LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: A IRRECORRÍVEL
PASSIVIDADE!
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com>Date:
sex., 28 de jun. de 2024
Subject: passividade
A IRRECORRÍVEL PASSIVIDADE!
Entre palestras, festas e restaurantes com
comemorações de aniversários, o XII Fórum de
Lisboa reuniu, mais uma vez, a nata da sociedade
brasileira. Talvez não encontrássemos uma só
autoridade de peso em Brasília nos últimos dias.
Estavam todos em Portugal, discutindo os
problemas do Brasil. Bons tempos para o turismo
português, cujos lucros aumentaram
sensivelmente, segundo notícias do jornal; bons
tempos para as companhias aéreas, nadando de
braçadas no incremento de viagens e vendas de
assentos na primeira classe. Bons tempos para
nós brasileiros? Depende. Se os custos do
turismo não saíram do erário nacional, mantidos
com nossos impostos...! Ou se não houver
empresas privadas a financiarem transporte e
estadias, inclusive de Ministros do Supremo
Tribunal Federal...!Com a devida vênia, é
cansativo se referir à mulher de César: que não
basta ser honesta, mas parecer honesta. Prefiro
Brás Cubas, fazendo o retrato da sociedade
brasileira com a ironia e o sarcasmo machadiano:
“A franqueza é a maior virtude do defunto!”
Então, quanto nos tem custado os passeios por
terras lusitanas para discutir nossos problemas?
A distância física que nos separa de Portugal
garantiria uma maior objetividade na análise dos
problemas brasileiros?
O fato é que lá, nas terras portuguesas,
nossas grandes questões continuaram objeto de
análises. No entanto, até quando permaneceremos
na prática orgástica de discuti-las? Questões
como, por exemplo, a imensa desigualdade social
no Brasil ou o autoritarismo estrutural da
sociedade brasileira? Sem que medidas efetivas
sejam tomadas? Por exemplo, segundo a Ministra
Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), há 860 mil detentos presos no
país e destes 319 mil por crimes violentos. Ou
seja, 541 mil se encontram encarcerados por
crime de menor potencial. A maioria de pobres e
pretos. Bem, quando no Brasil o ladrão rico foi
para a cadeia deu no que deu: quase prendem os
juízes. A realidade mostra que o mesmo cuidado
com a revisão dos processos não ocorre com o
pobre, que é encarcerado até sem as devidas
providências legais.No Brasil, não em Portugal,
(?) transitam atualmente no STJ 925 mil habeas
corpus e a média diária de processos novos por
juiz é de 90. E até roubo de chinelo chega às
altas instâncias. Por todos os deuses! Uma
incrível incapacidade administrativa de
racionalizar suas atividades? Não há uma
instância que, sob rigorosos critérios, avalie e
selecione os casos para o julgamento superior?
E, pela característica da população carcerária e
a dosimetria da pena, praticamos a eugenia no
Brasil. Por métodos capciosos. Criamos as piores
condições de vida para os pobres e pretos. Nós
os encarceramos.Eis uma das Faces perversas de
nossa desumanidade diante da pobreza e da
injustiça social. Não basta ignorá-las, por
exemplo, com políticas de Saúde, Educação e
Segurança mal avaliadas em seu
cotidiano. Na forma como são
atendidos seus usuários. Encarceramos os pobres
e dependentes. Contraditoriamente, reduzimos
recursos deficitários do Orçamento Federal, na
ordem de cerca de R$ 53 bilhões, unicamente para
promoção pessoal. Ou, então, pretendemos anular
a delação premiada estimulando a corrupção. Ou
discutindo esquizofrenicamente o aborto,
distraindo a atenção da sociedade para conseguir
a regularização dos cassinos e jogos de azar no
Brasil.
Pela voz de Brás Cubas, Machado de Assis
estaria certo? Ele diz que sua educação se
caracterizou pela vulgaridade de caráter,
rutilante frouxidão da vontade e domínio do
capricho. Acrescidos, digo eu, da presunção e
trivialidade. “Desta terra e deste estrume é que
nasceu esta flor”. Com todo respeito, seríamos
nós? Não! Há muita gente boa na alta burocracia
brasileira e no Parlamento. Contudo, o tempo de
imersão na desigualdade social e na injustiça no
Brasil talvez sugira que estamos
irrecorrivelmente passivos diante de tudo. E
preferimos discutir ad nauseam as mesmas
questões, principalmente em outras terras, do
que enfrentar as soluções por aqui mesmo.
(06/2024/luiza) |