Theresa Catharina de Góes Campos

 
MARIE E PIERRE CURIE
 
  Visita de M.Curie, aos 58 anos de idade,e sua filha Irène
ao Instituto do Radium de Belo Horizonte, em agosto de
1926. Esta fotografia faz parte do acervo da Sala Borges
da Costa
do CEMEMOR.

M. CURIE E O INSTITUTO DO RADIUM

O Instituto do Radium, primeiro centro destinado à luta contra o câncer no Brasil, foi inaugurado no dia 7/9/1922, em Belo Horizonte, ocupando área doada pela Prefeitura nos fundos do Parque Municipal e limitando-se com os terrenos da Faculdade de Medicina. Para sua criação, foi fundamental a participação do Prof. Eduardo Borges da Costa, então diretor da Faculdade de Medicina, que conseguiu sensibilizar as autoridades constituídas, obtendo dessas o imprescindível apoio para a execução do projeto. Segundo Pedro Salles, 1 o Instituto "custou ao Estado Cr $ 550.000, fora o preço de 25 centrigramas de radium adquiridos nas usinas da Societé Française d'Energie et Radio-chimic de Courbevoie, por Frs. 276.459". Do conjunto ao detalhe, o Instituto do Radium confirma o propalado senso estético de Borges da Costa - um belo estilo arquitetônico, com a fachada ornada de colunas gregas, e uma instalação primorosa. O Instituto foi concebido como fundação autônoma e tinha por objetivo o estudo do radium e dos Raios X; o estudo, pesquisas científicas e o tratamento do câncer, moléstias afins e afecções pré-cancerosas. O serviço de Roentgenterapia foi confiado ao Dr. Jacyntho Campos e o de Curieterapia foi confiado ao Dr. Mário Penna (por Curieterapia entendia-se a irradiação dos tumores por meio de agulhas de platina carregadas de radium). Segundo Guilherme Halfeld, 2 em 1923 (ano seguinte ao da inauguração do Instituto), Eduardo Borges da Costa participou da delegação brasileira enviada à França para as comemorações do centenário de nascimento de Pasteur, ao lado de Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, Eduardo Rabelo, Gustavo Riedel e Eurico Villela, acompanhados das respectivas esposas. Na grande exposição comemorativa, além das contribuições científicas levadas de Manguinhos, figurou uma maquette do recém-inaugurado Instituto do Radium, acompanhada de fotografias e dados esclarecedores sobre seu funcionamento e suas finalidades. Aproveitando a viagem, Borges da Costa permaneceu por algum tempo em Estrasburgo, especializando-se com o grande cirurgião Sancert, e, em Paris, com Nageotte; posteriormente, em Copenhague, fez curso de anatomia patológica dos tumores com o Prof. Fieberger. A partir de 1950, o Instituto do Radium passou a chamar-se Instituto Borges da Costa, em homenagem a seu fundador e primeiro diretor, falecido no dia 5 de setembro daquele ano. Há cerca de uma década, boa parte de suas instalações foi ilegalmente ocupada por alunos da UFMG e o Instituto transformado em "moradia estudantil"; mesmo assim, ainda funciona ali um ambulatório de cirurgia. O Instituto Borges da Costa representa, hoje, a última relíquia arquitetônica do Campus da Saúde, que passou por inúmeras transformações desde a fundação da Faculdade em 1911; por conseguinte, sua demolição (ou mesmo a mudança de sua fachada) seria algo inaceitável por parte de quantos sabem de seu inestimável valor histórico.

Conforme se comentou acima, um momento marcante para a história do Instituto foi representado pela visita de Marie Curie e sua filha Irène, em agosto de 1926; mãe e filha aqui chegaram após uma viagem de trem, procedentes do Rio de Janeiro, e, no dia 17, foram conhecer o Instituto, deixando as respectivas assinaturas no livro de registro de visitas. No dia 18, na Faculdade de Medicina, Marie Curie pronunciou uma conferência sobre a radioatividade e suas aplicações na Medicina.

Marie Curie (l867-1934), nascida Marya Sklodowska, de origem polonesa, já era viúva quando de sua visita a Belo Horizonte (pois o marido Pierre Curie falecera em 1906, vítima de um atropelamento) e, por essa ocasião, já recebera por duas vezes o Prêmio Nobel em reconhecimento a seus estudos sobre a radioatividade. Assim, em 1903, junto com o marido Pierre e com A.H.Becquerel, Marie Curie recebeu o Nobel de Física. Becquerel descobriu, em 1896, a propriedade de certos minerais de urânio de emitirem raios semelhantes aos Raios X, descobertos por Roentgen no ano anterior; Marie e Pierre Curie descobriram a radioatividade do tório, isolaram, em 1898, o polônio (um novo elemento radioativo, 400 vezes mais poderoso que o urânio) e descobriram, ainda em 1898, o radium, elemento ainda mais ativo que o polônio. Em 1911, Marie Curie foi distinguida com o Nobel de Química por suas investigações sobre as propriedades do radium e as características de seus compostos.

A filha de Marie e Pierre, de nome lrène (l897-1956), foi assistente da própria mãe no Institute Radium de Paris e ali conheceu o físico Jean Frédéric Joliot, com quem se casou em 1926. Após defender tese sobre os raios alfa do polônio, lrène formou-se, em 1925, pela Faculdade de Ciências de Paris; em 1936 foi nomeada subsecretária de Estado para pesquisas científicas; a partir de 1937, lecionou na Sorbonne e, em 1946, tornou-se diretora do Institute Radium. Foi membro da Comissão de Energia Atômica, do Comitê Nacional de União de Mulheres Francesas e do Conselho Mundial de Paz.

Jean Frédéric Joliot-Curie (l900-l958) também foi assistente de Marie Curie e, curiosamente, adotou seu sobrenome após desposar, em 1926, sua filha lrène. Formou-se em ciências, em 1930, com tese sobre a eletroquímica do polônio. Em 1935, recebeu, juntamente com a esposa, o Prêmio Nobel de Química. A descoberta que lhes valeu tal distinção surgiu da seguinte experiência: bombardeando boro, alumínio e magnésio com raios alfa, obtiveram isótopos radioativos de elementos normalmente não radioativos, ou seja, nitrogênio, fósforo e alumínio. Foi revelada, assim, a possibilidade de se empregarem elementos radioativos produzidos artificialmente para acompanhar mudanças químicas e processos fisiológicos. Jean Frédéric Joliot-Curie e lrène participaram também da construção da primeira pilha atômica francesa. Do exposto, resulta claro um fato inédito, ou seja, cinco ganhadores do Prêmio Nobel numa mesma família: Pierre, em 1903; Marie, em 1903 e, depois, em 1911; lrène em 1935 e Jean Frédéric (que entrou para a família em 1926), também em 1935. Esse fato dá a exata dimensão da importância da visita que Marie Curie e sua filha fizeram ao Instituto do Radium em 1926 - ocasião em que foram fotografadas ao lado de Carlos Pinheiro Chagas, um dos antecessores de Bogliolo à frente da Cátedra de Anatomia Patológica.

Notas:
1- Salles, P.: Contribuição para a história da Medicina de Belo Horizonte. Revista da AMMG 17:54, 1996. O autor, Pedro Drummond de Salles e Silva, misto de médico e historiador, formou-se em Medicina pela UMG em 1927. Foram seus colegas de turma Flávio Marques Lisboa (pioneiro, junto com José Ferola, da Radiologia em Minas Gerais), Pedro Nava (médico reumatologista e memorialista) e Juscelino Kubitschek de Oliveira (Prefeito de Belo Horizonte, Governador de Minas Gerais e Presidente da República). É também de sua autoria o livro História da Medicina do Brasil (Belo Horizonte, Editora G. Holman Ltda., 1971), com prefácio de Pedro Nava. Aliás é justamente nesse prefácio que o memorialista cita uma frase de Littré capaz de estimular o historiador da Medicina: "Il n'est rien dans la plus avancée des médecines modernes dont on ne puisse trouver l'embryon dans la médecine du passé".
2- Halfeld, G.: Um pouco da vida de Borges da Costa. Revista da AMMG 22:169, 1971.

Fonte: Vida e Obra de Luigi Bogliolo

 

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