Um juiz federal anulou, nesta terça-feira, 12, partes significativas da proibição da Flórida a intervenções médicas de transição de gênero para crianças. O juiz Robert Hinkle, de Tallahassee, decidiu que a “identidade de gênero é real” e que “um padrão amplamente aceito de cuidados” inclui bloqueadores de puberdade e hormônios cruzados. Em maio do ano passado, a Flórida havia proibido esses tratamentos hormonais para crianças transgênero.
“O estado da Flórida pode regulamentar conforme necessário, mas não pode negar completamente aos indivíduos transgêneros um tratamento médico seguro e eficaz — tratamento com medicamentos rotineiramente fornecidos a outros com a aprovação total do estado, desde que o objetivo não seja apoiar a identidade transgênero do paciente,” escreveu Hinkle em sua decisão.
Três famílias, juntamente com grupos LGBT, processaram o estado da Flórida, alegando que a lei negava aos pais o direito de tomar decisões médicas para seus filhos transgêneros. O governador Ron DeSantis (R) planeja apelar da decisão. “Discordamos das decisões errôneas do tribunal sobre a lei, os fatos e a ciência,” disse Julia Friedland, secretária de imprensa adjunta do governador, em um comunicado.
Diversos países europeus, como Inglaterra, Escócia, Suécia, Dinamarca e Finlândia, reavaliaram intervenções médicas para crianças transgênero. Nos Estados Unidos, vários estados aprovaram proibições semelhantes, incluindo cirurgias genitais, mastectomias duplas para meninas que buscam uma aparência mais masculina, bloqueadores de puberdade e hormônios cruzados.
Na semana passada, mais de 100 profissionais de saúde e grupos assinaram uma declaração pedindo às principais organizações médicas que interrompam intervenções médicas perigosas para crianças transgênero.
O juiz Hinkle já havia se pronunciado em outros casos de grande repercussão, incluindo uma decisão de 2014 declarando inconstitucional a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Flórida e uma liminar preliminar em 2021 contra uma lei que penalizava plataformas de mídia social que censuravam conteúdo de candidatos políticos e organizações de mídia.
O Debate Sobre Intervenções Médicas em Crianças Transgênero
As intervenções médicas para a mudança de gênero em crianças são altamente controversas e envolvem diversos riscos e considerações.
Riscos Físicos
Esterilidade: Um dos riscos mais graves é a esterilidade, que pode resultar do uso de bloqueadores de puberdade e hormônios sexuais cruzados. Esses tratamentos podem comprometer permanentemente a capacidade reprodutiva das crianças.
Lesões Corporais: Procedimentos cirúrgicos invasivos, como a redesignação sexual, podem causar lesões corporais graves, incluindo perda de funções sexuais ou reprodutivas, deformidades permanentes e risco de morte durante a cirurgia.
Problemas de Saúde a Longo Prazo: O uso prolongado de hormônios pode levar a uma série de problemas de saúde, incluindo doenças cardiovasculares, osteoporose e outras complicações médicas.
Riscos Psicológicos
Danos Psíquicos: Crianças submetidas a intervenções médicas para mudança de gênero podem sofrer danos psicológicos significativos, incluindo aumento da ansiedade, depressão e outros transtornos mentais.
Arrependimento: Há casos documentados de crianças que, após a transição, se arrependem da decisão e enfrentam dificuldades adicionais ao tentar reverter as mudanças.
Desenvolvimento Cognitivo: Crianças pequenas não possuem a maturidade cognitiva necessária para tomar decisões informadas sobre intervenções médicas complexas e de longo prazo.
Considerações Legais e Éticas
Capacidade Decisória: A legislação brasileira e internacional geralmente considera que menores de 18 anos não têm a capacidade legal plena para tomar decisões tão significativas. A autorização dos pais ou responsáveis também é questionável em termos de validade legal e ética.
Proteção Integral: O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e convenções internacionais enfatizam a proteção integral e o melhor interesse da criança, o que pode ser comprometido por intervenções médicas prematuras.
Nos últimos anos, diversos países, incluindo a Inglaterra, têm adotado medidas restritivas em relação às intervenções médicas para mudança de gênero em menores de idade. Essas restrições são motivadas por preocupações com a falta de evidências robustas sobre os benefícios desses tratamentos e os potenciais danos a longo prazo.
Inglaterra
Fechamento da Clínica Tavistock: A clínica Tavistock, que era a única instituição especializada em tratar menores com disforia de gênero na Inglaterra, foi fechada em 2022 após críticas severas sobre a adequação dos seus serviços. O relatório de Hilary Cass destacou a insuficiência de pesquisas sobre os efeitos dos bloqueadores de puberdade no desenvolvimento neurocognitivo e a falta de acompanhamento adequado dos pacientes.
Novas Diretrizes do NHS: O Serviço Nacional de Saúde (NHS) britânico decidiu restringir os tratamentos de gênero para menores, permitindo o uso de bloqueadores de puberdade apenas em contextos de pesquisa clínica. A decisão foi baseada em uma análise que concluiu que as evidências de benefícios dos tratamentos eram “instáveis” e que, para a maioria dos jovens, um caminho médico não seria a melhor forma de lidar com a angústia relacionada ao gênero.
Outros Países Europeus
Suécia: Em 2022, a Suécia restringiu o uso de hormônios para mudança de gênero a “casos excepcionais”, citando a incerteza sobre quantos jovens podem optar por destransicionar no futuro. A revisão rigorosa de pesquisas encontrou evidências insuficientes para apoiar as terapias hormonais em jovens.
Finlândia: Desde 2020, a Finlândia recomenda a psicoterapia como o principal tratamento para adolescentes com disforia de gênero, limitando severamente o uso de medicamentos hormonais. A decisão foi baseada em preocupações com a saúde mental dos pacientes e a eficácia dos tratamentos hormonais.
Alemanha: A Alemanha proibiu a realização de cirurgias corretivas de sexo em menores de idade, exceto em situações emergenciais. A legislação visa proteger a integridade psicofísica dos menores e garantir que qualquer intervenção seja realizada apenas com o consentimento livre e informado da pessoa, uma vez que ela tenha idade suficiente para tomar essa decisão.
Essas medidas refletem uma crescente cautela em relação aos tratamentos médicos para mudança de gênero em menores, enfatizando a necessidade de mais pesquisas e uma abordagem mais prudente que coloque a saúde das crianças em primeiro lugar.
As restrições visam proteger os jovens de possíveis danos físicos e psicológicos, garantindo que qualquer intervenção seja baseada em evidências sólidas e no melhor interesse do paciente.
Alexandre Borges - colunista
O Antagonista, Jornalismo vigilante |