VERMELHO COMO O CÉU
Comovente, sem ser piegas,
Vermelho como o céu, do cineasta
italiano Cristiano Bortone, é um
filme que narra, num tratamento
convencional, a história verídica de
um garoto que, vencendo o
preconceito, soube, como deficiente
visual, não só se adaptar ao mundo
de imagens recriadas por meio de
sons e de palavras, como também
adquirir sua liberdade e se tornar
um homem de sucesso.
É a história de Mirco Mencacci,
compositor e renomado editor de som
do cinema italiano, que guarda, por
sinal, semelhança com a do tenor
Andréa Bocelli, de fama
internacional. Isso porque ambos,
além de serem naturais da Toscana,
ficaram cegos na infância por
acidentes que lhes ocorreram, um,
por uma queda ao tentar, aos dez
anos, apanhar a arma do pai suspensa
numa parede da casa e, o outro, por
ter nascido com glaucoma congênito,
jogando futebol, aos doze anos, foi
atingido por uma bola na cabeça.
A diferença é que Mirco (Luca
Capriotti) era um garoto pobre que,
nos anos setenta, na Itália, por ser
deficiente visual, ficou impedido de
continuar estudando na escola
pública. Por isso, os pais tiveram
de levá-lo para uma instituição
especializada no ensino de cegos,
pelo método Braile, de um grupo
católico, na cidade de Gênova, o
Instituto Gassone, de tradição de
mais de cem anos.
Mirco, porém, se recusa a aprender o
Braile por entender, como os seus
pais, que não perdera totalmente a
visão, uma vez que se sentia ainda
capaz de identificar vultos à sua
frente. E é assim, em grau de
superioridade, que ele se posiciona
em relação aos demais garotos cegos
da instituição até que o professor,
Don Giulio (Paolo Sassanelli), o
adverte de que há coisas belas a
serem descobertas se ele desenvolver
mais os outros sentidos, como o da
audição:
-
Você nunca observou, Mirco, que
muitos instrumentistas fecham os
olhos, isto é, anulam a visão, para
sentir mais profundamente a música
que eles próprios executam? Há cinco
sentidos, Mirco. Por que você só
quer usar um ? – ele lhe
pergunta.
Como Mirco, antes do acidente,
gostava de ir ao cinema com o pai,
que até se sacrificava para levá-lo
às sessões das sextas-feiras, ao
descobrir um velho gravador
abandonado num armário, ele tenta
recuperá-lo para, com a colaboração
de amigos, criar histórias sonoras à
semelhança das que acompanhava nos
filmes. Por ser criativo, ele
desperta, entretanto, a ira do
diretor do estabelecimento, também
um deficiente visual, mas um ser
retrógrado e muito ranzinza. Mirco
recebe, contudo, o apoio de Don
Giulio, que o presenteia com um
gravador novo para continuar criando
suas histórias.
A originalidade do trabalho de
Bortone não está propriamente em sua
linguagem narrativa, nem na sua
mise en scène, que peca pelo uso
imoderado de clichês de filmes do
gênero e de algumas situações
esdrúxulas para apresentar
personagens, mas pela maneira como
mostra a descoberta que Mirco faz,
com os seus amigos, do mundo mágico,
presidido pela força das palavras e
dos sons, ambos de natureza
reflexiva. E mais que isso pela
surpreendente forma com que conduz,
ao final, os pais das crianças cegas
a sentirem as mesmas sensações que
elas com as histórias sonoras que
criaram…
Também se deve reconhecer no
trabalho de Bortone, que estudou
cinema nas Universidades da
Califórnia e de Nova York, o
excelente preparo técnico do elenco
infantil do filme, ao qual teria se
dedicado por mais de um ano,
liderado naturalmente por Luca
Capriotti, garoto de personalidade
forte, que interpreta o papel de
Mirco com determinada força de
convencimento. Ainda no campo das
interpretações, deve-se ressaltar a
presença de um novo e promissor ator
do cinema italiano, de vivência
teatral, Paolo Sassanelli,
intérprete de Don Giulio, que
colaborou também com Bortone na
elaboração do roteiro.
Outro trunfo de
Vermelho como o
céu é a direção de fotografia,
de Vladan Radovic, que desde o
primeiro plano, um belo panorâmico
de um campo da Toscana, o qual se
repete ao final, esmera na
movimentação de câmara para captar
da forma mais intimista possível as
reações das crianças cegas que,
enclausuradas, distantes de seus
familiares, se sentem inseguras, mas
desejosas de conquistar a liberdade.
Por esses atributos, a película de
Bortone recebeu o prêmio de público
da 30ª Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo, no ano passado,
além do prêmio Davi Donatello,
destinado a filme sobre crianças,
outorgado este ano pela Academia de
Artes Cinematográficas da Itália. É
filme, portanto, que merece ser
visto.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
VERMELHO COMO O CÉU
ROSSO COMO IL CIELO
Itália/2006
Duração – 95 minutos
Direção – Cristiano Bortone
Roteiro – Cristiano Bortone e Paolo
Sassanelli
Produção – Cristiano Bortone e
Daniele Mazzocca
Fotografia – Vladan Radovic
Música – Ezio Bosso
Edição - Carla Simoncelli
Elenco – Luca Capriotti (Mirco),
Paolo Sassanelli (Don Giulio),
Francesca Maturenze (Francesca),
Simone Colombari (Achile), Marco
Cocci (Ettore), Rosane Gentile
(Teresa).