Theresa Catharina de Góes Campos

 

NO VALE DAS SOMBRAS

Em No Vale das Sombras, o cineasta canadense Paul Haggis volta a fustigar a sociedade americana, como o fizera no seu primeiro filme, Crash – No Limite, ganhador do Oscar, mostrando desta feita, ao narrar a tragédia da família de um veterano do Vietnam, que não precisam os americanos procurar inimigos externos porque os piores se encontram lá entre eles próprios.

Com base numa reportagem de Mark Boal, Death and Dishonor (Morte e Deshonra), publicada pela revista Playboy, Paul Haggis escreveu um roteiro, corajoso, como não se encontram aqui por estas bandas, muito bem estruturado, em que faz uma radiografia dos valores da "democracia" americana que o governo dos EUA quer, pela força, que prevaleçam também em outros países, como, no presente, o Iraque e o Afeganistão.

A história, extraída da reportagem, é a do desaparecimento, do quartel, do soldado Mike Deerfield (Jonathan Tucker), dias depois de retornar do Iraque. O pai do soldado desaparecido, Hank Deerfield (Tommy Lee Jones) é um patriota empedernido que depois de voltar do Vietnam, trabalhou por mais de vinte anos como investigador da Polícia Militar numa pequena cidade do estado do Tennessee.

Casado com Joan Deerfield (Susan Sarandon), Hank vai pessoalmente ao quartel, situado numa pequena localidade do Novo México, a fim descobrir o que aconteceu a Mike, mas não sem antes encomendar a reconstituição de arquivos de e-mails que ele lhe mandara do Iraque nos últimos tempos, e deixar  também transparecer que o filho mais velho morrera em combate, numa queda de helicóptero, catorze anos atrás.

Ao chegar ao Novo México, o contato que Hank tem na polícia local é a detetive Emily (Charlize Theron), que, para exercer a profissão, tem de enfrentar o preconceito dos colegas homens, além das conveniências políticas locais. Estabelece-se então, para Hank, o primeiro desafio, isto é, o de encarar, no seu militarismo, a detetive Emily, que lhe diz tudo o que pensa, ao contrário da esposa, Joan, a qual sempre acatou tudo o que ele lhe falava.

É assim que tem início a investigação, tensa a todo o tempo, uma vez que pelos e-mails reconstituídos, Hank vai tomando ciência também, aos poucos, de forma paralela, das atrocidades praticadas por Mike e seus companheiros contra elementos da população indefesa do Iraque, feitos seus prisioneiros.

É uma investigação que muito se assemelha à de Édipo-Rei, de Sófocles – que parece ter sido referência na concepção da narrativa de Haggis -, pois quando o corpo de Mike aparece trucidado no meio de um campo próximo ao quartel, ela leva naturalmente à descoberta de um criminoso. Mas antes que isso aconteça, faz com que um homem, Hank Deerfield, descubra a si mesmo, pois, tendo perdido os dois filhos, que foram à guerra por sua imposição - conforme lhe cobra a mulher, Joan -, talvez se redima.

O Valley de Elah a que se refere o título do filme em inglês é o local onde Davi, depois de vencer o medo, enfrentou Golias com uma pedra que lhe lançou na funda, atingindo-o na testa, de acordo com o episódio bíblico que Hank narra ao filho da detetive Emily na tentativa de encorajá-lo a dormir sozinho, no quarto, sem manter a porta aberta. Talvez para Hank fosse apropriada a leitura ao final do filme de outro episódio bíblico, o de Abraão que construiu o altar, dispôs a lenha, depois amarrou seu filho, Isaac, para imolá-lo por amor a Deus.

Porque durante a investigação a que se procede sobre o assassínio de Mike são expostos fatos que – assim como Haggis já o fizera em relação à implantação, nos EUA, do sistema de cotas para minorias étnicas em Crash-No Limite – que atacam diretamente a necessidade que têm os americanos (representados por Hank) de enviar jovens para as guerras e conferir-lhes poderes de semi-deuses, quando não estão preparados para isso. No último telefonema que lhe deu, ainda do Iraque, Mike, chorando, implorava ao pai impassível: Tire-me deste inferno, meu pai!... Eu não suporto mais.

Com apoio na bela fotografia de Roger Deaknis – que por sinal poderia ter sido mais bem aproveitada, em termos de plasticidade, como o foi por Andrew Dominik em O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford – a narrativa de Paul Haggis se mantém envolvente durante quase todo o tempo, pois, ao final, lamentavelmente, perde a força, quebra o ritmo e deixa que o filme acabe numa cena prosaica, sem inspiração, que só não se perde mais porque a trilha sonora de Mark Ishram a levanta com a canção House is Falling Down (A Casa está vindo abaixo), escrita e interpretada por Katleen York.

Paul Haggis se revela também, uma vez mais, excelente diretor de atores, pois todo o elenco se mostra, ao seu comando, afiadíssimo sob a liderança de Tommy Lee Jones que, no papel de Hank Deerfield, tem interpretação impecável, digna de premiação. O momento, por exemplo, em que ele narra a história da luta de Davi contra Golias para a criança que não quer dormir sozinha, é memorável. Aliás, o filme é dedicado por Haggis às crianças, como se esclarece nos créditos finais.

Quase no mesmo diapasão da atuação de Lee Jones são as interpretações de: Susan Sarandon, que, embora apareça tão pouco, marca presença como a esposa oprimida, arrasada pela perda dos dois filhos que o marido mandou para a guerra;  Charlize Theron, como a detetive Emily, que enfrenta não só o machismo dos colegas policiais, como também o militarismo e o preconceito contra hispânicos de Hank Deerfield, com beleza, discrição e autoridade, e Jason Patrick, há algum tempo distante da tela, que volta no papel do militar Kirklander, tendo oportunidade de contracenar com Charlize Theron em cenas de embate duro e desafiador.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
NO VALE DAS SOMBRAS
IN THE VALLEY OF ELAH
EUA/2007

Duração – 121 minutos
Direção – Paul Haggis
Roteiro – Paul Haggis inspirado em reportagem de Mark Boal, publicada pela Playboy
Fotografia – Roger Deaknis
Trilha Sonora – Mark Ishram
Elenco – Tommy Lee Jones (Hank Deerfield), Susan Sarandon (Joan Deerfield), Charlize Theron (Detetive Emily), Jason Patrick (Lt. Kirklander), Jonathan Tucker (Mike Deerfield), James Franco (Sargento Dan Carnelli)

 

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