|
OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA:
ENTREVISTA SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA
From:
REYNALDO
FERREIRA
Date: 09/04/2007 07:42
Subject: Entrevista (tema Língua Portuguesa)
To: Theresa Catharina Campos
theresa.files@gmail.com
"Os especialistas em
Língua Portuguesa são
contados nos dedos"
Por Deonísio da Silva em
27/3/2007
Português para
convencer,
Editora Ática, de
Claudio Moreno e
Túlio Martins
|
|
Cláudio
Moreno, professor
universitário, ensaísta,
doutor em Letras pela
PUC/RS, é colunista
regular do jornal
Zero Hora, de Porto
Alegre, com uma seção
sobre mitologia e outra
sobre questões de nosso
idioma. É o criador e
responsável pelo site
Sua Língua, página
especializada sobre a
Língua Portuguesa.
Publicou vários livros
sobre redação, gramática
e etimologia. Além
disso, é o autor do
romance Tróia: o
romance de uma guerra
e do livro de crônicas
sobre a Antiguidade
Um rio que vem da Grécia,
ambos lançados em 2004
(Porto Alegre, LPM).
Nesta entrevista ao
Observatório da Imprensa,
ele comenta os novos
caminhos da palavra pelo
"Amazonas" que é a
internet, a admiração
que provocam no público
as intervenções de
parlamentares nas CPIs
transmitidas pela
televisão e o novo livro
que acaba de lançar, em
co-autoria com o
jornalista e juiz
aposentado Túlio Martins
( Português para
convencer, Editora
Ática).
***
Português para
convencer é um
daqueles livros dos
quais se pode dizer:
indispensável. Como
nasceu o projeto e como
os dois autores chegaram
à Ática, editora de
tradição em livros de
apoio no ensino?
Cláudio Moreno
– Era um velho
projeto meu, mas saiu
melhor do que eu
imaginava. Há dois anos
eu tinha apresentado à
Ática o projeto de um
livro sobre como redigir
textos persuasivos; a
editora ficou
interessada, mas sugeriu
que eu me voltasse mais
para a área jurídica,
pela própria natureza da
atuação dos juízes,
advogados e demais
operadores do Direito.
Foi muito bom, porque
isso me levou a procurar
um parceiro
especializado, Túlio
Martins, juiz e
jornalista, que aderiu
com entusiasmo à idéia.
Nos pusemos a trabalhar
a quatro mãos, com uma
afinação difícil de
conseguir entre dois
autores. Sozinho, nenhum
dos dois teria
conseguido escrever este
livro; juntos,
produzimos um belo
manual, modéstia à
parte. Ele é inovador e
diferente de tudo o que
foi feito até agora, o
que faz nossos editores
apostarem muito em seu
sucesso. Desde há
alguns anos, existem
professores como que
dando aulas de língua
portuguesa na imprensa,
com colunas semanais
assinadas. Por que isso
se tornou uma
necessidade para os
leitores?
C.M.
– Eu acredito que
todo ser humano tenha
uma curiosidade natural
pela língua que utiliza.
No Brasil,
tradicionalmente, esse
interesse só podia ser
saciado em gramáticas ou
em artigos de revistas
acadêmicas, fontes
extremamente distantes
do público em geral. De
dez anos para cá, no
entanto, a imprensa
percebeu que o Português
é um assunto que atrai
sobremaneira o leitor ou
o espectador, e o que já
acontecia em países do
Primeiro Mundo
finalmente chegou a
nossas praias: dezenas
de jornais mantêm
colunas sobre o
Português, há programas
de TV especializados no
assunto, como o do
Nogueira e o do Pasquale,
há sites e blogs na
internet – e até mesmo
uma revista feminina de
variedades, como é o
caso de Caras,
percebeu que deveria
oferecer a seus leitores
uma sofisticada coluna
sobre etimologia,
mantida há muito tempo
pelo Deonísio da Silva.
Já virou costume (e dos
bons); as seções sobre
Língua Portuguesa pouco
a pouco vão se tornando
quase obrigatórias, como
as palavras cruzadas, a
meteorologia e o
horóscopo. Outros
fatores colaboram para
esse aumento de
prestígio de livros e
artigos sobre nossa
língua. A
correspondência, hábito
quase esquecido que o
correio eletrônico veio
reavivar de forma
espetacular, aumentou
muito a consciência da
importância de escrever
bem. São especialmente
solenes aqueles últimos
segundos que antecedem o
clique final que vai
enviar a mensagem.
Qualquer um, a não ser
que seja um alegre
cretino, fará uma
pequena pausa naquele
instante decisivo,
hesitando em liberar
definitivamente um texto
que ele assinou e que
vai servir para que
julguem sua educação e
sua competência. Imagino
quantos decidam, nesse
exato momento, que está
na hora de comprar uma
boa gramática, de trocar
o dicionário herdado do
avô por uma edição mais
completa ou de se
matricular num curso de
revisão de Português!
Além disso, vivemos nos
últimos anos uma
inusitada agitação no
cenário político
nacional, que teve, pela
primeira vez, uma
excepcional cobertura
das mídias ditas
populares, como o rádio
e a TV. Os
interrogatórios de
Marcos Valério e os
discursos acusatórios de
Roberto Jefferson eram
acompanhados como
emocionantes lances
esportivos; quem parou,
como eu, diante de uma
vitrine em que as TVs
transmitiam os trabalhos
da CPI do Mensalão, pôde
colher a admiração que
despertavam os
parlamentares bem
articulados,
independentemente de seu
partido ou de sua
ideologia. Mesmo o homem
mais simples pôde
perceber a vantagem que
traz o maior domínio do
idioma. Foi uma
verdadeira aula de
política; em poucos
meses – e de forma
concreta, sem abstrações
–, o Brasil inteiro
tinha se dado conta do
quanto a linguagem
representa poder.
Quando a mídia não
tinha o alcance que tem
hoje e passava ao largo
da universidade,
sabia-se de grandes
professores de
Português, como Celso
Pedro Luft, no Brasil
meridional; Evanildo
Bechara, no Rio. E ainda
havia referências, não
especificamente em
Português, mas em suas
literaturas, como
Guilhermino César, na
UFRGS; Antonio Cândido,
na USP; Affonso Romano
de Sant´Anna, na PUC/RJ,
para citar alguns
quadros. Os grandes
professores de Língua
Portuguesa em nossas
universidades
desapareceram? Ou
existem outros que não
conhecemos?
C.M.
– Os especialistas
em Língua Portuguesa são
contados nos dedos, no
Brasil de hoje. Alguém
que domine a gramática
tradicional, freqüente
os dicionários, tenha
familiaridade com os
grandes textos da
Lingüística moderna,
mas, acima de tudo, seja
leitor de Machado, de
Vieira, de Eça, de
Camões, de Manuel
Bandeira, de Nelson
Rodrigues – isso é bicho
cada vez mais raro, em
nossa Pindorama. Não vou
tão longe a ponto de
dizer que a espécie
esteja em extinção,
porque acredito que os
professores mais jovens,
da safra mais recente,
começam a buscar esse
equilíbrio
verdadeiramente
humanista. Sem medo de
errar, posso afirmar que
estão com os dias
contados, esses sim, os
que têm uma formação
unilateral. Isso vale
tanto para aqueles que
dominam o emaranhado de
teorias lingüísticas,
mas lêem mal e escrevem
pior ainda, como para
aqueles que escrevem
muito e lêem muito, mas
não conhecem a teoria
necessária para
organizar os dados que
essa experiência lhes
traz. Nas duas teses
que você defendeu – a de
mestrado, na UFRGS e a
de doutoramento, na PUC
– as salas estavam
lotadas. Alunos
interessadíssimos,
semelhantes a
micos-leões dourados,
pois estavam em
extinção, embora então
não soubéssemos;
dependuravam-se nos
lustres para assistir ao
grande concerto
intelectual entre banca
e candidato. Na platéia,
nomes ilustres, como
Sergius Gonzaga, Lya
Luft, Voltaire Schilling,
Donaldo Schüller,
Guilhermino César etc. E
bancas preparadíssimas.
Os pobres candidatos
hoje têm que recorrer a
amigos e parentes, se
quiserem público.
Sabe-se que os ritos da
defesa pública das teses
surgiram na Idade Média
e, então, parece que
neste ponto regredimos.
O que indica a nova
situação: falta
interesse da comunidade
universitária ou falta
interesse nos temas das
teses? Ou é outra a
falta?
C.M.
– Nos últimos vinte
anos houve um grande
progresso no mundo
acadêmico brasileiro, o
que tirou muito do
mistério inicial que
envolvia a
pós-graduação; os
mestrados e doutorados,
privilégio de alguns
malucos obstinados, logo
passaram a ser o destino
natural de qualquer
aluno da graduação. Eu
fui o primeiro aluno a
concluir a dissertação
de mestrado, em 1977,
num curso que já
funcionava há três anos;
era natural que minha
defesa fosse
concorridíssima, já que
era grande a
curiosidade. Vieram
todos os outros
mestrandos, mais de
trinta, que queriam ver
como é que acontecia na
hora H; vieram os meus
alunos da faculdade, os
meus amigos e os meus
inimigos, que não eram
poucos; todo o corpo
docente de Letras estava
presente, além do
pessoal administrativo e
da secretaria. Os
gestos, as palavras da
banca, o ritual – tudo
era soleníssimo; só
faltava a toga e o
barrete para igualar uma
cerimônia de honoris
causa. Depois disso,
as defesas foram se
amiudando e acabaram se
tornando quase tão
corriqueiras e
desinteressantes quanto
um trabalho de conclusão
de curso. Há outro fator
que também contribuiu
para nossa atual
indiferença por
trabalhos desse tipo: as
primeiras teses e
dissertações eram sempre
de cunho mais genérico,
abrangente, que podiam
interessar um número
maior de ouvintes. Hoje
eles ficaram
especializados demais, e
só uma grande amizade
(ou um grau de
parentesco muito
próximo) vai me fazer
sair de casa para
assistir a uma discussão
sobre "a omissão do S do
plural por parte das
crianças de 12 anos
incompletos na encosta
sul do Morro do Osso".
Como na literatura ou no
cinema, trabalhos
desinteressantes acabam
conquistando o
esquecimento que
merecem. Quem pode
confiar em advogados e
médicos que não sabem
português? A diferença
entre o veneno assassino
e o remédio salvador
pode ser apenas uma
letrinha, concorda? E as
próprias instâncias
jurídicas, preocupadas
com o português de
advogados, já espalham
na internet casos em que
o defensor, por
desconhecer estratégias
de argumentação e
equivocar-se na redação,
inclusive no léxico,
prejudicou o cliente que
pagava por seus
serviços. A universidade
brasileira deixou de
cuidar do ensino da
língua portuguesa?
C.M.
– Infelizmente, a
educação em nosso país
fica muito aquém de um
mínimo satisfatório, por
tristes razões que não
cabe aqui discutir. Como
as cidades falsas que o
general Potemkin mostrou
à imperatriz da Rússia,
aqui quase tudo é
cenário de isopor e
papelão pintado. Há uma
exigência de incluir a
redação no vestibular –
o que é bom –, mas nada
se fala sobre o ensino
do idioma durante
o curso universitário –
o que, como diz minha
comadre, é o fim do
resto. A universidade
finge que não é problema
seu: há faculdades de
Direito que oferecem a
seus alunos a ninharia
de um semestre de Língua
Portuguesa, e que lambam
a unha! Talvez por isso
mesmo o profissional
recém-formado tenha essa
avidez cada vez maior em
ler sobre nosso idioma,
em estudá-lo por conta
própria. Está escrito
na apresentação de seu
novo livro: "Além de
conhecer e dominar os
fundamentos do
português, o advogado
precisa também escrever
de maneira clara,
objetiva e precisa,
expondo os fatos de
forma organizada e,
principalmente, com
argumentos persuasivos,
adequados a cada
elemento da sua
audiência – o juiz, o
adversário, o cliente."
Cláudio Moreno e Túlio
Martins estão
complementando um saber
que a universidade não
dá mais nessa área?
C.M.
– A base do
currículo das
universidades do mundo
antigo era a Retórica,
encarada como a arte de
persuadir e convencer
pela linguagem. No
Brasil, por uma série de
equívocos, essa
preocupação ficou
completamente esquecida
nos últimos cem anos.
Aqui, uma universidade
que tenha um bom ensino
de Português dará a seu
aluno, no máximo, o
saber necessário para
produzir textos
corretos, claros e
objetivos – o que, vamos
convir, não é pouco; as
faculdades brasileiras
que conseguem fazer isso
são muito poucas e
deveriam ganhar um
prêmio por sua
contribuição à
cidadania. Do ponto de
vista de nosso livro, no
entanto, isso não é o
suficiente, pois é
necessário, em muitas
situações, que o texto,
além disso, consiga
persuadir nosso
leitor a fazer o que
queremos que ele faça ou
a aderir às idéias que
defendemos. É essa
preocupação retórica,
ausente de nossos
programas de língua
portuguesa, que está por
trás de todas as páginas
de nosso Português
para Convencer.
Como você avalia a
repercussão do que você
escreve na internet? Já
é possível avaliar a
eficácia de caminho tão
novo para autores e
leitores na Galáxia
Gutenberg?
C.M.
– Não é fácil
avaliar a repercussão de
um trabalho na internet;
são muitos os caminhos,
são inúmeros os desvios
e nunca sabemos ao certo
até onde estamos
chegando. Há, contudo,
os contadores de acesso,
que registram o número
de leitores que vieram
bicar o milho que
espalhamos a esmo por
este ciberespaço; é um
parâmetro limitado, é
verdade, mas ao menos é
concreto e nos ajuda a
ter uma idéia dos
números quase
inimagináveis desse novo
universo. No caso do Sua
Língua, site que
mantenho – sozinho – há
mais de seis anos, venho
registrando uma média de
2.000 leitores
diferentes por dia, o
que vai resultar na
cifra escandalosa de
mais de 700.000 leitores
diferentes por ano!
Quando, no mais louco
devaneio, eu imaginaria
que um artigo sobre a
língua portuguesa
poderia atingir tamanha
multidão? Nem quero
pensar nas cifras
futuras, pois, ao
contrário do jornal, o
texto continuará lá por
quanto tempo eu quiser,
disponível para a
multidão de leitores do
ano que vem, e do outro
e assim por diante. Para
os que estão acostumados
com o riacho da
distribuição em papel –
livros, revistas e
jornais –, a internet
aparece com a dimensão
de um Amazonas. Além
disso, o mundo todo
comparece na minha
página, para ver o que
ando publicando. Quando
McLuhan falou da "aldeia
global", não imaginava
que em breve seria
criada a internet para
comprovar sua profecia.
Tenho leitores de todos
os cantos do planeta –
inclusive de lugares que
jamais visitarei, como a
Estônia, a Sérvia, a
Eslovênia, a Namíbia ou
o Qatar. |
|
|