DIVAGAÇÕES
Um famoso cantor
americano apareceu em um vídeo
falando sobre a rapidez com a qual
os anos passam. Quarenta anos se
estabelecem em nossas vidas, dizia,
de repente já não somos mais
adolescentes. Para quem é idoso
trata-se de uma verdade
incontestável e inconsolavelmente
presente. Preta Gil também apareceu
falando de sua luta contra o câncer
e prestes a começar, depois da
cirurgia, uma nova rodada de
quimioterapia. O tratamento continua
e sua força, explicava, vinha da
confiança na medicina e nos médicos,
no apoio dos amigos e amor da
família. E, por fim, em um programa
de entrevistas, um terapeuta dizia
que o assunto de suas entrevistas
terapêuticas era de fato a questão
dos relacionamentos.
Ao que parece, temos
duas questões relevantes na vida,
mas cuja importância varia de acordo
com cada um e suas circunstâncias: a
passagem do tempo e o que fazemos
com ele, em termos de nossas
necessidades. O terapeuta explica
que o grande fator de felicidade é
um casamento feliz. Pensando bem,
amigos e familiares são importantes,
mas quem substitui com efetividade o
grau de confiança, aconchego,
cumplicidade e entrosamento de duas
pessoas que convivem diariamente?
Juntas aprendendo a lutar, vencer ou
fracassar, com as doenças dos
filhos, educação, falta de recursos,
períodos de vida no qual tudo parece
dar errado. Ou, quem substitui a
alegria compartilhada por duas
pessoas que, juntas, aprenderam a
descobrir e aproveitar das belezas
da vida, dos momentos de extrema
intimidade diante do outro,
exatamente como ele é?
Os amigos e a família
como um todo serão menos
importantes? Não! Sem dúvida ocupam
um lugar de afeto e companheirismo
aos quais podemos recorrer quando
necessitamos. No entanto, quando o
terapeuta fala em casamento feliz
ele provavelmente se refere ao
conhecimento que cada um desenvolveu
de seu cônjuge, desvendando o que
cada um dos dois é realmente. Com a
aceitação e o carinho implícito nos
gestos do cotidiano, naquela
capacidade de adivinhar os
pensamentos do outro e de estar
atento. Na confiança que destrói
muros e defesas e facilita ver cada
um no que tem de melhor. Em um tipo
de comunicação que propicia uma
convivência diária facilitada,
proveitosa, gostosa. E ajuda nos
momentos de raiva e desentendimentos
que possam ocorrer.
Parece que tudo
aponta para uma boa comunicação.
Como se encontram as nossas? Quando
a convivência com o próximo flui
naturalmente e os desacordos são
resolvidos com naturalidade,
progredimos na arte de estar com os
outros. Quando preservamos nossa
independência e facilitamos a dos
que nos cercam. Quando silenciamos
se necessário e não invadimos a
intimidade de quem quer
resguardá-la. Quando podemos
proporcionar compreensão e aconchego
a quem precisa. E escolhemos as
melhores palavras.
Por trás de tudo, a
atenção. Sem ela, a comunicação é
tosca, não leva a nada. E quando
falamos em atenção, o Aurélio é
generoso. Do latim attentione, quer
dizer aplicação cuidadosa da mente
em alguma coisa; exame atento,
reparo, consideração, urbanidade
para com alguém. E Pare, Cuidado! O
que é importante até conhecermos
realmente com quem estamos lidando.
Enfim, dá trabalho, mas sem estarmos
atentos ao que o outro faz e diz é
quase impossível uma convivência
proveitosa para o bem-estar na vida.
Para nosso conforto, entretanto, às
vezes desenvolvemos com nossos
amigos ou amores esta aproximação
gostosa e feliz, sem nos darmos
conta das dificuldades. Às vezes,
até sem o espanto diante das
diferenças, dos incômodos e dos
estranhamentos.
Espanto citado por
Vinicius em seu “Soneto de luz e
treva”, dedicado à sua Gesse. “Ela
tem uma graça de pantera/ No andar
bem-comportado de menina. /No molejo
em que vem sempre se espera/ Que de
repente ela lhe salte em cima. / Mas
súbito renega a bela e a fera/
Prende o cabelo, vai para a cozinha/
E de um ovo estrelado na panela/Ela
com clara e gema faz o dia. / Ela é
de capricórnio, eu sou de libra/ Eu
sou o Oxalá velho, ela é Inhansã/ A
mim me enerva o ardor com que ela
vibra/ E que a motiva desde de
manhã. /– Como é que pode, digo-me
com espanto/ A luz e a treva se
quererem tanto...” (04/2025/luiza)