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BATISMO DE SANGUE
O episódio
do nada louvável envolvimento
dos frades dominicanos com a
luta armada durante o regime
militar brasileiro é o tema do
filme “Batismo de Sangue”, de
Helvécio Ratton, que se baseou
no relato de um deles, Frei
Betto, figura honorável do atual
governo, feito em livro pouco
confiável porque, lançado em
1983, vem sendo ao longo do
tempo alterado com a inclusão de
fatos inéditos que o autor por
acaso “esquecera” ou por
conveniência deixara de
mencionar.
Em
vista disso, o roteiro do filme,
assinado por Dani Patarra e
Helvécio Ratton, que segue a
linha maniqueísta da esquerda, é
precário, em termos de verdade
histórica. Além disso, abusa de
frases de efeito e panfletárias,
de estereótipos e até de cartões
postais – houve maciça injeção
de recursos da União e de Minas
Gerais na produção -, o que
dilui bastante, a meu ver, a
ação dramática, que tem inicio e
termina, com a cena de um
suicídio, o de Frei Tito Alencar
de Lima, no mosteiro La Tourette,
em Lyon, na França.
O
filme se passa ao final dos anos
sessenta, quando o convento dos
dominicanos, no Alto das
Perdizes, em São Paulo, se
tornou uma trincheira de
resistência ao regime, tema
agora em alta na aceitação do
povo brasileiro, de pouco
discernimento, que, na época
aplaudia os militares e tinha
até uma canção emblemática:
Eu te amo, meu Brasil/ Eu te
amo!... Embora a narrativa
queira fazer crer que se tratava
do envolvimento de apenas um
grupelho de frades – faltam
alguns no filme - com Carlos
Marighella, líder da Ação
Libertadora Nacional, a verdade
histórica, que um dia emergirá,
pode não ser bem essa.
Pois
houve, ao que se sabe, muita
vocação sacerdotal frustrada de
jovens que deixaram a batina,
naquela fase, por não aceitarem
a imposição da Ordem de aderirem
à luta armada, já que a Igreja
precisa de mártires, como o
título do filme sugere. Tanto
assim que há uma cena em que
Frei Tito assegura a Marighella
apoio à guerrilha, em Goiás, do
posto dos dominicanos em Porto
Nacional, que fica às margens do
Tocantins. Da mesma forma pode
não ser verdade histórica a
assertiva de um daqueles
“santos” frades, feita ao
“ingênuo” Prior da Província de
São Paulo, de que eles não
pegavam em armas.
Quando
Frei Betto decidir completar o
seu depoimento - que vem sendo
servido a conta-gotas a cada
nova edição do livro em que se
baseia o filme - ele revelará
certamente a identidade do
banqueiro paulista que
financiava a “ousadia” dos
dominicanos e lhes cedia sua
propriedade, na periferia de São
Paulo, para treinamento de
jovens em práticas de guerrilha,
que pegavam, sim, em armas,
conforme poderiam dizer muitos
deles. Isto porque, segundo Frei
Betto, “a verdade é filha do
tempo” (Bertolt Brecht) ou da
conveniência de alguns
naturalmente.
Por
sinal, o filme levanta
indagações sobre a atuação do
personagem Frei Betto (Daniel
Oliveira) no movimento porque
ele está sempre bem protegido
por pessoas que de repente
aparecem, dão-lhe quantias em
dinheiro e dificultam sua
prisão, levando-o para São
Leopoldo, no Rio Grande do Sul,
para tomar chimarrão... Quando
preso, tem ele, na cadeia,
tratamento preferencial, não
sofre tortura, ao contrário de
todos os demais frades e
conversa de igual para igual,
citando o Evangelho, com o
Delegado Sérgio Fleury –
interpretado na base do
estereótipo de vilão de novela
pelo ator Cássio Gabus Mendes –
que logo o despede e manda que
fique tranqüilo no seu canto...
Não
resistindo a todo tipo de
tortura que sofrem no
pau-de-arara, Frei Fernando (Léo
Quintão) e Frei Ivo (Odilon
Esteves) acabam por revelar o
endereço da gráfica que os
atende, também freqüentada por
Carlos Marighella, prestes a
partir para Goiás com uma mala
cheia de dinheiro – qualquer
semelhança com ilustres
personagens da cena moderna
brasileira não é mera
coincidência – obtido num
assalto a banco, que não é o
BMG, nem o do banqueiro que os
ajuda. Os agentes de segurança
montam um esquema na livraria
dos dominicanos à espera de uma
informação sobre a ida de
Marighella à gráfica. Os
telefones são grampeados e a
informação logo chega aos
agentes de Fleury, que
comemoram.
A
reconstituição da morte de
Carlos Marighella é um dos raros
bons momentos do filme de
Ratton, que tendo dirigido antes
coisas do tipo “A Dança dos
Bonecos”, “Uma Onda no ar” e
“Menino Maluquinho” parece não
ter muito pulso para uma
abordagem política séria como a
que o tema estaria a exigir. De
qualquer forma a seqüência
funciona graças ao bom trabalho
de câmara de Lauro Escorel, com
adequada distribuição de planos
e marcação eficiente dos atores
na alameda, onde se deram os
acontecimentos. Há de se
ressaltar também que o ator,
Marku Ribas, intérprete de
Marighella, além de apresentar
semelhança física com o
personagem, tem desempenho
sóbrio, discreto, que o
distingue de todos os demais do
elenco.
Porque,
no geral, os atores, todos muito
jovens, inexperientes, denotam
pouco saber dos personagens que
interpretam e muito menos dos
acontecimentos históricos de que
eles participam. Para usar
expressão em voga na época em
que se passa o filme, os atores
estão mais por fora do que
umbigo de vedete. Alguns dão até
pena. Não interiorizam nada. Com
certeza não viram eles os
trabalhos dos atores argentinos,
em “Crônica de uma Fuga”, de
Adrián Caetano. Esses, sim,
apresentaram, no gênero,
excelentes desempenhos que lhes
exigiram além de muito estudo,
disciplina, expressão corporal e
até rigorosos regimes
alimentares para mostrarem
diante da câmara seus corpos
débeis, exangues e duramente
atingidos pelas consecutivas
sessões de tortura que sofreram
na chamada Mansão Seré, na
periferia de Buenos Aires.
Enfim,
“Batismo de Sangue”, de Helvécio
Ratton, que relata o
envolvimento dos frades
dominicanos com a luta armada,
nos anos sessenta, durante o
regime militar, com base em
depoimento de um deles, Frei
Betto, é precário do ponto de
vista histórico, pois omite
fatos, personagens, segue linha
maniqueísta e abusa de frases de
efeito, panfletárias, de
estereótipos e de cartões
postais. A direção é fraca, a
fotografia é boa e os atores,
com raras exceções, não
convencem. Como o título sugere,
o objetivo do filme é o de fazer
crer que Frei Tito Alencar de
Lima, que traiu os desígnios de
São Domingos, como ele próprio
admite, seria um mártir, o que
esbarraria, penso eu, com a
oposição da Igreja, que não
tolera os suicidas como ele o
foi.... Acabou até com o limbo
para eles não ficarem lá. É
filme, portanto, de poucas,
pouquíssimas qualidades.
REYNALDO
DOMINGOS
FERREIRA
ROTEIRO,
BRASILA, Revista
www.arteculturanews.com
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FICHA TÉCNICA
BATISMO DE SANGUE
França/Brasil/2006
Duração – 110 minutos
Direção – Helvécio Ratton
Roteiro – Dani Patarra e
Helvécio Ratton, com base no
livro de Frei Betto, de l983
Fotografia – Lauro Escorel
Direção de Arte – Adrian Cooper
Edição – Mair Tavares
Elenco – Caio Blat (Frei Tito),
Daniel de Oliveira (Frei Betto),
Cássio Gabus Mendes (Delegado
Fleury), Ângelo Antonio (Frei
Oswaldo), Léo Quintão (Frei
Fernando), Odilon Esteves (Frei
Ivo), Marcélia Cartaxo (Nildes),
Marku Ribas (Carlos Marighella),
Murilo Grossi (Policial Raul
Careca), Renato Parara (
Policial Pudim), Jorge Emil
(Prior dos dominicanos)
NOTAS DA
EDITORA:
1. Frase
pronunciada por autoridade
religiosa da Igreja Católica, em
"Batismo de Sangue":
"Mas os Srs.
não foram presos rezando
Missa."
2. Com propostas
cinematográficas bem diferentes,
recomendo os filmes anteriores
do diretor Helvécio Ratton:
"A dança dos
bonecos", "Menino Maluquinho"
e "Uma onda no ar."
Theresa Catharina
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