Theresa Catharina de Góes Campos

  Tudo por dinheiro

UM TRIO DE INTÉRPRETES QUE VALE O FILME

Al Pacino, que mobiliza multidões para ver sua extraordinária personificação de Shylock, em “O Mercador de Veneza”, de Michael Radford – há muitos meses em cartaz em Brasília – é também o principal motivo para não se deixar de ver “Tudo por Dinheiro”, de D.J.Caruso, em que ele contracena com René Russo – que integra a relação de produtores do filme - , e Matthew McConaughey.

Pode-se dizer que o trio de intérpretes é que sustenta “Tudo por Dinheiro”, que narra a história de um ex-jogador universitário de futebol americano, Brandon Lang ( Matthew McConaughey), residente em Las Vegas. Necessitando de dinheiro para ajudar a mãe e um irmão menor, ele monta consultoria de apostas, cujos prognósticos são feitos com base em seus conhecimentos técnicos dos times que disputam o campeonato da categoria, sem deixar, porém, de sonhar em se tornar jogador profissional.

Como são os EUA um país de oportunidades e de empreendedorismo, não é difícil de acreditar que, como mostra o roteiro de Dan Gilroy, baseado em fatos reais, apareça em Nova Iorque um tal de Walter Abrams (Al Pacino) que se interesse em investir no negócio do jovem esportista, chamando-o para trabalhar em Manhattan. Fosse a ação situada em qualquer outro país, que não os EUA, o filme pareceria inverossímil, como se fora uma versão masculina de um conto de fada qualquer.

Mas o argumento se aproxima é da história de Pigmalião, pois, Abrams converte seu protegido numa outra criatura, vestindo-o como um bem sucedido agenciador de investimentos, dando-lhe apartamento mobiliado, carro de luxo e outro nome: John Anthony. Assim, como na história dramatizada por Bernard Shaw, o criador passa a ter aos poucos total domínio sobre a criatura e cobra-lhe crescimento e sucesso.

Enquanto a criatura, estribada em seus conhecimentos técnicos, apresenta bons resultados, o criador a promove a ponto de John Anthony passar a ser considerado como um filho, membro da família de Abrams, que tem mulher, Toni Morrow (René russo), inteligente, bonita e bem sucedida em seu negócio, um salão de beleza e, uma filha, ainda criança.

Abrams tem, entretanto, seus problemas, pois, além de ser cardíaco, sofre do complexo de inferioridade, necessitando por isso de fazer constantemente chantagem do tipo emocional para atrair a atenção dos que o cercam: Toni, a mulher, que lhe é extremamente dedicada e o “filho”, John Anthony, que o obedece como um cordeirinho.

Até quando desenvolve, para o espectador, o caráter, a personalidade de cada um dos três personagens principais do filme, o roteiro é interessante e bem estruturado. Mas depois que Morgan assume a personalidade de John Anthony e começa a fazer seus prognósticos de forma pouco profissional, ao léu da sorte, por meio de consultas a funcionários da consultoria ou do jogo da cara ou coroa, não só as coisas começam a degringolar para Abrams, como também para o roteiro, que fica sem rumo a seguir. A direção claudica, perde o ritmo do filme, que só se sustenta pela atuação dos atores, liderados pelo excelente Al Pacino.

É possível, acredito eu, que Shakespeare, nas distâncias, onde se encontra, se tomou conhecimento, pela Internet, dessa versão cinematográfica de sua comédia “O Mercador de Veneza”, em exibição na cidade, deve ter dito para si mesmo: “Eu criei Shylock para Al Pacino representá-lo!...” Pois de fato, um ator da dimensão de Al Pacino “transcende ao acaso e ao absurdo da nossa vida cotidiana”, como diria Albert Camus, se o conhecesse.

Como Walter Abrams, Al Pacino está também soberbo. É realmente muito bom ver a arte de representar – a mais antiga do mundo – tão bem defendida por um ator consciente de sua potencialidade. O momento, por exemplo, em que Abrams simula um ataque cardíaco em pleno aeroporto de Nova Iorque para fazer chantagem emocional contra John Anthony e obrigá-lo a confessar que o ama vale seguramente pelo filme inteiro. Se fosse no teatro, seria caso para acalorado aplauso em cena aberta.

Mas o bom também é que René Russo está esplêndida, no papel de Toni, que lhe chegou como verdadeiro presente. Mesmo na desnecessária seqüência da corrida de carro pelas ruas de Nova Iorque – com erros de continuidade - que John Anthony a obriga fazer, ela não deixa perder o brilho de sua atuação. Com um simples olhar, é capaz de expressar muito mais do que as poucas palavras que pronuncia.

A outra boa atuação é de Matthew McConaughey, ator que se iniciou no cinema como mero símbolo sexual, mas que depois de haver sido dirigido por diretores, como Steve Spielberg e Joel Schumacker, entre outros, é capaz de apresentar um trabalho digno de ser confrontado com os de Al Pacino e René Russo. É digno de nota, por exemplo, como McConaughey faz o personagem amadurecer de forma gradativa a rebeldia interior da criatura contra o seu criador, deixando transparecer, com maestria, que entre um e outro havia demasiadas diferenças para que pudessem continuar juntos. E ele sai de cena.


REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

Roteiro, Revista
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FICHA TÉCNICA
TUDO POR DINHEIRO
TWO FOR THE MONEY
EUA/2005
Duração – 122 min.
Produção – Jay Cohen, James M. Freitag, Dan Gilroy, René Russo e Wayne Morris.
Direção – D. J. Caruso
Roteiro – Dan Gilroy
Fotografia – Conrad W. Hall
Música original – Christophe Beck
Edição – Glen Scantlebury

Elenco – Al Pacino ( Walter Abrams), René Russo (Toni Morrow), Matthew McConaughey (Brandon Lang / John Anthony), Armand Assante (Novian), Jeremy Piven (Jerry), Jaime King (Alexandria), Kevin Capman (Southie)
 
 

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