Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
Heróis de hoje serão os vilões amanhã
Aylê-Salassié F. Quintão*
 
 
Este País é, de fato, muito grande e diversificado para ser conduzido pelo bom ou mau humor de um homem só . Como o eleitor se engana, hein! Surpreende ver  as coisas andando - aos trancos e barrancos - mas, aparentemente, sozinhas. O presidente sempre viajando e o vice receoso de assumir. É tudo muito litúrgico, e sem efeitos práticos. Atira-se para todos os lados: criminaliza-se  e se descriminaliza de todos os jeitos. É uma verdadeira "deglutição" ao estilo macunaímico, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário.
 
Concluo que a  Nação pode estar  diante de um modelo poético ou  de uma grande farsa. 
Ninguém acredita - e nem é para acreditar mesmo - que  estamos numa democracia, alimentada  
por uma aristocracia, de base corporativa , que   flutua nas superfícies constitucionais, surfando  pelos corredores dos palácios de Governo.

 
É nesse cenário que gente  com ampla atividade política ou  sindical pretéritas,   esforça-se   para entender o que está acontecendo, por exemplo,  no campo  ambiental. Proletarizadas, as  lideranças   têm dificuldade de compreender a problemática em que o País está se metendo como esse tal  de protagonismo global e de mudanças climáticas. Os credenciados para discutir a questão  planetária  apropriam-se  de  jargões cunhados pelas   conveniências provincianas, e os reproduzem. 
A temática     atropela  conservadores, liberais , socialistas,  impactando, sobretudo, corporativistas.   

 
Os  conservadores defendem o uso dos recursos naturais , como uma dádiva de Deus; os liberais, 
a sua utilização sustentável ; e os socialistas , pura e simplesmente, a redistribuição dos produtos 
da sua exploração  pelas comunidades originárias. O sindicalismo concentra seus interesses nos empregos,  rendas e outras vantagens que podem ser  auferidas  desse processo quase extrativo .   Poucos  preocupam-se mesmo  com os dramas que ameaçam  a humanidade,  resultantes dessa indisciplina dos  elementos climáticos que dão vida ao planeta.

 
Ninguém abre mão dos  interesses materiais  e, por isso,  a percepção ambiental fica aquém do  significado   amplo e  planetário. Aqueles que, de fato, preocupam-se com a questão ambiental 
têm soluções primárias para a subsistência alimentar da população. Exemplo: "MST faz acordo com a Venezuela para produção  de alimentos" - . Concomitantemente, os  reais produtores são  escorraçados  por acusações politizadas . A grande fome na China e o Holodomor na Rússia se deram assim.  A carência alimentar que  bate à porta da Venezuela, de Cuba, da Nicarágua, acena para o Brasil. Mas, segundo explicava Josef Stalin,  "A morte de uma pessoa é dramática; de muitos, uma estatística". Mais de um bilhão de pessoas no mundo são vítimas da fome. As guerras, produzidas doentiamente por meia dúzia de sujeitos, contribuem não apenas para destruir os campos de produção agrícolas, absorvedores também de carbono e reduzir as populações. Não acrescentam nada para a humanidade. 

 
No Brasil omite-se, conscientemente, sobre a  decisão de explorar  minerais  em terras indígenas ou   sobre a extração de petróleo na foz do rio Amazonas, embora, por antecipação, o governo brasileiro  já tenha pedido  filiação  à OPEP -Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo, aquela  que chantageou o mundo nos anos de 1970 elevando o preço do petróleo de 4 a 6 dólares o barril  para 40 a 60 dólares  e, depois, influenciada pela loucura retórica de  Hugo Chávez, da Venezuela, conseguiu , pela redução drástica das exportações do óleo cru , fazer os preços chegarem a 150 dólares o barril. Agonia para o mundo,  e festa para os sheiks, membros dos países da OPEP, que, com esse dinheiro, construíram cidades sobre o mar, garagens  para automóveis de luxo nos últimos andares de arranhas céus, sem reduzir a pobreza.
 
 Por aqui,  nas acusações contra a  garimpagem do ouro  e nos rios amazônicos  - absorvedora  de milhares de desempregados não contabilizados nas estatísticas oficiais  - faz-se questão de ignorar a pressão pela exploração do lítio -  apelidado já, defensivamente ,  de "metal verde" - , do potássio e metais nobres em território indígena. Há uma visível tentativa de esconder as   intenções escusas e as incompetências  no campo da gestão pública, acompanhadas por um séquito proletarizado instalado na burocracia de Estado.
 
Estranho ainda  é o fato de que, em pleno período das queimadas,  servidores públicos envolvidos profissionalmente com a defesa do meio ambiente, deixem-se envolver num momento desses,  por uma discussão, aparentemente, inoportuna sobre salários funcionais,  em que se escondem, em exaustivas discussões, políticas praticamente já decididas . Funcionários e trabalhadores qualificados são levados a adotar ou abandonar  convicções e compromissos, promovendo  em favor de paralisações de atividades,  redução da dinâmica funcional,  greve, tudo que não faz  parte direta da questão ambiental.

 
Ao mesmo tempo, dá para perceber que existe no mundo um grupo de dirigentes de países soberanos - verdadeiras doidivanas -  que não está nem aí para a questão ambiental, muito menos  apreensivos com as ameaças à  vida  na terra.  O ministro chefe da política externa da Rússia, Sergey Viktorovich Lavrov, numa fala ao plenário da ONU, chegou a expressar o absurdo de que "Ninguém pode vencer um país nuclearizado". Uma total falta de  escrúpulo com relação às mudanças climáticas e às  vidas humanas, deixando transparecer  a disposição de seu país de alimentar guerras, até com armas atômicas , cuja virtude é destruir tudo (dos outros). 

 
A questão ambiental é superveniente .  É de responsabilidade não apenas dos burocratas, mas  da sociedade . Independe de ideologia, de partido , de governante. É um compromisso social, uma filosofia de vida .  Mas   não será resolvida com a  criação da tal  "autoridade climática" ,  retórica  de   olho gordo numa pretensa  nova fonte de captação de recursos  para projetos ambientais múltiplos. O Brasil vai tentar introduzir sua proposta , como um "jabuti" , durante a  COP-30, em Belém do Pará, no ano que vem, já que a credibilidade externa do governo brasileiro está em baixa entre os pares.

 
Pois é isso, tanto parecem predatórias as intenções da atual safra de  dirigentes políticos  - que dizem representar   bilhões de cidadãos no planeta - quanto essas negociações  corporativas, instigadas  por superiores, e voltadas para o próprio  umbigo. Não cabe a um servidor, enquadrado em uma carreira típica de Estado,  passar o ano discutindo salários e benefícios, enquanto o país pega fogo. Conspurca-se os propósitos da missão pública , adotando ideologias (todas espúrias, porque concentradas em visões particulares de mundo) ou fazendo uso de  métodos transplantados do corporativismo, num mundo já governado pela inteligência digital  . Politizar, corporativizar ou desqualificar a questão ambiental é contribuir para  um suicídio global: não sei se a curto ou a médio prazo. Os protagonistas  já não estarão  por aqui. Será o legado desses  heróis de hoje para as  gerações que ainda virão, se vierem, e que, provavelmente, serão rebatizados  como vilões.  

 
*Jornalista, professor 
 
 

Jornalismo com ética e solidariedade.