LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: CABELO EM PÉ!
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com>
Date: ter., 31 de dez. de 2024
CABELO EM PÉ!
Não sei quanto a vocês, mas não conheço o
assunto e, francamente, não sei a relação entre
nossos sentimentos e os cabelos. Mas comecei a
acreditar que, de certo modo, meus sentimentos
chegavam às sinapses cerebrais e daí algo
entrava em contato com o bulbo capilar e as
coisas aconteciam. Assim, no começo do ano,
pressentimentos, premonições, presságios
começaram a aparecer em minha mente. Como aves
agourentas. Porque eles nunca se relacionam com
esperanças, alvorecer, futuro promissor. Ao
contrário, eles lembram catástrofes, maus
acontecimentos, perdas dolorosas.
É verdade que havia um doloroso caso de
doença na família e com uma pessoa
particularmente querida, mas não me deixei tocar
por esperanças. Parecia que eu estava
submergindo em um espaço profundo no qual o ar
era reduzido. E como sofro de asma a sensação
era muito conhecida. Desânimo de sair, o que era
bem inesperado em mim. Dificuldade de sorrir ou
encontrar alento. E meus cabelos me assustavam.
Eles estavam secos como os galhos da caatinga do
meu nordeste na época do estio. Eriçados,
quebradiços. Apavorados. Como uma versão mais
velha e de saia dos do Einstein. De tal forma
que não havia pente ou escova que os domasse. Eu
simplesmente não sabia o que fazer. Mesmo
apelando para óleos e cremes.
Foi um longo período após o qual ele se
aquietou um pouco mais. Quanto à dolorosa
situação, terminou em perda da pessoa querida e
muito sofrimento. O cabelo tentava voltar para a
antiga forma, quando qualquer pente o colocava
no lugar. Ele fazia esforços, mas havia algo
estranho. Ele não retornava aos antigos lugares.
Ainda seco, se acomodava aqui e ali. Mas ainda
longe da maciez que tinha e da cordialidade em
atender as necessidades da boniteza.
Assim, muita água passou por debaixo da ponte
no ano que termina. E ainda há inquietude, uma
sensação muito viva de finitude, como o daquele
arranhar num ferro meio enferrujado, deixando a
pele marcada. Ao final do ano, uma previsão
médica de lesão no pulmão. Mas, desta vez meus
cabelos não ficaram desesperados, embora o
coração desembestasse. No fim tudo deu certo.
Creio que ao ver meus cabelos respondendo a cada
período com suas circunstâncias, talvez seja
necessário repensar do que estou tratando. É uma
mudança nos cabelos ou uma necessidade de
examinar as mudanças internas, no espírito, na
alma? No íntimo? É preciso reconhecer que não
são eles que devem mudar, mas sua dona?
Ao final, trata-se talvez de conviver com a
inevitabilidade das coisas, como dizia a
personagem de Herta Muller em seu livro “O
Compromisso”, trazendo do mercado um saco de
batatas na cabeça. Lidar com o inevitável, o
irrecorrível, o inescapável. Tal como quando
você segue para o hospital no parto e, tal o
medo dessa instituição, que se pergunta
desesperada para si mesma, se alguém pode ir lá
ter o neném por você. Ou seja, a vida é para os
fortes. Talvez eu chegue lá! Por fim, dizem que
Vinicius falava: não tenho medo da morte, eu não
gostaria de deixar a vida. Ok! Acho que os dois
medos me perseguem. Talvez eu precisasse mesmo
de um emplastro anti-medo, tal como Brás Cuba
desejava criar. Só que o dele era anti-
hipocondríaco. (12/2024/luiza) |