Reflexões
rebeldes sobre a
natação
Theresa
Catharina de
Góes Campos
é jornalista,
escritora e
professora
universitária. É
editora do
Notícias
Culturais (www.noticiasculturais.com)
e o Arte Cultura
News (www.arteculturanews.com).
Nesta crônica de
reflexões
rebeldes (e
líricas) sobre a
natação, inicio
com um
questionamento
que se torna
fundamental para
mim.
Como eu gosto de
nadar?
Tranqüilamente...
Lanço-me de
peito na
água-espelho,com
o rosto
mergulhado e os
braços como asas
impulsionadas,
ritmadas.
Como eu gosto de
nadar, é bem
devagar,
lentamente,
tranqüilamente
reconquistando o
silêncio
que chega bem
devagar,
harmoniosamente,
em sintonia com
a água que
recebe meu corpo
por inteiro.
Recebe, mas não
retém, nem
aprisiona.
Abraça-me,
beija-me...
Sustenta e
acolhe e logo me
liberta
docemente, com
suavidade,
tranqüilamente.
Quando eu nado
sem parar,
tranqüila e
calmamente, é
como se, dentro
de mim, eu
alçasse vôo!
E nadar deixa de
ser exercício,
porque braços e
pernas
magicamente,
lentamente,
transformam-se
em asas,
emprestadas
pelos anjos,
permitindo a
contemplação
individual,
escondida, de
paisagens
íntimas,
interiores.
São asas e
olhos, impulsos
e batidas do
coração e da
alma pulsando
juntos!
Como eu gosto de
nadar? Vou
repetir:lentamente,
para ver melhor
as paisagens
interiores de
minha alma e me
reconciliar com
o mundo. Para me
perdoar e
perdoar ao
próximo.
Porque só
nadando
lentamente,
suavemente,
harmoniosamente,
com o sorriso
que ninguém vê,
enxergo a
harmonia íntima
de meu corpo, no
seu potencial de
comunicação.
Porque só então
eu me aceito
(ainda que
temporariamente)
como sou ... nas
imperfeições e
limitações que
devo corrigir.
Recebendo em
troca dessa
minha aceitação
que é ponto de
partida, poder
enxergar na
água, que acolhe
o meu corpo, sem
me prender, as
asas dos anjos e
das borboletas
que recebi
emprestadas.
Enxergo também o
rosto invisível
de Deus, na
beleza
indescritível da
água, fonte e
caminho,
embarcação e
porto, oásis e
viagem, berço e
canção de ninar,
espelho e
reflexo de luz.
Como eu gosto de
nadar?
Lentamente,
suavemente.
Porque a
velocidade
confunde a minha
mente,
desconecta-me do
corpo, arranca
de mim as asas
que os anjos me
emprestaram!
Faz-me cair das
mãos de Deus,
embora eu saiba:
continuo sob o
Seu olhar.
A velocidade me
torna ansiosa e
sobressaltada,
prisioneira de
objetivos que
não são meus, de
pensamentos que
rejeito.
Fico buscando,
como louca, sem
foco nem rumo,
onde está meu
coração!
Como nadar bem,
se meu coração
saiu pela boca?
Como gostar de
nadar, se não
encontro minha
respiração?
Onde estão as
asas a mim
emprestadas
pelos anjos?
Bem, se não
foram os anjos,
foram as
borboletas...
Onde estão,
pergunto,
ansiosa, essas
asas
emprestadas?
Subitamente
rebelde,
intimamente não
aceito essa
dicotomia entre
o corpo e minha
alma.
Nadar assim, não
posso! Nem
gosto!
Sim, é verdade
que eu devo e
posso
aprender...
exercitando uma
análise mental,
até mesmo em
contexto de
dicotomia...
desde que seja
temporária...
como se fosse a
busca da utopia
a permitir meu
crescimento como
pessoa, mesmo
rebelde, pesada
e limitada.
Envolvida,
embalada pela
água, posso me
acalmar, para
fragmentar e
decupar os
movimentos da
natação.
O melhor pode
vir depois,
realizando a
montagem final
dos movimentos.
Perceber que a
água é comunhão
e livre
arbítrio, e
comunicação do
corpo com a água
que recebe,
acolhe, sem
reter, nem
prender.
Ao invés de
aprisionar, a
água liberta,
emprestando as
asas de anjos e
borboletas.
Lá vou eu,
consciente,
singrando,
vencendo as
águas, sem ser
navio nem barco,
praticando
silenciosamente
a maiêutica das
perguntas
fundamentais.
Perguntando para
aprender,
avançar e
crescer, chego
ao porto da
hermenêutica,
ainda que
resmungando
íntima e
silenciosamente,
fotogramas de
rebeldia.
Afinal, para que
serve essa
velocidade toda
nos exercícios
de natação? Eu
nem vou competir
!
Nem sou
atleta...
Porque meu
exercício do
coração é a
leitura, é
escrever com
inspiração
semelhante aos "travellings"
cinematográficos
e às lentes
anamórficas da
alma.
Mesmo assim,
aprisionada em
rebeldia pouco
inteligente,
procuro
raciocinar
tranqüilamente,
lentamente -
devo reconhecer
o
indiscutível...
Toda essa
velocidade, que
eu preciso
praticar, é para
fugir do excesso
de peso, escapar
das doenças,
ficar bem
distante, bem
longe dos
hospitais.
E fugir também,
(quem sabe, no
futuro, nas
possíveis
aventuras), de
tubarões
velozes,
famintos e das
baleias
assassinas.
Em paz com a
verdade -
irrefutável
porque racional
- volto ao
lirismo da
natação.
Inegável ser a
água
libertadora. Não
aprisiona,
acolhe, sustenta
e liberta!
Empresta-nos os
movimentos mais
belos que
expressam, na
lentidão e na
velocidade, as
asas invisíveis
de anjos e
borboletas. |