LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: DELICADEZA E
CIVILIDADE
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: qui., 25 de abr. de 2024
Subject: delicadeza e civilidade
DELICADEZA E CIVILIDADE
No primeiro programa deste ano, “O Papo de
Segunda”, no GNT. abordou entre outros assuntos,
os tipos de contratos que podem existir quando
se começa um relacionamento. E o item fidelidade
não foi tão comentado quanto a necessidade de
ser gentil. Um aspecto importantíssimo e, de
modo geral, pouco abordado. Foi emocionante ver
os homens reconhecerem a importância da
gentileza no trato com as mulheres. E no trato
com as pessoas em geral. Não se afirmou, no
entanto, que seja fácil manter este
comportamento nas relações sociais. Muito pelo
contrário. Houve um reconhecimento dos dias de
mau humor ou de fúria, com as dificuldades do
controle emocional. Ao mesmo tempo que
mencionavam a importância de ser confrontado
pelo companheiro/a, diante do desconforto que
sofriam pelo descontrole do Outro.
Acredito que a gentileza ou a delicadeza
transcende os bons modos. Que são como uma
etiqueta, regras sociais, um dever de respeitar
o outro. De tratá-lo como gostaria de ser
tratado. A gentileza, a delicadeza no trato, é
muito mais sofisticada. Não é treinamento.
Requer um certo amadurecimento, uma curiosidade
infinda sobre as outras pessoas e a capacidade
afetiva e inestimável de saber ouvir. E, assim,
poder entender a quem estar por perto, a
situação e o intrincado mundo das relações
humanas. O não se aproveitar do outro e não ser
aproveitado, reconhecer as dádivas que lhes são
dadas, desvendar os mistérios do amor,
desengonçado às vezes, descuidado e até meio
opressor em alguns momentos. Mas sempre apoiado
na certeza de que a outra pessoa lhe faz bem,
lhe faz falta, é seu bem querer. Junto com a
certeza de ser amado.
Às vezes, desconfio que estamos perdendo
nossa capacidade de amar delicadamente. De
tratar o outro com atenção e gentilmente. E, em
vez de cultivarmos o carinho, cultivamos a
agressividade. Quando as palavras são usadas
despudoradamente, agressivas, cheias de termos
indevidos, como se não houvesse respeito nas
relações. Como se palavras não tivessem força.
Sim, o Chris Rock, que recebeu um soco do Will
Smith em uma das noites de entrega do Oscar, diz
que isso de afirmar que palavras doem é para
aqueles que nunca levaram um soco. Ok. Entendo.
Mas aposto que tudo dói. Levar um soco ou sentir
a alma pesada e desesperada porque foi
humilhada, desamada, isolada. Chris ainda chama
a atenção para o problema da atenção demasiada
às mídias. O que provavelmente significa menor
atenção ao que está mais próximo. Mas hoje há um
fenômeno ainda mais desafiador e perverso: a
falta de cortesia formal entre muitas pessoas
que se dizem da elite ou educadas. Ou seja lá o
que for! O fato é que se dirigem aos adversários
ou competidores tão desrespeitosamente que
parecem, no fundo, não terem respeito a si
próprios. Pois, quem posa de estúpido, ignorante
e grosseiro, sem nenhuma preocupação com o que
está oferecendo à sociedade, como exemplo de si
mesmo? E a qualidade do que dizem, as mentiras,
as ofensas?
Como nos explica o velho Aurélio, civilidade
vem do latim civilitate - conjunto de
formalidades observadas pelos cidadãos entre si,
em sinal de respeito mútuo e consideração.
Considera-se “a condição de organização mais
desejada pela sociedade humana, oposta à
barbárie.” E mais, os estudiosos afirmam que a
polidez no trato e o respeito não devem ser
encarados como uma futilidade, um ritual
esvaziado de sentido. Muito pelo contrário, é
visto como um contrato social. Que garante a
estabilidade e o desenvolvimento do processo
democrático e das relações de poder. Talvez a
falta de controle emocional e a ausência de
educação doméstica contribuam para o
comportamento sem limites e freios
civilizatórios. E quando nosso grau de
civilidade se degrada, todos se humilham. Todos
se envergonham. As relações sociais se esgarçam,
o ódio se instala. E, com ele, a inquietude, a
angústia e a infelicidade. E é inacreditável que
se advogue liberdade de expressão para ser
incivilizado. Pois, afinal, que tipo de
sociedade estamos advogando? Inclusive para
nossos descendentes?No meio dessas reflexões, me
lembrei de um vídeo que circula na internet onde
aparece Elton John cantando. O texto não parece
ter relação com a letra da música e fala como
somos estranhos, quando quem morre merece nossas
homenagens – que nunca foram oferecidas enquanto
eles estavam vivos: flores, visitas, saudades,
lembranças, remorsos e tempo. Santificamos o
morto e falamos mal dos vivos, diz o autor do
texto. Dos vivos de quem não nos aproximamos o
suficiente, para os quais nunca afirmamos o
quanto eram importantes em nossas vidas ou de
quanto os apreciávamos. E mesmo sendo a vida
como um sopro, aos olhos do homem os mortos têm
mais importância, a ponto de seus defeitos
virarem saudades. Enquanto negamos aos mais
próximos e vivos nosso carinho, nossas palavras
delicadas, nosso perdão e nosso tempo. Com todo
o respeito, é um difícil aprendizado e para toda
a vida. Já ouvimos isto antes? Sem dúvida! Meio
sentimental demais? Concordo que sim. Mas,
amigos, parece atual não é mesmo? Por via das
dúvidas, digamos que estou com uns bons
quilômetros de estrada e quero ser cremada.
Todavia, antes disso, estou bem viva por aqui.
OK? (04/2024/luiza) |