Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO - O TEMPO E O DESEJO!

De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com>
Date: qui., 18 de jul. de 2024
Subject: tempo e desejo

O TEMPO E O DESEJO!

“Pro ano novo chegar/ O tempo e o meu desejo/ cada um anda por um lado/ Às vezes morro de medo”. Três irmãos que encheram de poesia o Brasil. Ontem morreu Clodomir, o Clodo Ferreira. Algumas pessoas deveriam ser imorríveis. Como Ariano Suassuna, Manoel de Barros e o Clodo. Junto com seus dois irmãos, Climério e Clésio, nos ofereceram melodias e letras. Em uma linguagem prenha de uma estranha beleza. Cheia de acordes que balançavam corações. O meu se perdia nessa estranheza.

Assim com a letra de Revelação, nos recordando de quando a saudade viva veste o dia, ressuscitando a dor de relembrar casas mal vividas, camas repartidas. E tudo se revela. Porque mesmo quando tentamos amordaçá-lo, excluí-lo, o amor volta para reviver e nos incomodar, através da saudade. Os três irmãos fizeram de seus privilegiados e estranhamente genéticos talentos uma poesia de uma linda simplicidade. Nos trazendo de quebra o Nordeste querido.

Ah! A saudade! Não podemos deixá-la em uma gaveta ou queimá-la em brasas para não ressuscitar o desejo. Como em “A Geografia dos Anos”: “No sul da minha saudade/ Tem uma estrada de terra/ Molhada de chuva fina/ Ao norte dessa lembrança/ Tem minha avó no pilão/ E um cheiro de cajuína.” Em “Corda Aço”, não se sabe a cor do perdão. Quantos de nós sabemos? E desconhece o peso do sacrifício. No entanto, quando bate a solidão, “Sinto na pele/ Que meu abrigo pode ser o precipício/ Não sei quem chora por mim/ Quem inocentemente me condena/ Olhando a cara fria do silêncio/ Tudo que faltar a gente inventa.” E afirma: preciso ter voz para cantar, como corda de aço. Mesmo desfiada. Ou seria a vida? Que só é vida porque apaixonada? O grande problema para todos nós é como manter a paixão e a vida sem saber a cor do perdão e o peso do sacrifício!E quanto ao olhar, janela da alma? Em “Tiro certeiro”, “O teu olhar bate em mim/Como o sol amanhece/ Sobre as plantas no quintal/ E foi queimando tudo, Esquentando tudo por dentro/ e a partir desse momento/ Teu olhar brilhou no meu”. E contínua, sobre o poder do olhar que amola o verso, fere o universo, sangra a beleza. E mais, chora e pede, implora e fala de tristeza. Que agasalha o amor assim como o rancor e onde habita a paixão. Nós nos olhamos suficientemente, silenciosamente, sem que estejam presentes nossos próprios sentimentos? Conseguimos entender os pedidos ou os reclamos, a tristeza ou o prazer daqueles que amamos? Como pode sobreviver a paixão, o afeto, a amizade sem que estejamos atentos ao olhar do outro? Sem que, como falam os autores, teu olhar brilhe no meu?

Clodo se foi deixando um legado e esquecendo a saudade entre nós. Mas lembrou, para quem se interessar, da força da paixão, da natureza da saudade, da tristeza da solidão que pode nos levar para o precipício, da doçura das lembranças do passado, da necessidade de estarmos apaixonados. E, mais ainda, que precisamos cantar. Mesmo que as cordas de aço de nossa vida e de nossa voz estejam desfiadas. Obrigada, Clodo! (07/2024/luiza)

 

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