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O colapso das ferrovias
A prioridade dada às rodovias não justifica o
abandono das ferrovias, que deveriam ser vistas
como o principal meio de transporte de cargas
pesadas e de passageiros à longa distância
Por Almir Pazzianotto Pinto
06/11/2024 | 03h00
Nos altos escalões da República nada se diz
sobre o colapso da malha ferroviária, um dos
pontos fracos da nossa precária infraestrutura,
responsável pela baixa produtividade do Brasil.
A rede se estende de forma descoordenada ao
longo de 30.129 quilômetros (km), distribuídos
entre 22 Estados e o Distrito Federal. A maior
parte se destina a transporte de cargas, como
minério de ferro. É reduzido o número de
quilômetros
explorados para deslocamento de passageiros. A
maior extensão se registrou na década de 1960,
quando alcançou 38.287 quilômetros. Na Mensagem
ao Congresso Nacional relativa ao ano de 1956, o
presidente Juscelino Kubitschek declarava
existirem 37.100 quilômetros, “sendo 2.880 km em
bitola de 1,60 metro, 33.120 km em bitola de
1,00 metro e 1.060 km em bitolas inferiores a 1
metro”. Também relacionava as ferrovias em fase
de construção (página 418).
Passados mais de 60 anos, a quilometragem se
reduziu em aproximadamente 7 mil quilômetros,
mantendo-se a diversidade
de bitolas. Em todo o Brasil, são quatro as
medidas entre os trilhos. Temos 4.057
quilômetros em bitola larga, ou irlandesa, de
1,6 metros; 202,4 quilômetros em bitola padrão,
ou internacional, de 1,435 metro; 23.489
quilômetros em bitola de 1 metro; e
396 quilômetros em bitola mista. Em pequenos
trechos turísticos, sem expressão comercial, são
encontradas bitolas de 0,6 metros e 0,763
metros.
Durante a maior parte do Segundo Império e ao
longo da Primeira República, as ferrovias
garantiam o transporte do café para
os Portos do Rio de Janeiro e de Santos. A
partir dos anos 1970, com prejuízos crescentes,
bitolas diferentes, falta de interligação com
sistemas regionais e ausência de plano
ferroviário de amplitude nacional, a malha
ferroviária entrou em declínio, beneficiando
rodovias e frotas de caminhões movidos por
motores a gasolina ou óleo diesel.
Em 27 de setembro de 1825 inaugurou-se na
Inglaterra a primeira linha férrea, entre as
cidades de Stockton e Darlington. No Brasil, em
31 de outubro de 1835, passados apenas dez anos,
o regente Diogo Antônio Feijó assinou o Decreto
n.º 101, projetando a criação de ferrovias
destinadas a ligar o Rio de Janeiro, capital do
Império, a Ouro Preto, capital da província de
Minas Gerais, Salvador e Porto Alegre. O projeto
não foi concretizado. Morreu no papel. Em 26 de
junho de 1852, dom Pedro II procurou retomar a
iniciativa com o Decreto n.º 641, cujo destino
foi o mesmo.
A primeira ferrovia brasileira foi obra de
Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá,
“seguramente a maior figura do
Segundo Reinado, compreendida na sua essência
progressista e emancipadora”, na autorizada
opinião de Lídia Besouchet.
“A inauguração da Estrada de Ferro Mauá ocorreu
em 30 de abril de 1854, 22 meses e 18 dias após
Mauá haver obtido autorização de dom Pedro II
para sua incorporação. O trecho inaugurado ia do
Porto de Estrela, passando por Inhomirim, à
Estação do Fragoso, num total de 14 quilômetros
e 500 metros” (Mauá e seu tempo, Editora Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, 1978, página 69).
O Brasil é paupérrimo em ferrovias. Compare-se a
nossa malha com a dos Estados Unidos (293.564
km); a da China (124 mil km); a da Rússia (87
mil km); ou a do Canadá (77 mil km). A
montanhosa Itália, com área de 301.302
quilômetros quadrados, inferior à do Maranhão,
tem 16.627 km de modernas vias férreas, 70%
eletrificadas, com trens de passageiros que
trafegam à velocidade de 300 quilômetros por
hora, os mais rápidos da Europa.
A histórica negligência em relação ao transporte
ferroviário impede a existência de vias férreas
modernas, de extensão nacional, com trens de
alta velocidade. Excelente livro sobre o assunto
foi editado pela Associação Brasileira da
Indústria Ferroviária (Abifer), para comemorar
os 45 anos de existência da entidade. Em
melancólica frase, a Abifer reflete a situação
das nossas ferrovias: “A indústria ferroviária
brasileira instalada no Brasil vivencia hoje uma
dramática ociosidade de 80% na área de cargas e
de 100% na área de passageiros, com reflexos
negativos na geração de empregos qualificados
que nossa indústria proporciona e que lhe têm
sido subtraídos”. Quem desejar conhecer um pouco
mais sobre esse segmento industrial, hoje
menor do que era na década de 1960, nele
encontrará valiosa fonte de informações.
É deplorável que a ligação de Brasília com São
Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre,
Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém dependa
de empresas aéreas ou do transporte rodoviário.
É inexplicável que, no planejamento da nova
capital, inaugurada em 1960, tenha sido ignorada
a importância estratégica das estradas
ferroviárias.
O transporte rodoviário é o principal modal
logístico do País. Temos 1.721.092 km de
rodovias, 12,4% pavimentadas, por onde circulam
65% das cargas movimentadas. A prioridade dada
às rodovias não justifica, porém, o abandono das
ferrovias, que deveriam ser vistas como meio de
transporte prioritário de cargas pesadas e de
passageiros à longa distância, como ocorre nos
países desenvolvidos.
ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE
DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST)
https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/o-colapso-das-ferrovias/
(...) "A prioridade dada às rodovias não
justifica, porém, o abandono das ferrovias, que
deveriam ser vistas como meio de transporte
prioritário de cargas pesadas e de passageiros à
longa distância, como ocorre nos países
desenvolvidos." |
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