Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
Reynaldo Domingos Ferreira: UM CENÁRIO DIFERENTE
 

De: Reynaldo Ferreira 
<reydferreira@gmail.com>
Date: dom., 6 de abr. de 2025 
Subject: UM CENÁRIO DIFERENTE
 

 
UM CENÁRIO DIFERENTE
A Gonçalves Dias
 
Em cismar, 
sozinho, 
à noite,
mais prazer, 
encontro eu cá,
neste cenário,
diferente
onde a lua brilha,
intensamente,
ccm claridade
quase
incandescente.

 
E então, 
longe do meu 
quarto, 
no lugarejo,
eu vejo,
como se fora
um anúncio
positivo,
sobre as águas,
de um lago,
distantes 
do controle
da represa,
uma chusma
de barquinhos,
levemente
 
a se agruparem.

 
O tênue reflexo 
do luar,
 
ao nível superior
das águas 
deste lago 
encantador,
me leva,
solenemente,
a acreditar,
que, afinal,
neste lugar,
a esperança,
eu hei
de reencontrar!...

 
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
BsB, abril 2025
Bom domingo!!!...
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Reynaldo,
Você vê o lago de sua casa, ou está transitando entre barquinhos ( estrelas ), e viajando num barco hipotético por um alagado de sonhos? 
Esperança de quê? Releia Tolstoi : o que nós, como ele, buscamos é um sentido, uma explicação, para a existência, neste mundo, que parece curta, 
quando o parâmetro é o tempo
Aylé- Salassié

 

 
Prezado Aylé-Salassié Quintão,
Bom dia,

 
Nada disso, meu amigo. O lago que cito, no poema, nada tem a ver com esse triste lago de Brasília, cidade plantada no deserto, sem tradição, sem espírito 
e sem esquinas. Tem, sim, a ver com os lagos, formados, às vezes, por grandes represas, perto de lugares aprazíveis, de belas igrejinhas, com sinos tocando,  nas nossas Minas Gerais. Oh, Minas Gerais!
 
O poema, entretanto, é pura ficção, plantada, de certo ponto, mas de forma contraditória, no que aconteceu com o poeta homenageado, 
Gonçalves Dias (1823 -1864 ), que exilado por muitos anos, na Europa - como Ulisses, na "Odisseia ", de Homero -,  voltava eufórico, cheio de planos,  para 
sua terra, quando o barco, em que viajava, já próximo da costa de São Luís, no Maranhão, atingido por forte tempestade, naufragou-se, matando aquele que, 
a meu ver, é um dos maiores, senão o maior, dos poetas brasileiros. Os barquinhos, citados, no poema, têm, entretanto,  outra conotação, outro sentido, que 
é o de alegria, de solidariedade, de congraçamento, longe, portanto, da tragicidade daquele , que matou o poeta.

 

 
Então, além de citar, no início do poema, dois versos de Gonçalves Dias - " Em cismar, sozinho, à noite / mais prazer encontro eu cá "-, em termos de 
oralidade, característica de outros trabalhos meus, como " Elegia ao Chapéu " premiado, por isso , em São Paulo -, procurei acompanhar também, 
não sei se bem sucedido, pelo menos, a entonação de " Canção do Exílio", obra-prima do bardo maranhense: 
" Minha terra tem palmeiras , / onde canta o sabiá / as aves, que aqui gorjeiam / não gorjeiam como lá. / Nosso céu tem mais estrelas / Nossas várzeas 
têm mais flores / Nossos bosques têm mais vida / Nossa vida mais amores " .

 
Em termos de musicalidade, Gonçalves Dias plantou também muitos dos seus versos, no compasso binário, que se tornou, sem dúvida, da nossa 
tradição lítero-musical, sob a influência, possivelmente, no caso do Hino Nacional Brasileiro, em que é mais do que evidente, da música de 
Gioachino Rossini (1792 - 1862) . Senão vejamos:

 
"Ouviram do Ipiranga, / às margens plácidas, / de um povo heróico / o brado retumbante / E o sol da liberdade / em raios fúlgidos / brilhou no céu / na terra /, neste instante / Se o penhor / dessa igualdade / conseguimos libertar com braço forte, / em teu seio, ó Liberdade / desafia o nosso peito a própria morte."  

 
Mas, antes disso, bem antes, também  Inácio José Alvarenga Peixoto (1744 - 1792), do degredo da África, em Angola, por haver participado da 
Inconfidência Mineira, dizia e cantava assim: 
"Bárbara Bela / Do Norte estrela / que o meu destino / sabes guiar, / de ti ausente, / triste, somente, / as horas passo / a suspirar. / Isto é castigo / 
que amor me dá ".

 
O mesmo compasso binário prevalece, em grande parte, na música popular brasileira, de raiz, - não essa nojeira de música popular, que domina o cenário musical brasileiro da atualidade -,  principalmente, em Noel Rosa (1910-1937): 
“ Nosso amor / que não esqueço, / e que teve / seu começo / numa festa / de São João, / morre hoje / sem foguete / sem recado, /  sem bilhete / sem luar / 
sem violão / Perto de você / me calo / tudo penso / nada falo / tenho medo / de chorar / Nunca mais / quero o seu beijo / mas, meu último desejo / 
você não pode negar."

 
Então, amigo, foi diante de todo esse quadro de coisas, de todas essas lembranças poéticas, e musicais, e talvez de uma vontade irrefreável de mudar de paisagem, em direção ao mar, que plantei a ficção deste poema “ Um Cenário Diferente “ , que vem tendo, entre os amigos correspondentes, que ainda se 
dão ao gosto da leitura, coisa difícil de acontecer, atualmente entre nós, uma inesperada, para mim, passageira boa aceitação. Obrigado pela atenção!…
Abraço.
Reynaldo,
 
 

Jornalismo com ética e solidariedade.