Reynaldo,
Você vê o lago de sua casa, ou
está transitando entre
barquinhos ( estrelas ), e
viajando num barco hipotético
por um alagado de sonhos?
Esperança de quê? Releia Tolstoi
: o que nós, como ele, buscamos
é um sentido, uma explicação,
para a existência, neste mundo,
que parece curta,
quando o parâmetro é o tempo
Aylé- Salassié
Prezado Aylé-Salassié Quintão,
Bom dia,
Nada disso, meu amigo. O lago
que cito, no poema, nada tem a
ver com esse triste lago de
Brasília, cidade plantada no
deserto, sem tradição, sem
espírito
e sem esquinas. Tem, sim, a ver
com os lagos, formados, às
vezes, por grandes represas,
perto de lugares aprazíveis, de
belas igrejinhas, com sinos
tocando, nas nossas Minas
Gerais. Oh, Minas Gerais!
O poema, entretanto, é pura
ficção, plantada, de certo
ponto, mas de
forma contraditória, no que
aconteceu com o poeta
homenageado,
Gonçalves Dias (1823 -1864 ),
que exilado por muitos anos, na
Europa - como Ulisses, na
"Odisseia ", de Homero -,
voltava eufórico, cheio de
planos, para
sua terra, quando o barco, em
que viajava, já próximo da costa
de São Luís, no Maranhão,
atingido por forte tempestade,
naufragou-se, matando aquele
que,
a meu ver, é um dos maiores,
senão o maior, dos poetas
brasileiros. Os barquinhos,
citados, no poema, têm,
entretanto, outra conotação,
outro sentido, que
é o de alegria, de
solidariedade, de congraçamento,
longe, portanto, da tragicidade daquele
, que matou o poeta.
Então, além de citar, no início
do poema, dois versos de
Gonçalves Dias - " Em cismar,
sozinho, à noite / mais prazer
encontro eu cá "-, em termos de
oralidade, característica de
outros trabalhos meus, como "
Elegia ao Chapéu " premiado, por
isso , em São Paulo -, procurei
acompanhar também,
não sei se bem sucedido, pelo
menos, a entonação de " Canção
do Exílio", obra-prima do bardo
maranhense:
" Minha terra tem palmeiras , /
onde canta o sabiá / as aves,
que aqui gorjeiam / não gorjeiam
como lá. / Nosso céu tem mais
estrelas / Nossas várzeas
têm mais flores / Nossos bosques
têm mais vida / Nossa vida mais
amores " .
Em termos de musicalidade,
Gonçalves Dias plantou também
muitos dos seus versos, no
compasso binário, que se tornou,
sem dúvida, da nossa
tradição lítero-musical, sob a
influência, possivelmente, no
caso do Hino Nacional
Brasileiro, em que é mais do que
evidente, da música de
Gioachino Rossini (1792 - 1862)
. Senão vejamos:
"Ouviram do Ipiranga, / às
margens plácidas, / de um povo
heróico / o brado retumbante / E
o sol da liberdade / em raios
fúlgidos / brilhou no céu / na
terra /, neste instante / Se o
penhor / dessa igualdade /
conseguimos libertar com braço
forte, / em teu seio, ó
Liberdade / desafia o nosso
peito a própria morte."
Mas, antes disso, bem antes,
também Inácio José Alvarenga
Peixoto (1744 - 1792), do
degredo da África, em Angola,
por haver participado da
Inconfidência Mineira, dizia e
cantava assim:
"Bárbara Bela / Do Norte estrela
/ que o meu destino / sabes
guiar, / de ti ausente, /
triste, somente, / as horas
passo / a suspirar. / Isto é
castigo /
que amor me dá ".
O mesmo compasso binário
prevalece, em grande parte, na
música popular brasileira, de
raiz, - não essa nojeira de
música popular, que domina o
cenário musical brasileiro da
atualidade -, principalmente,
em Noel Rosa (1910-1937):
“ Nosso amor / que não esqueço,
/ e que teve / seu começo / numa
festa / de São João, / morre
hoje / sem foguete / sem recado,
/ sem bilhete / sem luar /
sem violão / Perto de você / me
calo / tudo penso / nada falo /
tenho medo / de chorar / Nunca
mais / quero o seu beijo / mas,
meu último desejo /
você não pode negar."
Então, amigo, foi diante de todo
esse quadro de coisas, de todas
essas lembranças poéticas, e
musicais, e talvez de uma
vontade irrefreável de mudar de
paisagem, em direção ao mar, que
plantei a ficção deste poema “
Um Cenário Diferente “ , que vem
tendo, entre os amigos
correspondentes, que ainda se
dão ao gosto da leitura, coisa
difícil de acontecer, atualmente
entre nós, uma inesperada, para
mim, passageira boa aceitação.
Obrigado pela atenção!…