Theresa Catharina de Góes Campos

 

CRÔNICA DE UMA FUGA

Além de suas evidentes qualidades artísticas, “Crônica de uma Fuga”, do cineasta uruguaio, Adrián Caetano, se diferencia dos demais filmes do gênero, - que têm por pano de fundo as ditaduras militares latino-americanas -  pelo fato de ser o primeiro a mostrar a delação de militantes de esquerda, na Argentina, contra pessoas inocentes, para que seus companheiros de luta armada ganhassem tempo para escapar, fugir do país.

Nos dizeres de seu realizador, isso funciona como metáfora das sociedades latino-americanas em que a única forma de um indivíduo se salvar é a de praticar a delação de um ente mais próximo. Sob esse aspecto, o filme é atemporal. Mesmo porque, nos dias de hoje, pessoas estão sendo seqüestradas, torturadas, tendo seus direitos violados em todo o Continente Americano. Nada muito diferente dos tempos das ditaduras militares. Alguns casos - como os de Guantânamo e da Colômbia -  são, ao que se supõe, até piores.

O filme de Caetano –  selecionado pelo Festival de Cannes e que  recebeu 9 indicações ao Prêmio Sur/2006 a ser outorgado a 12 de dezembro próximo pela Academia de Artes Cinematográficas da Argentina – é baseado no livro de Cláudio Tamburrini, o qual narra os dias que passou detido, em 1977, num velho casarão, de propriedade da Força Aérea, na periferia de Buenos Aires, chamada de Mansão Seré (ou Atila), até a planejada fuga com os companheiros.

Nessa ocasião, Cláudio (Rodrigo de La Serna), de 23 anos, era goleiro de um time de futebol da segunda divisão, nada tendo a ver com movimentos políticos clandestinos contrários ao regime. Apesar disso, sua casa foi invadida, a mãe e a irmã espancadas e torturadas, e ele seqüestrado, conduzido à tal Mansão Seré, onde teve de se submeter a todo tipo de interrogatório e tortura, como os demais detidos que lá se encontravam, inocentes, também denunciados por um tal de Tano (Martin Urruty), do grupo guerrilheiro Montoneros.

O roteiro elaborado por Adrián Caetano - em colaboração com Esteban Student e Julian Loyola – é eficiente sem ser rebuscado, obedecendo à mesma estrutura narrativa do livro sob a forma de diário, mas peca por não dar noção precisa ao espectador de como ficaram a mãe e a irmã de Cláudio, após os espancamentos que sofreram dos agentes secretos da ditadura militar, nem esclarecer qual foi o verdadeiro destino do delator Tano.

A linguagem cinematográfica de Caetano  é simples, direta, embora não apenas documental, mas com os artifícios de filme de ficção para buscar o suspense. Para isso, a fotografia de Julian Apzztéguia é sombria, captada por câmara fixa, intimista, com iluminação rente, bem distribuída e uso de lente grande angular para determinar o espaço vazio e criar impressão no espectador de claustrofobia. Também contribui, nesse sentido, o excelente comentário musical de Ivan Wiszogrod.

Por sinal, o espectador deve ser advertido de que o filme, de forma intencional, causa desconforto em alguns momentos ante a sucessão de tortura aplicada aos prisioneiros, cujos corpos, desnudos, débeis, exangues, são captados pela câmara num rigoroso trabalho, não só do fotógrafo, mas também dos atores que tiveram certamente de se submeter a regime alimentar para emagrecer, ficar com a pele em cima dos ossos,  bem como a rigoroso preparo de expressão corporal.

O elenco é homogêneo, destacando-se o trabalho do ator Rodrigo de La Serna, que era o melhor também no filme de Walter Salles, “Diários de Motocicletas”. Rodrigo tem atuação estudada, discreta, não tão espontânea como a anterior, mas seguindo fielmente a linha imposta pela direção. Também o trabalho de Pablo Echarri, como Huguito, um dos agentes secretos da ditadura, merece destaque. Em suma, “Crônica de uma Fuga”, de Adrián Caetano, é filme sério, honesto, um documento importante a ser preservado sobre um momento histórico da vida na Argentina.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Revista
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FICHA TÉCNICA
CRÔNICA DE UMA FUGA
CRONICA DE UNA FUGA

Argentina/2006

Duração – 103 minutos

Diração – Adrián Caetano

Roteiro – Adriàn Caetano, Esteban Student e Julian Loyola, com base no livro de Cláudio Tamburrini

Produção – Oscar Kramer e Hugo Sigman

Musica original -  Ivan Wiszogrod

Fotografia -  Julian Apzztéguia

Edição – Alberto Ponce

Elenco – Rodrigo de La Serna (Cláudio), Pablo Echarri (Huguito), Nazareno Casero (Guillermo Fernandez), Diego Alonso (Lucas), Guillermo Fernandez (juez), Rito Fernandez (Rito), Luis Henirque Caetano (taxista), Martin Urruty (Tano), Matias Marmorato (Vasco) e Lautaro Delgado (Galego).

 

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