Theresa Catharina de Góes Campos

 

A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS

Embora meritório do ponto de vista político-social por ser dedicado a uma entidade que combate a tortura no mundo inteiro e tenha conquistado vários prêmios Goya, na Espanha, o filme A Vida Secreta das Palavras, da cineasta catalã Isabel Coixet, não é , a meu ver, programa que agrade plenamente, pois, além da narrativa arrastada, resvala no melodrama ao tentar abordar a questão do isolamento a que se entregam pessoas que trabalham numa plataforma de exploração petrolífera em águas oceânicas.

O isolamento na verdade parece ser uma característica de todos os que se encontram na plataforma após a ocorrência ali de um acidente, que vitimou um técnico e deixou outro gravemente ferido, o qual, por precaução médica, não pôde ser removido prontamente para um hospital, necessitando por isso de ser atendido a bordo por uma enfermeira que  por sua vez sofreu as agruras da Guerra dos Bálcãs em meados dos anos noventa.

O roteiro, escrito por Coixet, apesar da idéia original, tem o grave defeito de impor uma voz em off como narradora, perfeitamente dispensável, pois exagera em explicações que, pelas imagens, parecem óbvias. Além disso, abusa de indefinições no traço de alguns personagens e assume tom panfletário ao colocar em cena a figura de Inge Genefke - interpretada por Julie Christie, ainda bonita -, fundadora do IRCT, entidade sediada em Copenhague, na Dinamarca, que promove e sustenta a reabilitação de vítimas de tortura do mundo inteiro.

A ação tem início com uma tomada do incêndio na plataforma, denominada Genefke - sobrenome da fundadora da entidade homenageada pelo filme -, que à causa disso poderá vir a ser desativada.  O plano seguinte focaliza Hanna (Sarah Polley), uma operária, de trinta anos, tímida, introvertida, que trabalha numa fábrica de plástico no interior da Grã-Bretanha. Percebe-se que  ela tem dificuldade em se comunicar com as pessoas, quando telefona de sua casa para Inge, mas permanece em silêncio, com o fone no ouvido, sem conseguir emitir qualquer palavra.

No dia seguinte, Hanna é chamada ao Departamento de Recursos Humanos, onde recebe orientação de que, trabalhando para a empresa há quatro anos, ela necessita de tirar férias, uma vez que existem reclamações do sindicato e de alguns trabalhadores sobre sua dificuldade em se relacionar com as pessoas. Hanna parte de ônibus para uma cidade costeira, mas incomodada por não fazer nada, oferece-se para atuar como enfermeira temporária de um único paciente, que se encontra na plataforma acidentada.

Transportada para lá, a primeira rispidez de Hanna é  para com o médico, Dr. Sullitzer (Steven Mackintosh), o qual, entretanto, antes de partir de volta para o hospital, lhe faz algumas recomendações sobre Josef (Tim Robbins), que sofreu várias queimaduras pelo corpo e perdeu temporariamente a visão. Com o paciente, contudo, a disposição de Hanna parece ser outra, embora se mostre ainda misteriosa e enigmática, deixando que  ele pense ser ela uma freira e que a chame de “Cora”, referência  talvez a uma personagem do escritor argentino, Júlio Cortazar.

Logo, porém, Hanna descobre uma outra referência literária pela última mensagem gravada no celular de Josef. Trata-se das Cartas Portuguesas, de Mariana Alcoforado, livro que ele dera de presente a uma mulher, a qual diz na mensagem que o ama. Tem início então o jogo de atração de um pelo outro, que se constitui realmente no ponto alto do filme, não só pela qualidade do diálogo travado entre os dois personagens como pela magnífica atuação de seus intérpretes.

A atriz canadense Sarah Polley, pela segunda vez dirigida por  Coixet – a primeira foi em Minha Vida Sem Mim – está esplêndida, deixando evidenciar que por mais dura que seja uma mulher, ela não resiste ao fascínio de um homem que sabe ser amado por outra. O desafio da fêmea brilha em seus olhos. Por sua vez, Tim Robbins, como sempre, se mostra irrepreensível. Sem nada poder fazer, ele ferve de desejo por “Cora” que lhe fala com voz doce aos ouvidos e com mãos suaves o induz a urinar no compadre, faz-lhe a barba, cura os ferimentos e acaricia-lhe o rosto.

A qualidade do trabalho de direção de Coixet se mostra, portanto, na maneira com que sabe conduzir e explorar o trabalho dos atores mais do que propriamente em compor imagens, apesar de contar com a fotografia excelente de Jean-Claude Larrieu.  Por não haver conflito no roteiro -  com exceção dos dois protagonistas que evoluem em seu jogo de sedução, os demais personagens são estáticos, esperando apenas que algo se defina pela companhia em relação à plataforma - também a direção se utiliza bastante da trilha sonora, com combinação de jazz e canções de Tom Waits e de David Byrne, para dinamizar a narrativa, que às vezes fica apesar disso arrastada.

Mas a direção se perde mesmo é na maneira superficial com que procura expor a questão do isolamento ou da solidão dos trabalhadores da plataforma marítima. O assunto é levantado por Dimitri ( Suerra Ausker Ausdal ), que assim parece justificar para o espectador o fato de nenhum outro dos que lá  se encontram, além de Josef, se interessar pela bela enfermeira, Hanna.  Há um oceanógrafo, Martin ( Daniel Mays), de boas intenções  ecológicas, que conta as batidas das ondas no casco, mas jamais se  comunica com alguém. Há dois técnicos  -  Scott (Danny Cunnigham) e Liam ( Dean Lennox Kelly) -, que por sentirem a ausência das respectivas famílias, decidiram satisfazer entre si suas necessidades afetivas e Simon ( Javier Câmara), cozinheiro, que além de ser mestre em culinária, parece saber de coisas sobre a vida de Josef, que ele, entretanto, prefere esquecer.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA

A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS

LA VIDA SECRETA DE LAS PALABRAS

Espanha/ 2005

Duração – 115 minutos

Roteiro e Direção – Isabel Coixet

Produção – Esther Garcia

Co-produção – Agustín e Pedro Almodóvar

Fotografia  - Jean-Claude Larrieu

Edição -  Irene Blecua

 

Elenco – Sarah Polley (Hanna), Tim Robbins (Josef), Javier Câmara (Simon), Steven Mackintosh (Dr. Sullitzer), Julie Christie (Inge), Danny Cunnigham (Scott), Dean Lennox Kelly (Liam ), Daniel Mays ( Martin), Suerra Auker Ousdal(Dimitri)

 

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