizer, e
tentar
convencer
os
outras a
acreditar,
que onde
se
informa
não se
opina,
como se
isso
fosse
possível.
Ainda
por
cima, ao
se
propor
essa
fronteira
entre
opinião
e
informação,
os
manuais
de
redação
sugerem
que a
opinião
pode
contaminar
perigosamente
o
noticiário.
É uma
abordagem
moralista
que
ilude a
opinião
pública.
Ora, o
que
qualquer
bom
jornalista
procura
fazer,
em seu
trabalho?
Boas
reportagens,
boas
entrevistas,
boas
notícias,
bons
editoriais,
boas
fotos.
Narrando
ou
argumentando,
entregam-se
à arte
de
associar
os fatos
às
idéias,
o
essencial
ao
secundário,
a
aparência
à
essência,
o
particular
ao
geral,
os dados
às
emoções,
os
acontecimentos
à
reflexão,
os
sintomas
ao
diagnóstico,
a
observação
à
explicação,
o
pressuposto
à
aferição.
A boa
obra
jornalística
resulta,
portanto,
da
relação
interativa
entre
informação
e
opinião
– uma
relação
dialética,
estratégica,
carregada
de
subjetividades.
O
jornalismo
não se
divide
em
opinião
e
informação,
mas se
constrói
com
informação
e
opinião,
tanto
nos
esquemas
da
narração
(para
relatar
os
fatos)
quanto
nos
esquemas
da
argumentação
(para
comentar
os
fatos).
O que
existe,
e se
deveria
estudar
com
seriedade,
é a
divisão
entre
esquemas
narrativos
e
esquemas
argumentativos
– ambos
com
informação
e
opinião,
em
proporções
e
estratégias
diferenciadas.
* Artigo
originalmente
publicado
no site
Comunique-se
em
07/04/2006.
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