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O INFERNO
Um doloroso drama familiar oferece tema a O
Inferno, de Danis Tanovic, que, para
narrá-lo, usa linguagem de apurado sentido
estético, embora explore talvez em excesso
efeitos de câmera a fim de dar maior relevância
aos momentos de intensidade dramática, o que,
entretanto, não prejudica em nada o filme, cujo
atributo maior é inegavelmente o roteiro, obra
póstuma do cineasta polonês Krzystof Kielowski,
falecido prematuramente em 1996.
Trata-se na verdade de uma trilogia, baseada na
Divina Comédia, de Dante Alighieri, na
qual Krzystof Kielowski ( A Dupla Vida de
Verôncia) vinha trabalhando, alguns anos
antes de morrer, em colaboração com Krzystof
Piesiewicz: O Paraíso, O Inferno e
O Purgatório. O primeiro roteiro, O
Paraíso, cuja ação se situa na Itália, foi
filmado pelo cineasta alemão Tom Tykwer (Corra
Lola, Corra), que resultou num trabalho de
pouca aceitação de bilheteria.
Em 2005, o cineasta bósnio Danis Tanovic,
radicado na França, rodou O Inferno, cuja
ação se passa em Paris, tendo início em 1980 e
reflexos nos tempos atuais. A beleza do roteiro
de Kielowicz/Piesiewicz está no fato de saber
rendilhar fatos e datas com maestria de forma
que o espectador se sinta absorvido por completo
pela ação, cuja técnica de evolução dramática
lembra até um pouco a do nosso dramaturgo Nelson
Rodrigues.
O filme se inicia, portanto, em 1980, quando –
após uma bela e metafórica abertura sobre o
nascimento e a morte de um pássaro - um homem (Miki
Manojlovic) deixa a prisão e vai à procura da
família. A mulher (Carole Bouquet), histérica,
dramática, recebe-o de forma agressiva, não
deixando que ele veja as três filhas, as quais,
isoladas no quarto, acabam por testemunhar a
tragédia que resulta da volta do pai ao lar
depois de muitos anos de ausência.
Nos tempos atuais, as três irmãs, Sophie (Emmanuelle
Béart), Céline (Karin Viard) e Anne (Marie
Gillain) vivem, em Paris, suas vidas, embora
nunca se comuniquem, pois, a ligação familiar ao
longo dos anos se rompeu. Sophie, a mais velha,
é casada com Pierre (Jacques Gamblin), com quem
tem um casal de filhos. Céline, uma solteirona,
é a única que se ocupa da mãe, que vive reclusa,
presa a uma cadeira de rodas, numa casa de
saúde. Anne, a mais jovem, é estudante de
arquitetura na Sorbonne.
Percebe-se que é a frustração amorosa uma
característica das três irmãs, as quais se
mostram vulneráveis ante qualquer situação
adversa que lhes apareça em decorrência disso. O
caso mais grave é o de Sophie, que vive seu
inferno particular ao descobrir que o marido tem
uma amante. Anne também está desesperada porque
deseja dar prosseguimento ao caso amoroso que
teve com o professor Frédéric (Jacques Pérrin),
pai de uma sua amiga. E Céline, complexada,
sofre de insônia e vai muito ao cinema porque
pensa não ser capaz de atrair a atenção de
homem algum, o que não é verdade.
Há um jovem, Sébastien (Gillaume Canet) que por
sinal está à procura de Céline, tentando obter
o seu telefone ou o endereço. Ele deseja ter
com ela uma conversa. Quando os dois se
encontram, porém, ele a deixa sem lhe dizer
nada, alegando o adiantado da hora. De outra
feita em que Sébastien procura Céline, ela se
sente cortejada. Encoraja-se e o leva ao seu
apartamento. Despida no quarto, ao se aperceber
rejeitada por ele, sussurra: Você me
desculpe, mas eu vou muito ao cinema!... O
que Sebastien tem a revelar a Céline, contudo,
será capaz de levá-la a unir-se de novo às
irmãs de tal modo que as três se conciliem com o
passado distante e possam talvez viver em
harmonia o presente.
Para realizar esse roteiro de encontros e
desencontros, o cineasta Danis Tonovic usou de
forma excessiva efeitos de câmara para destacar
os momentos de maior intensidade dramática. Mas
por outro lado soube lidar também com a cor que,
tanto na ambientação, como na fotografia de
Laurent Dailland, dá o tom do espetáculo. Além
disso, Tanovic explora visualmente bem escadas,
algumas em caracóis, e corredores, muitos deles
em tom vermelho-escuro, para expressar o
labirinto em que os personagens – as mulheres
principalmente – se afundam à causa do
sentimento do amor que não conseguem
administrar. É verdade que o trabalho de Tanovic
poderia ser mais brilhante se tivesse contado
com a colaboração de um elenco homogêneo.
Pois de fato há desigualdade nas atuações. A
pior é a de Carole Bouquet, que não empresta
máscara convincente à amargurada mãe,
desencadeadora da tragédia familiar. Nem na cena
conclusiva do filme que dela depende muito. A
que surpreende é a de Guillaume Cannet. Sóbrio,
discreto, seguindo a linha da direção, ele cria
uma personalidade própria para o jovem
Sébastien, que, ao contrário da figura da mãe,
precisa se livrar do peso que carrega na
consciência pela afoita intromissão, quando
jovem, na vida da família.
A mais discutível das atuações é a de Emmanuelle
Béart – intérprete de outro filme intitulado
O Inferno, de Claude Chabrol, de 1994 – que
carrega em demasia no tom dramático de sua
personagem, Sophie, mais do que o condizente com
a linha da direção. Sophie se afunda numa
angústia desesperadora ao se saber traída pelo
marido. O cenário de seu sofrimento é o corredor
de entrada do apartamento, de paredes em tom
vermelho-escuro, que vai dar numa janela para a
rua. É diante dessa janela, entretanto, que La
Béart tem um de seus melhores momentos como
intérprete ao desfolhar a planta que ali
colocara o marido, o qual naquele instante,
indiferente à sua atitude, parte na moto à
procura da amante.
É de Emmanuele Béart também uma das seqüências
mais significativas do filme, quando sua
personagem, Sophie, acompanhada dos filhos,
aproxima-se de uma igreja, onde se senta sob uma
árvore. Ela parece ouvir a dissertação que,
naquele instante a irmã, Anne, faz diante da
banca examinadora da faculdade sobre Medeia,
personagem da tragédia de Eurípedes, que matou
os filhos para se vingar do marido, Jason. A
decisão de Sophie, oposta à de Medeia, é a de
que, embora perdera o amor ao marido, ainda lhe
resta o dos filhos, a quem ela deve se dedicar
para sempre. É nesse momento, porém, que começa
a chover. Sophie corre com os filhos à procura
de abrigo na igreja, mas é inútil porque a porta
não se abrirá para eles...
Em suma, O Inferno, de Danis Tanovic, é
filme que se recomenda pela beleza do roteiro de
Kielowski/ Pisiewicz, poético e bem estruturado,
o qual mereceu tratamento cinematográfico de
apurado sentido estético da parte do cineasta
bósnio Danis Tanovic – um dos autores também da
música original - embora os atores, com poucas
exceções, não correspondam plenamente ao que se
esperava deles.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
O INFERNO
L'ENFER
França/2005
Duração – 116 minutos
Direção – Danis Tanovic
Roteiro – Krysztof Piesiewicz, Krysztof
Kielowski
Produção – Cedomir Kolan e Marc Baschet
Fotografia – Laurent Dailland
Edição – Francesca Calvelli
Elenco –
Emmanuelle Béart (Sophie), Karin Viard (Céline),
Anne (Marie Gillain), Guillaume Cannet
(Sébastien), Carole Bouquet (A mãe), Jacques
Gamblin (Pierre), Jacques Pérrin (Frédéric),
Miki Manojlovic ( O pai), Jean Rochefort (Louis) |
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