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FILHOS DA ESPERANÇA
Em “Filhos da Esperança”, o mexicano Alfonso
Cuarón projeta, num tom de thriller futurista, a
Inglaterra, no ano de 2027, mergulhada numa
ditadura nazista, sendo aos poucos despovoada
pela infertilidade das mulheres e por
devastadoras lutas de forças nacionalistas, tais
como aquelas dos tempos de Hitler, contrárias à
permanência de imigrantes em seu território.
O argumento do filme, extraído do livro “The
Children Men”, de P.D. James, de tão fragmentado
que é, parece não resistir a muitas indagações
sobre as causas de tanto infortúnio, de tamanha
desgraça – que, no caso da infertilidade das
mulheres, não é só da Inglaterra, mas mundial -
porque a obra literária, a meu ver, foi muito
violentada para chegar ao cinema.
Não é à toa que o roteiro foi reescrito seis
vezes a muitas mãos - além das de Cuarón -
para deixá-lo, a meu ver, de acordo com os
objetivos dos patrocinadores do filme,
investidores ingleses, canadenses e americanos.
Assim, os antecedentes que teriam dado origem à
ditadura britânica, tais como estão no livro – a
destituição do primeiro-ministro, em 2006, e a
divisão da Igreja da Inglaterra sob a liderança
de uma mulher – sequer são mencionados no filme.
Por sua vez, as causas da infertilidade das
mulheres, como sugere a escritora para criar a
situação apocalíptica do seu romance –
contraditório em tudo ao que se conhece sobre
evolução populacional no mundo e às
perspectivas da ONU para o ano de 2050 (11
bilhões de habitantes) - estariam relacionadas,
por paradoxal que possa parecer, com o
desinteresse dos jovens, afetados por drogas,
pelo relacionamento sexual.
Tanto o romance como o filme se iniciam em 1995,
quando, em Buenos Aires, é assassinado o mais
jovem cidadão no mundo, Diego, de 18 anos,
nascido em Mendoza. Mas o filme deixa de lado os
acontecimentos políticos na Inglaterra e avança
para 2027, quando Theodore Faron (Clive Owen),
um intelectual, ex-arrivista político, que se
tornara burocrata, premido pelas circunstâncias,
deixa de lado seus fantasmas, para colocar a
salvo Kee (Claire-Hope Ashitey) primeira mulher
grávida em 20 anos e, assim defender, a última
esperança de preservar a espécie humana.
É nessa luta então que Théo, como é tratado
pelos íntimos, reencontra a ex-mulher, Julian
Taylor (Juliane Moore), uma guerrilheira urbana
e o excêntrico amigo Jasper Palmer (Michael
Caine), remanescente da geração hippie,
que vive com a mulher, isolado num bosque,
ouvindo John Lennon, fumando e traficando
maconha para agentes poderosos das forças do
governo. A Ação do filme, portanto, se concentra
na inquirição para se saber como agiriam homens
e mulheres diante da realidade de que não
restará ninguém no mundo para herdar tudo o que
nele foi produzido, como, por exemplo, o
“David”, de Michelangelo e “Guernica”, de Pablo
Picasso.
Apesar de tudo isso, Alfonso Cuarón, um dos mais
expressivos nomes da cinematografia do México –
diretor de “E sua mãe também”, “Grandes
Esperanças” e “Harry Poter e o Prisioneiro de
Azkaban” e produtor de “O Labirinto do Fauno” e
“O Assassinato de Richard Nixon” – consegue a
proeza de realizar trabalho fascinante de
mise en scène, de grande força dramática,
que lembra o de “Nascido para Matar”, de Stanley
Kubrick. Para conseguir isso, entretanto, é
evidente que ele contou com preciosa ajuda do
fotógrafo Emmanuel Lubezki e do excelente
comentário musical de John Tavener, criador da
canção “Fragmentos de uma Oração”, que acentua
ainda mais o tom trágico do filme.
O trabalho de Cuarón é também enriquecido pela
atuação mais uma vez exemplar de Clive Owen ,
que personifica - quase sem precisar de
diálogos, como é do seu estilo, mostrado em
“Plano Perfeito”, de Spike Lee - o burocrata
cínico, pusilânime, levado pelos acontecimentos,
inseguro de que possa cumprir sua missão. É
competentíssima, por exemplo, sua atuação na
cena em que, escondido, tomando uísque, ele ouve
Palmer falar de sua vida familiar passada,
especialmente da dor que sofrera ao perder a
filha num acidente provocado pela mãe, Julian.
Além de Owen, Juliane Moore, como sempre, está
bem em sua breve aparição, quando pede ao
ex-marido que coloque Kee a salvo, embora esteja
claro que não há sintonia entre os dois atores,
talvez por questão de estilo de interpretação.
Há de se destacar ainda os bons trabalhos de
Michael Caine, como Palmer, Claire-Hope Ashitey,
como Kee, Chiwetel Ejisfor, como Luke,
companheiro de luta de Julian e Peter Mullan,
como Syd, o militar atendido por Palmer. Enfim,
“Filhos da Esperança”, apesar do argumento
contraditório e dos defeitos do roteiro, é um
belo trabalho de direção de Alfonso Cuarón, que
merece ser visto.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Revista
www.arteculturanews.com
www.noticiasculturais.com
www.theresacatharinacampos.com
FICHA TÉCNICA
FILHOS DA ESPERANÇA
CHILDREN OF
MEN
Reino Unido/Canadá/EUA, 2006
Duração – 114 min.
Direção – Alfonso Cuarón
Roteiro – Alfonso Cuarón, Timothy
J. Sexton, David Arata, Mark Fergus, Hank Ostby,
baseado na novela de P.D. James
Produção – Marc Abraham, Armyan
Bernstein e Eric Newman
Música Original – John Tavener
Fotografia – Emmanuel Lubezki
Edição – Alfonso Cuarón e Alex
Rodriguez
Elenco – Clive Owen (Theodore
Faron), Juliane Moore (Julian Taylor) Michael
Caine (Jasper Palmer), Claire-Hope Ashitey (Kee),
Peter Mullan (Syd), Chiwetel Ejisfor (Luke),
Oana Pellea (Marichka), Charlie Hunnam (Patric) |
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