Theresa Catharina de Góes Campos

 

O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA

Não há sombra de dúvida que a interpretação de Forest Whitaker no papel de Idi Amim Dada, em “O Último Rei da Escócia”, de Kevin Macdonald, é das mais geniais da história recente do cinema e que o filme mostra, numa linguagem contundente, de excepcional qualidade, como se criam ditadores na África e, por ilação, nos demais continentes, à semelhança do que se vê surgir agora, na Venezuela, sob a saudação popular de sempre.

Com base no livro The King of the Scotland, do jornalista britânico Giles Foden -  que nele mistura ficção e realidade -  o filme de Mcdonald é, na verdade, um libelo contra as ditaduras de todos os quadrantes, como a de Idi Amim, que tomou o poder, em Uganda, em 1971, através de golpe militar e que, durante oito anos, além de expulsar os asiáticos do seu território, deixou mais de trezentos mil mortos ugandenses.

O filme narra a história de um médico escocês, Nicholas Garrigan (James McAvoy), que, um tanto ingênuo, um tanto presunçoso, recém-formado, ansioso por se ver livre das peias da família, extremamente conservadora, parte para Uganda à procura de aventuras e com aquelas velhas e ditas nobres idéias européias na cabeça de querer ser útil num meio, que desconhece, de absoluta miséria, como é o da África.

Até esse ponto é o lugar comum que prevalece na narrativa de Giles Foden, também um dos autores do roteiro, pois, Garrigan procura se acomodar num lugarejo do interior, onde atuam outros abnegados escoceses, Dr. Marritt (Adam Kotz) e sua esposa, Sarah (Gillian Anderson), que o intrépido médico recém-chegado tenta, sem êxito, conquistar. A novidade é o casual encontro de Garrigan com Idi Amim, recém-empossado, que, depois de receber as saudações do povo do lugarejo, sofre acidente, pois o carro em que viajava atropelara uma vaca.

É então que tem início o jogo de sedução e de fascínio do poder, pois Idi Amim, após ser atendido pelo médico escocês, se toma de amores por ele, principalmente por sua procedência, a Escócia, que tanto admira, oferecendo-lhe o cargo de médico particular do presidente, o qual Garrigan aceita, mas  sob os olhares de  censura da Sarah – ela sintetiza três mulheres do livro de personalidades diferentes -  que, sem nada poder fazer, o vê partir com a comitiva presidencial rumo a Kampala, sede do governo.

Ambicioso e ao mesmo tempo inebriado pela cativante personalidade do ditador – que lhe apresenta suas quatro mulheres, inclusive a bela Kay Amim (Kerry Washington), mãe de um garoto, Campbell, nome de origem escocesa  - Garrigan não só finge desconhecer as atrocidades perpetradas pelo sanguinário ditador, apesar de ser várias vezes advertido, neste sentido, pelo diplomata britânico, Nigel Stone (Simon McBurney), como o desafia, envolvendo-se com Kay, a quem engravida, sem ter noção da armadilha que está armando para si próprio.

Os momentos de maior tensão de Garrigan –  como do próprio filme  -  acontecem, enquanto Idi Amim negocia com Israel a libertação dos reféns do seqüestro do avião da Air France, que realizava o vôo 139, na rota Telav-Aviv-Paris e foi desviado por cinco palestinos da Frente de Libertação da Palestina e dois guerrilheiros alemães do grupo Baader-Meinhof para o Aeroporto de Entebbe, em Uganda, no dia 27 de junho de l976.

A direção de Kevin Macdonald, sem ser brilhante, é eficiente na maneira de conduzir o espectador dentro do jogo de cabra-cega em que o protagonista está aos poucos se envolvendo. É interessante observar como Mcdonald manipula planos e imagens de forma a tirar efeito disso para conseguir a quase cumplicidade do espectador até mesmo para se deixar enlevar por aspectos por assim dizer humanos do terrível tirano, Idi Amim, um dos mais sanguinários que a África produziu.

Sob este aspecto, contudo, é preciso reconhecer o toque de genialidade que Forest Whitaker imprimiu à sua interpretação de Idi Amim Dada, que vai ficar para a história do cinema, como creio, ao mesmo nível das de:  Montgomery Clift em “A Tortura do Silêncio”, de Alfred Hitchcock;  Marlon Brando e James Mason, em “Julio César”, de Joseph L. Mankiewicz;  James Dean, em “Vidas Amargas”, de Elia Kazan;  Laurence Olivier, em “Ricardo III”; Anthony Quinn, em “La Strada”, de Federico Fellini e  Peter O´Toole – com quem ele concorre este ano ao Oscar de Melhor Ator – em “Lawrence da Arábia”, de David Lean.

Mas é verdade que Whitaker contou – como os atores acima citados – com bom elenco de sustentação, a começar de James McAvoy, que tem com ele cenas memoráveis, numa linha de composição bem estudada e rica em detalhes ao exemplo daquela em que Idi Amim chega à casa de Garrigan e o apanha dormindo, mas pede que se levante, vista a roupa e o leve ao aeroporto no caríssimo carro que lhe dá de presente. Além de McAvoy, merecem ser citados por suas atuações, Gillan Anderson, como Sarah, Simon McBurney, como diplomata inglês, Kerr Washington, como Kay Amim e principalmente David Oyelowo, como Dr. Djonju.

Além da estupenda interpretação de Whitaker e de todo o elenco, Mcdonald garante o êxito do espetáculo com a qualidade da fotografia de Anthony dod Mante, de um bom trabalho de edição de Justine Wright e de um comentário musical vibrante, colorido, do compositor Alex Haffes. Enfim, “O Ùltimo Rei da Escócia”, de Kevin Macdonald, além de ter uma das mais geniais interpretações da história recente do cinema – a de Forest Whitaker como Idi Amim Dada – é filme que se vê do começo ao fim com crescente interesse e garantida satisfação.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Revista
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www.theresacatharinacampos.com
 

FICHA TÉCNICA

O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA

THE LAST KING OF THE SCOTLAND

 

Reino Unido/ 2006

Duração – 121 minutos

Direção – Kevin Macdonald

Roteiro – Giles Foden, Jeremy Brock, Peter Morgan, Joe Penhold

Produção – Lisa Bryer, Andrew Calderwood, Christine Ruppert, Charles Steel.

Fotografia -  Anthony dod Mante

Música Original – Alex Haffes

Edição – Justine Wright


Elenco – Forest Whitaker ( Idi Amim Dada), James McAvoy (Nicholas Garrigan), Kerry Washington (Kay Amim), Gillian Anderson (Sarah Merritt), Simon McBurney (diplomata Nigel Stone), David Oyelowo (Dr. Djonjo), Adam Kotz (Dr. Merritt), Bárbara Rafferty (Sra. Garrigan), David Ashton (Dr. Garrigan).

 

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