|
|
|
|
|
|
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: VOCÊ ESTÁ AQUI E
ESCUTA?
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: seg., 30 de set. de 2024
Subject: presença
VOCÊ ESTÁ AQUI E ESCUTA?
“O que nós só sabemos juntos” é resultado da
imaginação inquieta de sócios e artistas
criadores do NIA Teatro: o diretor Luiz Villaça,
a atriz Denise Fraga e o produtor José Maria.
Sobem ao palco, Tony Ramos e Denise Fraga,
assistidos por uma equipe de excepcional
capacidade técnica. E uma banda feminina. Que
toca antes e durante a peça, acompanhando os
cantos e danças dos autores. Uma experiência
diferente, na qual os atores iniciam seu
movimento convivendo com a plateia,
recepcionando quem chega, colhendo algumas
vivências.
A roupagem incomum que envolve o texto nos
desperta para a intensidade e a profunda emoção
da mensagem. Que nos alcança diretamente na
capacidade de ser feliz. Você está aqui
realmente? Você escuta? Sim, por onde caminha
nossa alma? De quantos sonhos, expectativas,
digressões, irrealidades se faz este nosso
caminhar? De quantos momentos de alienação
olhando um telefone de coisas distantes,
enquanto os que amamos nos cercam? Sim, nem
sempre estamos por aqui, no momento em que
vivemos. Como fala o budismo, conscientes do que
sentimos. Nem sempre nossa presença significa
realmente presença - com a consciência do outro,
do que se fala, a percepção dos estímulos que
movem os que estão próximos, a sensação de
proximidade e intimidade. A possibilidade de
encontrar quem fala, compreendendo
verdadeiramente o que ele/a quer dizer. Assim
como a forma de compreendermos quem somos
ajudados pelo outro.
Talvez nos falte maior consciência de que não
existimos sozinhos. E nunca nos conheceremos
realmente sem a interferência daqueles que
suavemente tocam nossas almas e nos mostram
precipícios e fendas que insistimos em transpor;
nos falam de nossas ações como a pedir
compreensão dos males que podemos causar. E se
oferecem como pessoas, com a infinita e incrível
diversidade de cada experiência humana. Nossos
ouvidos, no entanto, podem permanecer moucos.
Porque, de fato, não estamos interessados.
Preocupados com o que pensam de nós os outros
mais distantes. Esquecidos de que os mais
próximos podem guardar tesouros incontáveis e
ainda desconhecidos. E momentos de proximidade e
intimidade que fazem a vida valer a pena.
É verdade. Se não estamos realmente no momento
presente, atentos aos fatos e aos outros, muito
provavelmente não os estamos escutando. Apenas
ouvindo. E há uma diferença abissal entre uma
coisa e outra. Os diálogos da peça demonstram.
Ouvir é perceber ruídos. Escutar é entender o
que eles significam. Compreender o que nos
dizem. Estar próximo do outro, no sentido de
compreender o que se passa. E, desta forma,
descobrir o que é importante, essencial. Para o
outro e para nós. No entanto, a impressão é de
que a proximidade real com o outro é muitas
vezes evitada. Agora mais do que nunca. Em um
mundo cada vez mais dividido entre eles e nós.
No qual a aparência é a razão de ser.
Talvez, por este motivo, cada vez se grite mais.
Sim, a fala é quase um grito. Como na peça. A
carência é de quem foi exilado, expulso, tornado
invisível pela falta do olhar, da escuta, da
presença. Lembrando que a escuta começa com o
olhar. Não aquele que nos atravessa e passa por
nós sem nos ver. Falamos do adoculare – mirar,
atentar, reparar, ver-se mutuamente. E do
significado do olhar sobre o outro e do que ele
nos fala sobre nós mesmos e nossa autoestima.
Creio que “O que nós só sabemos juntos” fala
sobre o olhar também. Que não é um ato físico em
si, mas é uma relação, fundamental para a
formação de nossa identidade, como dizia Lacan.
Para a construção do sujeito. Nos fazendo
conscientes do que somos. Assim, estar junto é
olhar o outro, como gostaríamos que ele nos
olhasse. E estarmos atentos. Presentes. Como ser
feliz se não conseguirmos? (09/2024/luiza) |
|
|
|