Theresa Catharina de Góes Campos

 

TROPA DE ELITE

Embora seja um relato bom, honesto, até mesmo corajoso, endereçado ao exterior, sobre a guerra que se trava há longos anos entre a polícia e os traficantes de drogas nas favelas cariocas, o filme Tropa de Elite, de José Padilha, não chega a empolgar por causa de sua inapropriada formulação em termos de linguagem cinematográfica, sem dinâmica própria, quase documental, apoiada numa narrativa em off , que interrompe a todo tempo a ação.

Mas, como se deve observar, o trabalho de direção de Padilha, calcado, como evidenciam algumas seqüências, no clássico Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, do qual chega a fazer até mesmo tímida citação nos escombros de uma favela, é promissor, tanto no que diz respeito à composição de planos – com o apoio da bela fotografia de Lula Carvalho - e de cenas, como na orientação dos atores, que, sob seu comando, apresentam interpretações homogêneas, sem os vícios e cacoetes da televisão.

O filme, inspirado no livro Elite da Tropa, de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, retrata, sob a ótica do protagonista, que é também o narrador, Capitão Nascimento (Wagner Moura), comandante do Bope – Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro – aspectos da violência urbana carioca datada de 1997, quando ele tinha sob suas ordens 100 soldados, enquanto a polícia dita convencional, despreparada e corrupta, segundo seus dizeres, era constituída de 30 mil homens.

- Se não existisse o Bope, – ele afirma – os traficantes já tinham há muito tomado conta do Rio de Janeiro.

Quando se inicia a película, o Capitão Nascimento, ao mesmo tempo em que comanda operação de ataque noturno a uma favela no alto de um morro, fala ao celular, numa voz doce e macia, como qualquer policial do cinema americano, com a mulher Roberta (Fernanda de Freitas ), perguntando pelos movimentos, no ventre dela, do filho que está para nascer. Depois de assim fazer a figuração de marido exemplar, ele começa, em off, a dizer poucas e boas de sua profissão de policial, lembrando que, na época, ante a perspectiva do nascimento do filho, andava de pavio curto, ansioso por encontrar um substituto para atuar no comando do Bope  porque não queria morrer.

Prosseguindo em off, Nascimento procura traçar um quadro da triste realidade da Polícia Militar carioca, que, como muitas repartições públicas brasileiras, é uma anarquia, desaparelhada para qualquer eventualidade, onde existe sempre uma silenciosa conspiração de funcionários mal remunerados para que nada dê certo, como nos postos de saúde, nos hospitais públicos, no INSS, etc, etc. É a calamidade nacional que todos estamos fartos de conhecer, mas que, pelo filme, precisa também ser conhecida no exterior.

Para que o Capitão Nascimento continue com o seu amargo sermão sobre as agruras burocráticas da polícia, o roteiro, esquemático, elaborado por Padilha em colaboração com Rodrigo Pimentel e Bráulio Mantovani, destaca, por meio de subtítulos que se fixam demoradamente na tela à maneira dos filmes de Quentin Tarantino, dois policiais idealistas, amigos desde a infância, puros, ingênuos, mas, apesar disso, integrantes do Bope: Neto (Caio Junqueira) e André Matias (André Ramiro). Cada um deles enfrenta à sua maneira a dura sina de ser policial na ex-Cidade Maravilhosa, hoje assoberbada pela existência de mais de 700 favelas incrustadas nos morros que a rodeiam, dominadas pelo tráfico de drogas.

Assim, Neto, designado, como o foi, para recuperar carros, que se acham encostados como imprestáveis, na oficina do quartel da polícia, de gênio um tanto impetuoso e impulsivo, não vê qualquer problema, como alguns elementos integrantes da notável equipe presidencial, em extorquir dinheiro do jogo do bicho para botar as viaturas funcionando a contento do seu superior, Capitão Fábio (Milhem Cortaz). Para justificar o ato do soldado, Nascimento diz, em off, que é o sistema, jogando contra o próprio sistema. Tudo, como se depreende, na boa promiscuidade de sempre da sociedade brasileira.

Por sua vez, André Matias, segundo Nascimento, é inteligente e dedicado. Mas – ele comenta – preto que nasce pobre no Brasil não tem lugar na vida . Matias, porém, tem um ideal, que fica longe do Rio de Janeiro. Ele quer se formar em Direito e se especializar na área criminal e possivelmente ir viver distante da cidade. Na faculdade, entretanto, ele omite dos colegas, gente boa da alta burguesia carioca, viciada em maconha, o fato de ser policial e, meio caído de beiços por uma moçoila, Maria (Fernanda Machado), se deixa levar por ela a participar de uma corrupta ONG, que a despeito de ajudar criancinhas da favela, promove, na verdade, o tráfico de drogas no meio da estudantada, a qual, por sua vez, abomina os que em tese são defensores da lei.

A fase mais dura do filme, que lembra Kubrick, é a que vem em seguida, na qual, para selecionar quem será seu substituto, o Capitão Nascimento abandona o seu jeito manso de narrador da história para mostrar sua face verdadeira, a de um torturador cruel, tanto de traficantes de drogas para que entreguem os companheiros, como de soldados que ele deseja eliminados da corporação. Apesar disso, fica cheio de melindres, sob falsa crise de consciência, depois que recebe a mãe de um fogueteiro, uma nova Antígona, pedindo para enterrar o filho, que ele matara durante uma batida no morro na noite anterior.

É como torturador e assassino, portanto, que o Dirty Nascimento, como também poderia ser chamado, se realiza até sexualmente, conforme bem sugere o filme de Padilha. Tanto assim, que depois de uma arrasadora sessão de tortura com saco plástico ou de esbofetear por várias vezes seus subordinados, como o Tenente Neto, no estertor do gozo, ele chega a casa aos gritos com a mulher, dizendo-lhe: Não fale mal da minha profissão que eu a escorraço desta casa!...Tudo aqui é meu. Só meu!...

Em suma, Tropa de Elite, de José Padilha, embora seja um bom relato, honesto e corajoso sobre a guerra urbana que se trava há anos, sem solução, no Rio de Janeiro, não chega a empolgar por causa de sua inadequada linguagem cinematográfica, sem dinâmica própria que mais parece documentário sobre as condições de funcionamento da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Mas o filme revela, sem dúvida, um cineasta de talento, José Padilha, que compõe bem os planos e as cenas e, além disso, sabe orientar atores de forma que apresentem um trabalho homogêneo sem os vícios da televisão. É um filme, portanto, que precisa ser visto!...

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
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FICHA TÉCNICA
TROPA DE ELITE

Brasil/2007
Duração – 118 minutos
Direção – José Padilha
Roteiro – Rodrigo Pimentel, Bráulio Mantovani e José Padilha
Produção – José Padilha e Marcos Prado
Música – Pedro Bromfman
Fotografia – Lula Carvalho
Edição – Daniel Rezende

Elenco – Wagner Moura (Capitão Nascimento), Caio Junqueira (Neto), André Ramiro (André Matias), Milhem Cortaz (Capitão Fábio), Fernanda de Freitas (Roberta), Fernanda Machado (Maria), Thelmo Fernandes (Sargento Alves), Maria Ribeiro (Rosane)


NOTA DA EDITORA

From: Theresa Catharina de Goes Campos
Date: 11/10/2007 12:10
Subject:Re: TROPA DE ELITE
To: REYNALDO FERREIRA

Estimado Reynaldo:

Agradeço o seu excelente texto, realista e bem informativo, sobre o filme Tropa de Elite.
Vou enviar ao Walter, com prioridade máxima, para a atualização dos meus sites neste fim de semana.
(...)

Devo lhe confessar, entretanto, que esta sua amiga já não tem mais saúde física nem mental para assistir a um filme como Tropa de Elite. Mas estou lendo todas as matérias divulgadas na imprensa e vejo os trailers (confesso, também, que assisto aos trailers porque sou obrigada, ao me encontrar nas salas de cinema para a exibição de outros filmes...). E lendo os jornais, ouvindo o rádio, assistindo aos noticiários televisivos, portanto, tentando me informar sobre o dia-a-dia de IRRESPONSABILIDADE, INSEGURANÇA e ABANDONO TOTAIS que nós vivemos no Brasil, já me sinto bastante assustada.

Para sobreviver, sem me desesperar, preciso conservar a Esperança e a Fé nas pessoas de bem. São o ar que eu respiro!

Abraços cordiais,
Theresa Catharina


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