Theresa Catharina de Góes Campos

  A RAINHA
Reynaldo Domingos Ferreira

Sob direção primorosa de Stephen Frears, o filme “A Rainha” faz um relato de timbre moderado, mas sempre inteligente, dos momentos vividos pela família real britânica após 31 de agosto de 1997, quando ocorreu, na madrugada, em Paris, o acidente automobilístico, que vitimou Lady Diana, então divorciada do príncipe Charles, herdeiro do trono.

Com base em roteiro cuidadosamente elaborado pelo escritor Peter Morgan – que também é um dos que assinam o de “O Ultimo Rei da Escócia” - , o filme se concentra no debate que se teria travado entre a Rainha Elizabeth II e o primeiro-ministro Tony Blair, então em seus primeiros meses no exercício da função, sobre o ritual a que obedeceria o enterro de Diana, se de caráter público ou privado.

A primeira qualidade a ser destacada no filme de Frears é a do diálogo - excelente - mais abrangente, vibrante e irreverente do que se poderia imaginar, dando noção de como é a intimidade da família real que, nos dizeres de realizador, embora seja uma instituição extraordinária, não deixa de ser também cômica, escura e, no mais das vezes, ridícula.

E seria ridícula principalmente porque, segundo Frears, insiste em perpetuar normas e valores que o mundo moderno – de conceitos flexíveis, variáveis e voláteis - de há muito superou, como também observa o Príncipe Charles, na conversa que tem com Tony Blair, ao receber o corpo de Diana no aeroporto de Londres, o qual lembra que a Rainha sofreu muito durante a II Guerra Mundial.

De qualquer forma, porém, a grandeza do filme de Frears está no fato de fixar, com dignidade, não só a personalidade da Rainha Elizabeth II , como também o mundo em que, muito jovem, ela se isolou e ainda nele permanece para assegurar a tradição da família real, que é também, segundo suas palavras, a dos ingleses de serem serenos, simples e discretos, o que, a seu ver, lhes garante a admiração mundial.

Sob este aspecto o momento mais comovente do filme – valorizado não só pela estupenda interpretação de Helen Mirren (“O Assassinato em Gosford Park”, de Robert Altman), como também pelo efeito pictórico da fotografia do brasileiro Afonso Beato – é o da cena em que a antiga picape da Rainha enguiça no meio das águas de um riacho, em Balmoral (residência de verão da família real) e, sozinha, enquanto aguarda a ajuda chamada, ela chora pelo orgulho ferido.

Mas chora de rosto virado contra a câmara, que só expõe suas lágrimas no momento seguinte, de uma aparente euforia ao perceber que a placidez da paisagem é quebrada pelo surgimento de um belo cervo no topo de um morro, o qual ela procura com um gesto espantar a fim de evitar que seja ele atingido pelo tiro de algum afoito caçador. É esse também o grande momento na atuação de Mirren, perfeita nos detalhes, da fala, da postura, dos gestos e, mais que tudo, disciplinada, comprometida com a linha que lhe impôs a direção do filme.

Por sinal é essa uma das grandes qualidades de Stephen Frears – designado agora para presidir ao júri de premiação do próximo Festival de Cannes - a de saber fazer o casting, ou seja, escolher os atores certos para os diversos papéis de seus filmes, como foram os casos, por exemplo, de “Minha Adorável Lavanderia” (1985), “Ligações Perigosas”(1988) e “Terra de Paixões (1998), que lhe valeu o prêmio de Melhor Diretor em Berlim. Assim, pode-se dizer que, além da direção, a força de “A Rainha” está centrada nas suas interpretações.

Como a outra personalidade destacada no filme é a de Tony Blair – protagonista de outra película de Frears, intitulada “The Deal” ( 2003) -, o ator escolhido para interpretá-la, Michael Sheen, se não apresenta uma soberba atuação, como a de Mirren, consegue bons momentos, quando se vê sob o fogo cruzado da opinião pública motivada pela imprensa sensacionalista inglesa e a rigidez da família real em fixar decisão de não comparecer à exéquias de Diana.

Sheen não é de fato o mais brilhante intérprete do naipe masculino, qualificativo esse que deve ser dado, a meu ver, aos atores James Cronwell, como Príncipe Philip, marido da Rainha Elizabeth II e a Roger Allam, no papel de Robin Janvrin, secretário particular da soberana da Inglaterra. São corretas as interpretações de Alan Jenkings, como Príncipe Charles – embora ator e personagem não guardem traços físicos semelhantes – e a de Helen McCrory, que, como Cherie Blair, tem bom momento ao se mostrar crítica e irreverente à rigidez do protocolo a que tem de se submeter na solenidade da apresentação do primeiro-ministro à Rainha.

A composição mais discutível me parece ser a de Sylvia Syms – nome respeitadíssimo da cena britânica – que dá à Rainha-Mãe caráter por demais austero, intolerante, duro e inflexível que, ao que se sabe, não corresponderia à realidade. É possível que naqueles momentos a Rainha-Mãe assim se mostrasse, tendo em vista o fato de que, no âmbito da família real, como mostra o filme, não havia simpatia por Diana. Nem mesmo admiração pelo fato de ser mãe dedicada, segundo a alegação do Príncipe Charles, contestada por Elizabeth II, que diz ao filho: “Só se ela visse algum fotógrafo por perto!...”

Mas a imagem que se guarda da Rainha-Mãe é a de uma senhora de gênio mais tolerante, a qual se mostrava à opinião pública sempre de bom-humor, alegre e sorridente. Será que isso aconteceria também só quando ela via fotógrafos por perto, a exemplo da princesa Diana?... Mas se assim fora – também é lícito indagar - teria a Rainha-Mãe vivido tão bem os cem anos que viveu?... Pois o segredo da longevidade, segundo os estudiosos, não seria privilégio de pessoas que têm bom convívio social, possuidoras de gênio benévolo e comedido?... Esta é a questão, como diria certo herdeiro do trono da Dinamarca, que a atriz Sylvia Syms conhece bem.

Tirando isso, o filme de Frears, que usa muitas imagens de arquivo – principalmente de Diana – e jamais expõe os filhos dela com o príncipe Charles, é um trabalho que merece ser visto. Suas grandes qualidades residem, como já foi dito, na excelente direção de Stephen Frears – pela segunda vez indicado ao Oscar de Melhor Diretor – e pela soberba interpretação de Helen Mirren, também indicada ao Oscar de Melhor Atriz, além da de todo o elenco. Um belo filme.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
Revista ROTEIRO,
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www.theresacatharinacampos.com

FICHA TÉCNICA
A RAINHA
THE QUEEN
Reino Unido/2006
Duração – 103 minutos
Direção – Stephen Frears
Roteiro – Peter Morgan
Produção – Andy Harris, François Ivernel, Christine Langan
Fotografia – Afonso Beato
Música original – Alexandre Desplat
Edição – Lucia Zucchetti

Elenco – Helen Mirren (Rainha Elizabeth II), Michale Sheen (Tony Blair), James Cronwell (Príncipe Philip), Sylvia Syms (Rainha-Mãe), Alex Jenkings

(Príncipe Charles), Helen McCrory (Cherie Blair), Roger Allam (Robin Janvrin)
 
 

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