|
Ser ou não ser: uma questão individual e
intransferível
Por Raquel Souza
Em um
mundo de constantes mudanças, faz –se relevante
a compreensão do ser humano como ser de razão e
propício às várias mudanças em proposição ao
movimento da vida e da existência humana, tal
como sua configuração no “todo” que o cerca e o
constrói.
Pensar no humano é pensar na
configuração das pessoas essencialmente como se
entendem e se projetam, partindo de seus
passados em função de suas motivações e do que
traz sentido às suas vidas. É inviável se pensar
em futuro, se não houver uma construção de
passado sólida e motivações presentes que
construirão o caminho almejado.
O homem é um ser “uno”, ou seja,
único e singular. Logo, é absolutamente
impossível taxar grupos de pessoas a partir de
características comuns dessas, tanto pessoais,
como sociais, tendo em vista que sendo
diferentes, haverá mais incompatibilidades do
que semelhanças. O ser humano não cabe em
esquemas gerais, está muito além disso. Não são
características comuns que agruparão as pessoas,
tirando delas a individualidade que as fazem ser
humanas.
No entanto, tudo que é visto
atualmente, nos meios midiáticos, é as pessoas
sendo rotuladas e/ou esteriotipadas através
dessa ou aquela característica, ao invés de se
buscar uma compreensão mais singular e
aprofundada de cada um. O ser humano atual é
objeto de gráficos e estatísticas governamentais
e sociais, o que apresenta uma inversão de
valores, em que sujeito de razão troca de lugar
com o objeto de pesquisa. As pessoas já não são
mais referenciadas pelos seus nomes, o fazem
através de números, de forma a tirar a
importância da humanidade do próprio ser humano;
já não importa o que se é, importa –se apenas
com a funcionalidade, com a serventia: “para que
serve?”, configurando uma existência pragmática.
Cada pessoa só pode ser
conhecida, externa ou internamente, a partir de
ações externas dela mesma, observadas por
terceiros. Ações estas que perpassam as
palavras, os gestos, as atitudes, os
comportamentos, outros, de forma a
apresentar-lhes ao ambiente externo e permitir
que o outro as veja como são. Para tanto, é
necessário compreender o outro enquanto
existência, ou seja, perceber de algum modo, o
sentido que ele mesmo dá à sua própria
existência.
Uma pessoa não é essencialmente
minada em si mesma, i.e, não se inicia e acaba
nela mesma. As pessoas são um conjunto de
partes, que reunidas, apresentam-se maiores que
o todo externo, ou seja, o que se vê na imagem
de alguém é muito pouco perto daquilo que de
fato aquela pessoa representa e é. Elas se
fundam numa espécie de intuição global e
vivencial, ou seja, se constróem e se projetam
a partir de sua percepção de mundo e de sua
bagagem de experiências. A compreensão
existencial de uma pessoa não pode ser dada a
partir de uma simples análise de dados e de
experiências, já que nenhum indício ou conjunto
de características é suficiente para levar-nos à
compreensão do outro.
O que tem prevalecido no âmbito
existencial humano é a idéia de que o ser
racional ignora as razões de sua vida e
existência, apresentando um comportamento
paradoxal, e adota uma linha de mera
sobrevivência, que descarta todos os motivos que
a permeia. Se o que diferencia o ser humano dos
outros animais, a grosso modo, é a
racionalidade, e o mesmo tem optado por não
usá-la, por julgar ser mais fácil não entender
os porquês da sua própria vida, temos uma
igualdade entre seres racionais e irracionais? A
princípio poderíamos até pensar assim, mas só o
fato de ter o poder de escolha, de ser ou não
ser, de querer entender e compreender sua
própria existência ou não, faz do homem maior
que os outros animais.
Talvez o problema não esteja no
indivíduo como parte, mas na realidade que se
configura em sua volta e preenche as lacunas
existenciais que o torneiam. Se o ser humano
consiste em uma reunião de suas partes
constituintes, que trazem consigo dados
culturais, psicológicos, sociais, empíricos,
familiares, religiosos, outros, pode-se pensar
que a desconfiguração de algumas dessas partes
gera um todo deste indivíduo também faltoso,
incerto e impreciso.
Se o ser humano não nasce homem,
torna-se ao longo de sua vida, e o movimento do
vir a ser “humano”, depende, mesmo que em uma
escala inferior à individual, das partes
constituintes sociais, então o tornar-se humano
ocorre no lugar social também, além do
individual. Logo, boa parte dos problemas do ser
humano é social. O que gera outro discurso
paradoxal, ao entendermos a sociedade como uma
constituição humana, em que cada indivíduo é
parte fundamental. Será que o ser humano precisa
ser protegido de si mesmo? Seus problemas estão
fundados em sua própria existência e
configuração externa dessa?
Voltando à racionalidade, se a
construção individual e social de cada indivíduo
advém dele mesmo, podemos, sim, afirmar que
somos a raiz de todos os problemas que nos
assolam. Ser ou não ser humano, racional,
social, outros, depende apenas de nós mesmos. O
ideal é, portanto, construir uma existência
sólida e uma sociedade, ainda que com toda
licença à subjetividade humana, segura de si.
A segurança, portanto,
referenciada aqui, é aquela que abrange o
individual e o social, que busca uma construção
do todo, a partir da solidez das partes, das
quais o ser humano é fundamental e fundamento,
ao mesmo tempo, o que deixa bastante claro que
toda a realidade existencial humana inicia-se no
humano, fundamenta-se através do sentido de
humanidade e busca o equilíbrio necessário à
realidade social e individual humanas. Logo, o
homem é o início, o meio e o fim de si mesmo.
28/05/2007
Referências:
I- DOWELL, Mac. In
apostila: A questão da racionalidade da fé.
BH: FAJE, 2007.
II-
VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de
Filosofia I: problemas de fronteira. SP:
Loyola, 1998.
III-
VAZ, Henrique C. de Lima. Ética &Direito.
SP: Loyola, 2002.
|
|