Performance
Esse é o mesmo Lula que, em janeiro de 2018, quando tentava emplacar sua candidatura presidencial na esperança de escapar da cadeia, disse o seguinte após presenciar uma performance em que dois homens se beijavam:
“Vocês viram a performance do beijo aqui, né? Vocês viram. Tem gente que pode ter ficado horrorizada com aquela performance do beijo. Eu achei inusitado. E se preparem, que eu estou com 72 [anos], energia de 30 e tesão de 20. Não se descuidem.”
Em outro discurso na semana que passou, Lula deu outra moralizada, ao sugerir que uma moça pare de ter filhos e comece a estudar: “Aquela moça tem 25 anos de idade, ela tem três filhos. Eu falei para ela: ‘Minha filha, a primeira coisa que você tem que fazer é parar de ter filho”.
“Putaria”
Esse é um conselho que Lula tem repetido para as mães há mais tempo, já o fez em outros discursos públicos. E, do ponto de vista de estratégia política, falar indiretamente de questões morais, sem jogar o nome de Deus em vão na cara da audiência, é muito mais eficiente.
É possível que o trecho sobre a “putaria” no cinema alcance grupos de religiosos desavisados que se contentarão ao ouvir o presidente reclamar diretamente daquilo que eles próprios não gostam. E talvez essa forma de enxergar a arte esteja mais próxima do que Lula pensa (ou não pensa) de fato. Mas, nesse caso, ele teria mentido ao longo de toda a carreira política para contentar outros grupos.
O Lula “evangélico” se diz pessoalmente “contra o aborto”, mas pondera: “Como o aborto é uma realidade, precisamos tratar como uma questão de saúde pública”.
“Eu acho uma insanidade querer punir uma mulher vítima de estupro com uma pena maior que um criminoso que comete o estupro. Tenho certeza que o que já existe na lei garante que a gente aja de forma civilizada nesses casos, tratando com rigor o estuprador e com respeito às vítimas”, completou. Mas, dias antes, seu governo não se opôs a impôr urgência à votação na Câmara dos Deputados sobre um projeto de lei que restringiria o tempo para aborto legal.
Saidinha
Lula também modula o discurso sobre a saidinha de presos em datas comemorativas. Depois de vetar de forma acanhada o projeto de lei que extinguiu as saidinhas — o Congresso derrubou seu veto e impôs a extinção —, o petista achou uma forma “evangélica” de dizer que vetou o PL com convicção (não é verdade), em nome da “família”.
“Como é possível, numa sociedade democrática, em que a base da sociedade é a família… E se o Estado prendeu o cidadão, não é apenas para castigá-lo, é para recuperá-lo… E na hora que o cidadão sai, para ver a sua família, que é uma das fontes de recuperação dele, é proibido?”, questionou em entrevista à rádio Meio, de Teresina.
Os governistas celebraram nos últimos dias uma pesquisa DataFolha que sugere que a progressiva perda de popularidade do presidente foi estancada. Na análise mais otimista para os petistas, a modulação do discurso de Lula nos temas mais espinhosos estaria funcionando. É cedo para dizer, pois ele pode ter simplesmente atingido o piso da popularidade — e o fato é que hoje o petista tem a maior rejeição de seus três mandatos presidenciais.
Pode ser que Lula esteja conseguindo convencer alguma parcela do eleitorado evangélico com sua sinuosa conversão retórica, em especial os desatentos, mas, como diria um bom pastor, Deus está vendo tudo.
Rodolfo Borges - colunista
O Antagonista, jornalismo vigilante. |