À
PROCURA DA FELICIDADE
"À Procura da Felicidade", de
Gabriele Muccino, embora tenha como
trunfo a boa interpretação de Will
Smith, no papel de Chris Gardner,
nome de um corretor de valores que
alcançou o topo da carreira, nos
EUA, depois de passar por muitas
vicissitudes, é filme cheio de
equívocos sob o ponto de vista de
realização cinematográfica.
Tem-se a impressão de que o roteiro,
de Steve Conrad, apesar de baseado
em fatos reais, foi elaborado sob
encomenda de Smith – também produtor
do filme – para dar a ele
oportunidade de trabalhar com o
filho, de cinco anos, Jaden Smith,
no papel de Christopher, em alguma
coisa que lembrasse "Ladrões de
Bicicleta", de Vittorio De Sica, de
1948.
Para substituir a bicicleta, do
filme de De Sica, que a mulher do
desempregado lhe compra para colar
cartazes ao longo das avenidas de
Roma, o roteirista Conrad idealizou
um ridículo equipamento – Bone
Density Scanner - para ser usado em
hospitais a fim de que os médicos
façam por meio dele avaliação sobre
a formação óssea das pessoas.
Se a bicicleta do filme de De Sica
era roubada do desempregado, que não
podendo trabalhar, partia à procura
do ladrão, também Chris Gardner,
vendedor do tal Scanner, que lhe
roubam uma hippie e um louco, parte
numa correria desenfreada pelas ruas
de São Francisco, na Califórnia, à
procura dos ladrões, mostrando, ao
mesmo tempo, haver sofrido ainda
outra influência cinematográfica
mais recente, a de "Corra, Lola,
Corra", do alemão Tom Tykwer.
As desventuras de Gardner, na
verdade, começaram nos anos oitenta
sob o governo de Ronald Reagan,
quando o déficit público dos EUA
atingiu a cifras inimagináveis e a
economia entrou numa recessão
violenta com a elevação dos juros,
que quebrou vários países do
Continente, a começar do México e
depois o sempre desprevenido Brasil.
Na época, entretanto, Gardner vivia
tempos bons, pois, casara-se com
Linda ( Thandie Newton), com quem
morava num bom apartamento. O casal
investiu seus recursos na compra de
um poderoso estoque do tal
equipamento scanner, tido na ocasião
como extraordinário avanço
tecnológico de ampla aceitação pela
classe médica americana.
Cinco anos depois, quando o filme
começa, o casal ainda tem mais da
metade do estoque do equipamento
para vender, um filho na creche e
sérias dificuldades para dar conta
dos compromissos domésticos. Tendo
de cumprir horas extras no trabalho,
Linda se exaspera e deixa marido e
filho para tentar a sorte em Nova
Iorque, onde o namorado da irmã
comprara restaurante e lhe prometera
emprego.
No desespero, sem ter onde morar,
Gardner, enquanto deixa o filho na
creche, continua correndo pelas ruas
da cidade, como a Lola, do filme
alemão, ora à procura dos ladrões do
scanner, seu ganha-pão, ora para ver
se consegue brecha de se tornar
corretor de valores, pois se
convencera de que, apesar de ter
apenas curso ginasial, era bom em
números e sabia lidar com pessoas,
dois elementos que lhe pareciam
essenciais para exercer a função, a
qual, a seu ver, tornava os homens
felizes.
Uma série de impropriedades então se
observa no roteiro ao tratar do
relacionamento de Gardner com a
firma de corretores , Dean Witter
Reynolds, sendo a principal delas a
de querer fazer acreditar aos que
não conhecem o mercado financeiro
que uma instituição de tal porte
receberia para entrevista um
indivíduo mal vestido, de camiseta,
com a cara manchada de tinta,
recém-saído da cadeia e, pior, que o
contrataria como estagiário para
trabalhar dia e noite durante seis
meses sem remuneração e nenhuma
garantia de que iria conseguir o
emprego desejado.
Além disso, a patriotada do filme é
de um exagero irritante, não só pela
inclusão de repetidas cenas em que
aparece a bandeira americana em
diversos pontos de São Francisco,
como também pela insistência de
Gardner em citar em suas conversas
com o filho - enquanto ambos passam
fome e dormem em albergue - trecho
da "Declaração da Independência", em
que Thomas Jefferson, lembrando
Cristo, afirma que a felicidade,
para ser encontrada, precisa de
arduamente ser procurada, quase tudo
pontilhado por composições de Stevie
Wonder, como "Jesus, Children of
América".
Como o filme deveria seguir as
pegadas de "Ladrões de Bicicleta" –
em que se verifica igualmente
problema de roteiro, com
desproporção entre causa e efeito –
Smith tratou de buscar um italiano
para dirigi-lo, Gabriele Muccino,
que apresenta trabalho pouco
inspirado, de ritmo arrastado,
servindo apenas à atuação do
protagonista, que por sua vez
exagera na permanência em cena. O
filme é ele. Só ele. Mesmo a
presença do filho, Jaden, é para
apoiá-lo na sua composição, que
chega realmente a ser comovente nos
momentos finais. Tudo o mais é
irrelevante.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Revista
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FICHA TÉCNICA
À PROCURA DA FELICIDADE
THE PURSUIT OF HAPPYNESS
EUA/ 2006
Duração – 117 minutos
Direção – Gabriele Muccino
Produção – David Alper, Will Smith,
Teddy Zee e Todd Black
Fotografia – Phedon Papamichael
Música Original – Andrea Guerra,
além de composições de Steve Wonder
Edição – Mo Henry, Hughes Winbourne
Elenco – Will Smith (Chris Gardner),
Thandie Newton (Linda) Jaden Smith
(Christopher), Brian Howe (Jay
Twistle)