Theresa Catharina de Góes Campos

  APRESENTAÇÃO de THERESA CATHARINA para A MULHER DE LOTE, de Reynaldo Domingos Ferreira

A MULHER DE LOTE - Reynaldo Domingos Ferreira

De: "REYNALDO FERREIRA"
Data: Fri, 05 May 2006 10:24:05 -0300
Assunto: A MULHER DE LOTE


Ei, amigos!...

A GIZ EDITORIAL E LIVRARIA LTDA, uma nova editora paulista, lançada oficialmente durante a realização da última Bienal Internacional do Livro de São Paulo, inicia esta semana o processo de editoração do meu próximo livro, "A MULHER DE LOTE", peça de teatro sobre o episódio bíblico da fuga da família de Lote da cidade de Sodoma a ser destruída, que mereceu magnífico comentário de apresentação - que segue anexo - de THERESA CATHARINA DE GÓES CAMPOS, jornalista, escritora, tradutora, poetisa, ex-professora da Faculdade de Artes Cênicas "Dulcina de Moraes", da Fundação Brasileira de Teatro. Abs, RDF

UM TEXTO VIGOROSO E ATUAL

Os personagens bíblicos, protagonistas neste texto dramático de Reynaldo Domingos Ferreira, ainda que vivendo na realidade de seu contexto no Antigo Testamento, têm personalidades que podemos reconhecer como atuais, cujas vozes ecoam, firmes e perenes, registrando características pessoais e reflexos de sua posição no grupo familiar e na comunidade social.
Os diálogos, assim como os pensamentos que disfarçam, no silêncio por trás de palavras e atitudes, demonstram como decidiram agir... nas circunstâncias de exceção. A ambição dos futuros genros ignora o perigo iminente, é surda aos desígnios exigentes da divindade única. As filhas e a mulher de Lote não escondem, sem dissimulação partilham o seu apego ao lar e à cidade onde moram, resistindo à insistência do patriarca temente a Deus, rejeitando todos os argumentos para fugirem do desastre anunciado.
Situações e personagens de ontem que ainda se afirmam como hodiernos. Com ação, suspense e o que para mim se afigura como fundamental, uma bela mensagem moral. Manifesta-se nas palavras, reveladoras de emoções e sentimentos. E nos cenários também. Com a presença de Deus quase audível e visível... porque a Sua vontade é lembrada, com o propósito de ser cumprida, obedecida, numa demonstração de relacionamento com fé indiscutível. A crença no amor e na sabedoria divinos a determinar, ainda que no contexto do livre arbítrio, as melhores decisões para os Seus filhos na terra.
Para Lote, chefe de família, o foco está no mais urgente... mais importante: escapar da morte iminente. A sua generosidade, expressa no processo objetivo de negociação, passo a passo renovado, que manteve com o Senhor disposto, logo de início, em Sua ira divina, a castigar os pecadores não-arrependidos, inconscientes de sua mortalidade, nem dispostos a buscar o perdão redentor e salvífico.
A linguagem de Reynaldo Domingos Ferreira, repito, é muito vigorosa em “A Mulher de Lote”, de novo exercitando seu talento de dramaturgo, já merecedor de críticas elogiosas desde a peça inesquecível de pesquisa histórica – “Dona Bárbara” – sobre as mulheres injustamente esquecidas em muitos relatos sobre o tempo de Inconfidência Mineira.
Aqui, neste episódio bíblico sobre os antecedentes da punição divina aos pecadores de Sodoma e Gomorra, a crueza característica do realismo naturalista explicita-se nas falas, até nos detalhes de cenários, figurinos e na trilha sonora escolhida pelo autor – um caminho pioneiramente aberto no texto oferecido ao público leitor, aos críticos e possíveis diretores, um percurso visualizado sem dificuldades na leitura, quase pronto a ser realizado no palco.
Entretanto, o enredo se destaca, quase dispensa a forma... Homem de fé, Lote não hesita em seguir a palavra salvadora, preservadora da vida. Temente a Deus, respeita e pratica o dever da hospitalidade aos estrangeiros. Determinado a lhes dar abrigo e proteção, Lote enfrenta corajosamente os homens ameaçadores, preconceituosos e sem pejo dos vícios que os mantêm dominados, capazes de gritarem palavras abjetas, intimidações que expressam a mancha de seus pecados.
O virtuoso Lote, por saber que os estrangeiros, seus hóspedes, são Anjos, emissários do Senhor, que vive onipotente, onisciente e onipresente, acima de todos os poderosos, insiste em defendê-los a todo custo. Oferece os recursos de que dispõe em defesa da vida e da dignidade deles, cuja identidade só era por ele conhecida, ao lhes conceder o privilégio da hospitalidade.
Princípios significam deveres, obrigações. Tomar e assumir decisões coerentes. Sem desculpas, nem falsas justificativas para omissão ou negligência. O dever consciente que enfrenta a violência dos que, em sua fraqueza moral, apenas obedecem a seus vícios.
Ressalto que eu li “A Mulher de Lote”, sem conseguir parar, até chegar à última palavra. O texto é, repito, sem hesitação, de conteúdo atual, vigoroso, com autêntica linguagem bíblica, como se estivéssemos nas páginas dos livros proféticos do Antigo Testamento: muitas histórias da Bíblia Sagrada têm o mesmo estilo de narrativa que Reynaldo Domingos Ferreira escolheu para recontar com fidelidade os ensinamentos da cultura judaico-cristã – com força e realismo, a se desnudarem numa crueza naturalista que se impõe.
Maravilhoso é sentir que a leitura desta peça, ao invés de nos deixar petrificados, como a esposa inconseqüente que ignorou a advertência de não olhar para trás, nos envolve com a presença dos Anjos que se hospedaram na casa do patriarca...
Com a fé de Lote na palavra do Senhor Deus, ganhamos coragem para acreditar no futuro para o qual caminhamos, apressados porque o tempo já se esgotou, mas dispostos a recomeçar, fortalecidos na esperança de uma existência fundamentada em Suas promessas.

THERESA CATHARINA DE GÓES CAMPOS, jornalista, escritora, tradutora, poetisa, ex-professora da Faculdade de Artes Cênicas “Dulcina de Moraes”, da Fundação Brasileira de Teatro.
 

 

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