Theresa Catharina de Góes Campos

 

A ÚLTIMA NOITE

Embora “A Ultima Noite”, de Robert Altman, seja uma comédia, pontilhada por música country, o filme deixa transparecer - além da constante preocupação com a morte - um clima de despedida de seu realizador, de 81 anos de idade, um dos mais expressivos nomes do cinema americano da atualidade, homenageado na solenidade deste ano da entrega do Oscar pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

É o próprio Altman quem diz, a respeito desse seu trabalho - que não se enquadra entre seus grandes filmes - que nele “todos morrem, mas eles cantam... e estão felizes!”. Também um de seus personagens diz que a morte de um velho não é uma tragédia. E uma das últimas canções, cantada por todo o elenco,  assegura que há uma terra mais alegre do que o dia, onde o Senhor aguarda por todos nós.

Para  esse filme testamento, Altman - que trabalhou todo o tempo, tendo ao  lado um substituto para qualquer eventualidade – faz uma crônica nostálgica dos tempos de prestígio dos programas radiofônicos de auditórios, como aqueles da Rádio Nacional do Rio de Janeiro em que brilhavam Marlene e Emilinha Borba sob o comando de César de Alencar.

No caso, entretanto, é o programa Prairie Home Companion, de Garrison Keillor – autor do roteiro, com Ken Lasebnik, e também um dos intérpretes – transmitido pela Rádio WLT, de Saint Paul, Minnesota, diretamente do Teatro Fitzgerald, filho ilustre da cidade. Embora o programa seja estruturado no estilo antigo – com jingles publicitários inventados, números musicais, piadas e dois caubóis repentistas – Garrison o mantém no ar desde 1974, transmitido aos sábados à noite, resistindo, portanto, aos dias da televisão.

Para efeito dramático, entretanto, o programa está para acabar, pois, segundo se diz nos bastidores, um consórcio de empresas do Texas teria comprado a emissora e pretenderia inclusive demolir o teatro para, no terreno, construir uma garagem. Antes que se inicie aquele que pode ser o último espetáculo, os fãs, na noite chuvosa, fazem fila para entrar no teatro. Nos camarins, os artistas, enquanto falam de suas vidas, de seus problemas, de suas aposentadorias, também se preparam para entrar no palco.

É quando o filme assume o tom de fábula com o surgimento, em ambíguas circunstâncias, de uma mulher (Virginia Madson) vestida de capa impermeável branca, que se intromete no meio dos artistas sem que, entretanto, alguns deles percebam sua presença. Para Garrison, ela diz que teria morrido algum tempo atrás, num acidente de carro, pois, deixara-se envolver em demasia, enquanto dirigia, por uma piada que ele contava em Prarie Home Companion.

Se a ação real remete o espectador aos tempos idos de prestígio dos programas radiofônicos de auditório, o plano do início, que se repete no final, enquadra o filme nos tempos atuais, quando chega o representante do consórcio comprador da Rádio WLT, Axeman (Tommy Lee Jones) para fechar as portas do teatro, o qual considera os artistas do Prarie Home Companion como um bando de animais exóticos enjaulados.

Altman faz com que a câmara de Edward Lachman – também autor da trilha sonora -  circule com desenvoltura por todo o espaço do teatro, reprisando, portanto, em alguns aspectos, a linguagem que usara com “ O Assassinato em Gosford Park”, um de seus mais belos filmes. E Lachman consegue uma textura para suas imagens, com predominância de cores vivas e sombras de magnífico efeito. Destaque deve ser dado principalmente para a primeira aparição da mulher de capa impermeável branca, descendo uma escada, na noite chuvosa, de tom azulado.

O elenco está repleto de grandes nomes, como o de Meryl Streep, que, como sempre,  mostra-se  magnífica no papel de Yolanda, uma das irmãs Johnson – a outra é Lily Tomlin – que cantam músicas caipiras, sempre dedicadas à mãe, já morta. Woody Harrelson (Lefty) e  John C. Reilly (Dusty) -  ambos em boa atuação - são dois cômicos caubóis repentistas que, nos bastidores, nunca se entendem. Kevin Kline não convence como Guy Noir, detetive desempregado, que pleiteia a vaga de porteiro do teatro e se encarrega da narração da história. Lindsay Lohan – também pouco inspirada -  é Lola Johnson, filha depressiva de Meryl Streep, com tendência suicida e Garrison Keillor faz o papel dele próprio.

Embora “A Última Noite” não esteja evidentemente entre os grandes trabalhos de Robert Altman  – que se ressente da superficialidade dos vários núcleos dramáticos e, por outro lado, claudica bastante no ritmo – recomenda-se o filme aos admiradores de sua obra, já que pode ser essa a última de sua  brilhante carreira cinematográfica, durante a qual nos presenteou com, entre outros, “Mash”, “Nashville”, “Cenas da Vida”, “O Jogador” e “O Assassinato em Gosford Park”

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Revista
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FICHA TÉCNICA
A ÚLTIMA NOITE
PRAIRIE HOME COMPANION
EUA/2006
Duração – 105 minutos
Direção – Robert Altman

Roteiro – Garrison Keillor e Ken Lazebnik

Fotografia – Edward Lachman

Trilha sonora – Edward Lachman

Produção – Robert Altman, Wren Arthur, David Levy

Elenco – Meryl Streep ( Yolanda Johnson), Tommy Lee Jones (Axeman), Woody Herrelson (Lefty) John C. Reilly (Dusty), Kevin Kline (Guy Noir), Garrison Keillor (ele próprio), Lindsay Lohan (Lola Johnson), Virgina Madson (Mulher perigosa), Liuly Tomlin ( Ronda Johnson)

 

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