Vizinhança
incômoda, parceiro
indigesto
Aylê-Salassié
Filgueiras Quintão*
A Amazônia tem sido
uma das vítimas da
descontinuidade das
atividades dos
Governos brasileiros
na região Norte . É
bom ficar atento. Na
medida em que se
trata de uma área
declarada
"patrimônio da
humanidade" corre o
risco de ter sua
gestão considerada
insatisfatória para
proteção de um bioma
tido como
fundamental para o
equilíbrio climático
no Planeta. O ano de
2025 será marcado no
espaço do meio
ambiente pela
realização da 30ª
Conferência das
Nações Unidas sobre
Mudanças
Climáticas, em
novembro, em Belém,
no Pará. Pode
surpreender.
Parceira do Brasil
na região, a
Venezuela parece
não se incomodar com
o problema. Seu
presidente , Nícolas
Maduro, age no
sentido de agitar a
fronteira Norte,
empurrando
populações para a
área, reclamando
territórios
da Guiana, e até do
Brasil, e
posicionando tropas
nas divisas. Para
completar, aderiu à
"Rota da Seda" dos
chineses.
O Brasil, por
motivos pouco
explícitos,
prepara-se, ao
contrário, para
desativar um dos
programas mais
importantes na
região, conhecido
como Calha Norte,
de proteção e
segurança nas
fronteiras
brasileiras com oito
países da América do
Sul , todos
amazônicos. O
Programa é ligado
ao Comando Militar
da Amazônia. Está
sendo transferido
para o Ministério de
Integração e
Desenvolvimento
Regional (MDIR).
Os atuais
governantes
brasileiros,
civilistas,
entenderam que o
Projeto Calha Norte
, já com 40 anos de
existência, teria
melhor desempenho no
ministério do
Desenvolvimento e
Integração Regional
que, até hoje, não
disse a que veio,
embora seja
abastecido por uma
larga parcela dos
recursos do PAC -
Programa de
Aceleração do
Crescimento, e se
constitua num
desaguadouro para
emendas
parlamentares
invisíveis.
O Calha Norte , que
começou em 1986, no
Amapá e Roraima,
fronteira com as
Guianas e a
Venezuela, com
finalidades
fronteiriças
específicas, por
conveniências de
políticos regionais
foi ampliado de 1,6
mil quilômetros ,
por 150 de largura,
para quase 14 mil
quilômetros de
extensão, chegando
à tríplice fronteira
Brasil -Peru-Bolívia
, no Acre.
Pulou de 74
municípios
amazônicos
fronteiriços para
789, estendendo-se
para o sul da
Amazônia até
alcançar o Pará, o
Mato Grosso e
Tocantins. Atropelou
diversos programas,
projetos e
instituições,
inclusive
ambientais.
Atravessa rios,
maciços montanhosos,
florestas densas,
territórios
indígenas, áreas de
preservação e até
de mineração ativa.
Um verdadeiro
desatino no
planejamento da
ocupação do
território
brasileiro. Suas
funções originais de
ocupação (militar)
das fronteiras e
proteção da floresta
foram definhando
até, parece, a sua
desativação. Nessa
região acumulam-se
os maiores problemas
ambientais
brasileiros como o
desmatamento e as
queimadas, sem
explicação
adequada, os
culpados
identificados ,
rota do tráfico de
cocaína na calha do
Javari.
Concomitante,
remanescências das
Forças
Revolucionárias de
Colômbia (FARC) e
outros movimentos
insurretos
regionais transitam
por cidades
fronteiriças.
Com a ampliação
irresponsável do
Calha Norte e a sua
transferência para
MDIR, procura-se,
mais uma "sarna
para coçar". Por
experiência
própria, nas três a
quatro vezes de
passagem por ali,
observei que são os
militares que, de
fato, marcam
presença nessas
regiões isoladas de
fronteira . Ninguém
faz nada na região
sem a ajuda deles, e
são eles que dão
atendimentos
regulares à saúde
das populações
isoladas e
distribuem
suprimentos ,
inclusive às
populações
indígenas. Suas
ações sociais na
fronteira tem
vieses de sensatez
desconhecidos da
politicagem . Só
eles toleram aquele
isolamento no maciço
da Guianas ou na
imensidão da
floresta. Os demais
órgãos federais
estão quase sempre
fechados ou são
omissos com relação
aos problemas da
região que, aos
poucos, vai se
tornando abrigo de
milhares de
imigrantes,
expulsos da
Venezuela, e vindos
de outros países à
procura de paz e
emprego no Brasil.
Os esvaziamentos do
Calha Norte,
portanto, e a sua
transferência para
um ministério civil,
de visibilidade
gestora pouco
conhecida, tende a
provocar uma
desarrumação
institucional na
região,
atravessando a
governabilidade, e
podendo inviabilizar
muitos projetos ,
ambientais
inclusive, tocados
com financiamentos
externos, via Fundo
da Amazônia . Vai
desarticular a
estrutura militar
regional e
interferir na vida
de grupos indígenas,
que transitam de um
lado para o outro
das fronteiras, sem
preocupação com a
nacionalidade de
origem.
Essa mexida na
política de
fronteiras não vai
deixar o Brasil
muito à vontade.
Está na moda falar
em se apropriar do
território do outro.
Historicamente, a
margem esquerda do
Amazonas
pertenceria à
Espanha. A ocupação
do território pelos
portugueses ocorreu
por meio de avanços
da catequização , da
captura de índios
para o trabalho nas
capitanias e
fazendas e da
exploração dos
produtos naturais da
floresta (as drogas
do sertão). Os
franceses tentaram
se apropriar da
margem esquerda do
Amazonas, integrada
à Província do Grão
Pará -Maranhão ,
colonizada por eles,
os holandeses e
ingleses . A região
já teve a sua
autonomia ,
relacionando-se
diretamente com
Portugal.
Em 1750, com a
assinatura do
Tratado de Madri,
os reis de Portugal
e Espanha entraram
em acordo sobre os
novos limites entre
os territórios de
seus países na
América do Sul. A
maior parte da
desconhecida
Amazônia coube aos
portugueses. A
Espanha ficou com
os territórios
amazônicos, onde já
se começava a
falar o espanhol:
Venezuela, Colômbia,
Equador, Peru e
Bolívia. As chamadas
Guianas e Suriname
foram posteriormente
invadidas e
colonizadas por
ingleses,
holandeses e
franceses.
A região amazônica
sempre foi
frequentada
clandestinamente
por estrangeiros à
procura de riquezas
extrativas e já foi
palco de muitas
insurreições e
investimentos
perdidos Os
norte-americanos
chegaram a propor a
compra da Amazônia
para ocupá-la com
escravos libertos.
Japoneses queriam
enviar famílias
para a região.
Ford tentou
explorar a borracha
; Ludwig fabricou
celulose , a
Bethlehem Steel
esgotou as reservas
de manganês. A
região foi palco
de guerrilhas e, em
seguida, de
organizações não
governamentais até
estrangeiras.
Prestem atenção!
Limites históricos
estão sendo
revisados no mundo.
Tudo isso
desencadeou
campanhas
nacionalistas do
tipo " A Amazônia é
nossa" , inspirando
a consequente
criação de unidades
militares treinadas
no combate nas
selvas. O governo
brasileiro mapeou
tudo com radar
(projeto Radam) e
criou um programa
de monitoramento
eletrônico (SIVAM).
Mesmo assim, os
governantes de
plantão nunca
souberam dar-lhe um
tratamento adequado
. Ao longo do tempo,
foram criados e
substituídos
dezenas de órgãos
regionais,
secretarias, bancos
e até ministérios
que operavam na
região. Agora vem o
Calha Norte, que não
é um projeto
explicitamente
militar.
A Amazônia é vista
como parte da
solução para as
ameaças climáticas.
O ex-presidente
socialista francês,
François Mitterrand,
chegou a declarar em
fóruns europeus que
" A Amazônia não
pertence ao Brasil
(e vizinhos). É
Patrimônio Mundial
da Humanidade." A
Organização das
Nações Unidas para a
Ciência e Educação (Unesco)
veio para dar
legitimidade ao
insolente discurso
colonialista de
Mitterrand.
Ora, são 6,74
milhões de km²
distribuídos entre
oito países ricos em
recursos naturais.
Os interesses
regionais levaram
ao retórico Pacto
Amazônico, uma
política comum,
integrada, no qual a
Venezuela está
presente, o que é
delicado. O
bolivarianismo
venezuelano, por
exemplo, não tem
limites. Com o aval
do Brasil e da
Argentina, Chávez
conseguiu entrar no
Mercosul , e quase
destruiu o Tratado
, tentando
politizá-lo. "Por
que não te calas?!"
- foi advertido,
devido a
intromissões
discursivas
inoportunas.
Nícolas Maduro
acaba de colocar o
exército venezuelano
na fronteira com o
Brasil, invadiu o
espaço aéreo
brasileiro e
despachou para o
Brasil e a Colômbia
5,2 milhões de
venezuelanos. Estão
sendo abrigados por
municípios do Calha
Norte. E ainda diz:
"O Brasil não é
confiável..." . Não
dá para esperar
muito mais do
inescrupuloso
chavista, que teria
alterado a certidão
de nascimento. Ele
nasceu na Colômbia.
* Jornalista e
professor